No mármore
Pernas fortes, porém coxas muito volumosas, o novato tem corpo musculoso com um pouco de barriga. Vai sofrer de inicio. Tomara que sobreviva.
- Vista esta tralha toda. Vamos ser teleportados em cinco minutos, esteja preparado ou não.
Observa o material de uniforme com descaso e começa a vestir-se com bastante desleixo.
-Velho, sabe do abrigo aonde vim? Sei que é morte o trabalho que se faz nestas minas. Escavam no centro do próprio inferno onde nem mesmo mecanismos cibernéticos sobrevivem. Sei de tudo e não tenha o mínimo de esperança que eu seja um rato submisso como você.
Violento espasmo fazem o garoto sucumbir sobre os trajes-armaduras de liga ultra isolante. Assinalo pedido de mais cinco minutos extras para o transporte.
- Você quem sabe, um pedido de eutanásia pode ser assinado por vocês do setor de abrigamento a qualquer momento. Se prefere assim...
- Cala boca lixo, não assino nada,
-Podemos facilmente falsificar sua assinatura vocal, normalmente eu nem perderia tanto tempo como estou fazendo neste caso.
- O que o faz tão piedoso...
Respondo apesar do intenso tom de deboche e repulsa que sinto no resmungo do jovem.
- Apos noventa anos neste calabouço estou a três dias da aposentadoria. Mas, chega de trela, se decidiu não sair daqui direto para as masmorras de auto jurisdição da firma, vista-se agora.
Nos postos intermediários, paramos para os corpos, principalmente o do novato ir acostumando a alta temperatura.
- Você tem uma chance de ouro, uma das poucas chances de sobreviver neste mundo com um emprego, coisa que muito poucos de teu setor conseguem. Normalmente vão para os piores sets de produções adultas extremadas.
- Sim, sim, aqui vou poder sobreviver, virar um monstro “sequelado” e deformado e com alguma sorte receber proventos previdenciários apos noventa "breves" anos desta deliciosa rotin...
Apesar do uniforme o soco no rosto faz o rapaz cair ao chão da estação intermediaria Um. Alguns colegas de retorno à superfície conseguem sair de seu torpor de cansaço extremo e prestar atenção.
O novato também ao mesmo tempo de se recompor parece analisar os outros colegas presentes ali naquele momento. A cada instante alguns somem outros chegam. Em todos os corpos as consequências de exposição a temperaturas extremas as quais apesar da proteção da roupa-armadura perfaz uma situação que deteriora rapidamente a maioria dos equipamentos eletrônicos e cibernéticos. O corpo humano acaba se acostumando com a consequência apenas de algumas "alterações" sendo que pouco mais de 20% conseguem sobreviver para a aposentadoria. Como vai ser o meu caso. A mais de trinta anos não vejo o mundo além da firma. Meu domingo mensal de folga passo mesmo no albergue funcional. Economizo todas as tarifas de saída que pagaria para poder vagar sem rumo nas horas de folga. O cansaço extremo, a ardência a qual nunca se acostuma totalmente ajudam bastante a não procurar expor-se.
- Não vai querer fazer tudo para estragar meus últimos dias por aqui, ou aprende comigo como sobreviver ou morre neste inferno exaurido gota a gota.
Vamos e voltamos do inferno profundo. Apos dez horas de escavação de rochas escaldantes com temperatura interna de 48 graus graças ao sistema de resfriamento da armadura, no exterior temperatura bem maior beirando o ponto de fusão daquelas rochas. O perigo de pontos de lava liquida surgirem segue sempre constante. O novato se torna mais amistoso e muito menos determinado. Exaustão extrema.
- Você deixou alguém lá fora.
- Quando entrei aqui, por vontade própria e com muito orgulho, afinal, enfrentei e venci o desemprego extremo causado pela cibernétização da maioria dos postos de trabalho, eu tinha esposa e dois filhos. Aos poucos este hades me afastou deles, não tinha mais animo para sair daqui, ela não entendia, nunca mais fui pra fora, porém, até hoje parte de meu salário vai para uma conta que seria para ela. Ao menos está lá todo mês, no prontuário de pagamento.
Soltas minhas reminiscências o rapaz desafoga a primeira noite no abrigo de internamento permanente apos a genitora enxergar a prostituição clandestina ou as empresas de holopornografia como alternativas de sustento. Ambas não dão direito a permanecer com os filhos. Antes de a lei os tolher ela deixa-os naquele local. - são infernos diversos, mas, o sofrimento é sempre constante.
*****
Motivado pelo novo colega deixo o dormitório coletivo do albergue para assistir holotelevisão na sala de convivência coletiva. Descubro que o Brasil é uma monarquia com a soberana sendo uma transexual negra de fala bastante marcante e bem humorada. Expos boas ideias. Infeliz figura decorativa. O representante do poderoso Conselho De Corporações fez seu pronunciamento diário dando o tom de necessidade de reformas com mais enxugamento fiscal e corte de regalias aos trabalhadores. Se não fosse a nudez plena da apresentadora ninguém assistiria aquele teleholojornal.
Quando anuncia-se um musical cuja atração, uma criatura alienígena de pele batráquia, arrasta-se pelo palco com movimentos e sons por mim nunca vistos convenço Mentor a deixarmos o local.
Pegando a rotina o trabalho do garoto se insere na normalidade estafante e sem tempo para reflexões alternativas. Minha ultima tarefa já encaminhada vou relaxando um pouco.
Faço brincadeiras tu das comunicações de praxe e atraio olhares de estafada reprovação.
O garoto agora parece jogar-se num extremo de exagero em uma força de trabalho que o leva a ser o mais produtivo da nossa mina na tarde do segundo dia.
-Veio de lava!
Parte de um jato de lava atinge um dos braços do novato. Mesmo o uniforme não aguenta mais de 15 segundos. Ativo teleporte de emergência com neutralizador de pressão.
Logo estamos ambos na superfície e ouvindo bronca de meu supervisor. Há uns quinze anos que não mantinha contato visual com aquela balofa criatura. Ele também pouco desce aos escalões inferiores. Apos sua saída somos liberados para enfermaria.
Ferimentos num grau pelo qual temo pela inutilização do rapaz. A robô enfermeira faz uma transmissão que deixa-me tremulo: perda de movimento do membro superior esquerdo. Recomendo sala de eliminação. Tremo como em estado febril. Estranhamente afeiçoara-me ao garoto.
-Vamos.
- Vou ficar um tempo de molho?
- Apenas acompanhe-me, é perto, nem necessitaremos teleporte.
- você que não parece bem agora, que está acontecendo?
Calo-me e tento não ouvi-lo. Na sala tento algumas palavras.
- Bom, este lugar, vim aqui poucas vezes.
-...
-Sala...
-Eu sei ler, vão me descartar como lixo, não é?
- Às vezes a maquina encontra uma alternativa.
- Sai logo. Não quer ser incinerado junto.
Choro.
Tremo cada vez mais.
Vou à porta e está hermeticamente fechada.
Tento teleporte e minha pulseira esta cancelada. Sento ao chão no desespero das primeiros chamas. Enfim o calor extremo também me neutralizará.
-Nunca deveria ser para mim, nunca! Estava tão perto!