De volta
[Conclusão de "Deus ao telefone"]
- Houve muitos boatos nos últimos meses, de que estaríamos nos separando - informou John perante os microfones empunhados por jornalistas da mídia londrina, na sede da Apple Records. - Eles não são verdadeiros.
- Mas e as diferenças criativas que vocês experimentaram nas gravações do "Álbum Branco"? Como foram superadas? - Questionou um repórter da BBC.
- A soma das partes, no nosso caso, sempre foi maior do que o nosso talento individual - reconheceu John com humildade. - Não vamos deixar de seguir nossos projetos individuais, mas os Beatles continuarão a existir como um grupo, esperamos, ainda por um longo tempo.
- Essa decisão de continuar com a banda tem a ver com o recente anúncio de Eric Clapton, como supervisor de criação? - Questionou outro repórter.
- Eric é um grande amigo, e veio até nós num momento em que nos sentíamos perdidos; Paul teve uma ideia brilhante para retomarmos nosso caminho, mas nem todos no grupo concordamos com o que deveria ser feito dela para que se concretizasse - explicou John. - Eric nos deu essa direção. Ele não é o Brian, naturalmente, nem o está tentando substituir, mas talvez seja a pessoa que melhor nos compreende no campo criativo. Por isso a decisão de convidá-lo a se incorporar ao projeto "Get Back" como supervisor de criação, o qual, para nossa satisfação, ele aceitou.
- Uma pergunta pessoal, John - atalhou uma jornalista da Variety, erguendo o braço. - O que houve com sua namorada, Yoko Ono? Ela não está mais frequentando as sessões de gravação?
John pareceu momentaneamente embaraçado com a pergunta. Finalmente, ajeitou os óculos e respondeu:
- Yoko e eu resolvemos dar um tempo. Preciso me dedicar integralmente a este projeto, e a presença dela no estúdio estava se tornando um tanto... distrativa.
- Então, vocês não romperam? - Questionou a repórter.
- De forma alguma - assegurou com firmeza John. - Yoko apenas reconheceu que após concluídas as gravações do "Get Back", teremos um tempo somente para nós e nossos projetos. Não havia necessidade de sobrepor ambos.
- Houve boatos de que o afastamento dela das gravações foi uma exigência de Eric Clapton - insistiu a jornalista.
- Como você disse, são boatos - assegurou John. - Não há um pingo de verdade nisso.
Um assessor de imprensa aproximou-se do Beatle e cochichou algo em seu ouvido. Ele balançou a cabeça e depois encarou os repórteres.
- Preciso voltar ao estúdio, vamos retomar as gravações. A assessoria da Apple irá lhes fornecer mais informações sobre o andamento do projeto "Get Back". Muito grato, senhoras e senhores!
John saiu do auditório da gravadora escoltado por dois seguranças, e foi levado diretamente para a sala do supervisor de criação. Eric o recebeu com um tapinha nas costas e dispensou os agentes.
- Acompanhei tudo pelo circuito interno de áudio, você se saiu muito bem, John - cumprimentou-o.
- Acha que fui convincente? - Indagou o Beatle, sentando-se numa cadeira à frente da mesa do supervisor.
- Teorias da conspiração sempre vão surgir, mas devem ser tratadas como tal - minimizou Eric. - O que importa é que a influência disruptiva de Yoko sobre você e o grupo foi quebrada; continuarão a fazer o que sempre fizeram: produzir álbuns da melhor música que o ser humano é capaz de criar. Ninguém poderia pedir mais.
John permaneceu em silêncio. Finalmente, ergueu a voz para expressar uma dúvida.
- O que foi feito dela, afinal?
- Nós a convencemos a embarcar para o Japão com a filha. Ela vai ficar lá por um longo, longo tempo. Depois, se você ainda tiver interesse, a traremos de volta.
Silêncio novamente.
- Curioso. Agora que ela se foi, sinto a minha mente mais clara. Quase como se um véu houvesse sido retirado da frente dos meus olhos.
- Agradeça ao George, meu caro. Se ele não me houvesse ligado, talvez vocês ainda estivessem sob a influência daquela manipuladora.
- George nunca gostou dela - reconheceu John. - Tenho que admitir que ele estava certo.
Eric abriu um sorriso.
- Volte ao trabalho, John. Não há melhor remédio para esquecer uma decepção amorosa.
- [03-01-2019]