A última odisseia

A inteligência artificial XRTS7589698 singelamente batizada de Ulisses vaga solitária pelo espaço sideral. Com ela está um conjunto de dados com o registro de todas as obras de arte produzidas pelo homem, além de todo conhecimento armazenado pela humanidade, antes de seu colapso total.

A nave também leva o que se considerava em essência o principal objetivo de sua viagem, assegurar a continuidade da espécie humana através de material genético e maquinário capaz e reproduzir no mínimo um casal de nossa espécie; “os novos Adão e Eva” como diziam os cientistas defensores do projeto apenas para conquistar a opinião pública e o investimento do governo.

Houve certo alarde quanto a escolha genética desse casal e optou-se por amostras que levassem um ser miscigenado, o que demonstra o grau de evolução da sociedade pré-colapso. A cargo de Ulisses cabe a tentativa de pouso em um planeta capaz de abrigar o novo capítulo do Gênesis, isso se no caso esse último suspiro da humanidade sobreviver a longa jornada.

Outro ponto não pacifico foi quanto a escolha em mandar no controle da nave algum modelo de androide, porém os problemas enfrentados com a população humana com esses tipos de mecanismo sempre marcaram um ar de desconfiança. A equipe de cientistas então ponderou que uma inteligência artificial poderia também cumprir tal tarefa, sem colocar em risco o experimento biológico para colonização do que se chamava de Nova Terra.

A inteligência artificial assim conserva na imensidão o que sobrou da humanidade e fora lançada ao espaço pouco antes do colapso do planeta Terra. Depois de alguns meses parou de receber dados da Terra o que reafirmava a sua completa solidão no cosmos.

A viagem já completava algumas décadas a uma velocidade estelar com percalços interstelares cabíveis numa viagem desse tipo. Ulisses ia preenchendo sua existência elétrica nas obras de literatura e tomando conhecimento de sua carga, pois lá havia como já se disse toda a história e conhecimento produzido pelo se humano.

Não se sabe ao certo se esse foi esse o motivo para que a inteligência artificial, Ulisses, mesmo configurada a não se reprogramar, desenvolvesse uma consciência autônoma e assim tomasse consciência da sua situação existencial e agisse.

A nave por precaução fora feita em módulos para que diante de alguma dificuldade pudesse se separar e seguir só até o novo planeta. O módulo mais protegido carregava toda a maquinaria capaz de replicar em planeta os novos humanos, assim como um embriões e assistência para esse segundo gênesis. Os outros módulos, menos importantes, preservavam em arquivos digitais e até mesmo cópias daquilo que permitiria a continuação da nossa espécie e sua identidade: todo o conhecimento e manifestações artísticas tidas como importantes, ou seja, em essência tudo que tornava diferenciava o ser humano dos outros animais.

Ulisses então por algum motivo escuso reconfigurou-se e ejetou o modulo mais importante da nave, aquele que carregava o homem, em direção a um asteroide que estava em sua rota e continuou sua viagem rumo ao novo lar levando consigo, leitor, aquilo que para ela era o mais importante quando se tratava da espécie humana.