Capitão Barbosa e os problemas idiomáticos
CAPITÃO BARBOSA E OS PROBLEMAS IDIOMÁTICOS
Miguel Carqueija
A descoberta de um asteroide isolado, bem para além da órbita de Saturno, entusiasmou o intrépido Capitão Barbosa, Comandante da nave Antaprise, da Frota Espacial Brasileira. Ele ordenou a imediata abordagem do corpo sideral que possuía forma irregular, vagamente arredondada, e parecia composto principalmente de ferro e silício.
— Será o Asteroide Barbosa, já que eu sou o descobridor — sentenciou, observando da tela panorâmica.
— Perdão, mas quem descobriu fui eu, capitão — disse uma voz feminina adocicada.
Barbosa voltou-se e encarou o holograma do cérebro eletrônico da Antaprise: uma linda garota morena escassamente vestida de dançarina havaiana, ou seja, de sarongue.
— Lamento dizer que inteligências artificiais não são aceitas para registros de descobertas — observou o capitão.
— Não somos aceitas para nada, mas resolvemos tudo.
— Bem, eu não sou palmatória da galáxia. Não posso fazer nada a respeito. Vamos lá então, Zé Peroba?
— Vamos o que, comandante?
— Às vezes eu acho que você é tão tapado quanto parece! Vamos nós dois descer no planetoide e tomar posse dele!
— O senhor faz questão, Capitão Barbosa? Um planetoide tão minusculo... a Terra vai mesmo querer uma coisa tão reles e insignificante? Um pedregulho estéril perdido num canto qualquer do sistema, completamente contra-mão?
— Homem, aprenda uma coisa: nenhum astro é tão reles e insignificante que não possa interessar à Terra! Apronte-se e vamos!
A Antaprise pousou suavemente numa pequena planície do asteroide, que era totalmente rochoso, bastante esboroado, com sua composição de silício e ferro. Deixando o resto da tripulação a bordo, Barbosa e Zé Peroba saíram em seus trajes especiais. Caminhavam quase normalmente, graças aos seus sapatos magnéticos, já que a gravidade do asteroide desgarrado era praticamente nula. Quanto à luz, só praticamente havia a das estrelas. A nossa própria estrela, o Sol, não era senão uma luz mortiça pouco mais importante que as luzes das demais.
— Com uns dez quilômetros de diâmetro... ou mais conforme a posição, pois não é redondo... dá para percorrê-lo a pé, que tal, Zé Peroba?
— Capitão Barbosa, vai ser muito mais de vinte quilômetros de caminhada... vamos ficar com fome.
— Você só pensa em comer?
— Na verdade, se ficarmos tanto tempo aqui fora vou pensar também em ir ao banheiro...
— Está bem. Vamos circular um pouco, depois voltamos e hasteamos a bandeira.
Porém, quando ultrapassaram o horizonte e perderam de vista a Antaprise, começaram os problemas.
Havia outra nave lá adiante, e muito diferente; evidentemente não era terrestre. E dois astronautas etês estavam já do lado de fora.
— Isso é muito azar! — exclamou Barbosa, aborrecido. — Eles tinham que aparecer logo agora, no MEU asteroide?
— Mas, capitão, e se eles chegaram primeiro?
— Ora, cale a boca! De que lado você está afinal?
Barbosa encaminhou-se decidida e bamboleantemente e à guisa de bandeira branca ergueu a mão direita aberta numa saudação de paz. Ele e Pereira ligaram seus audiofones e puxaram as anteninhas peitorais, desejando que aqueles alienígenas possuíssem equipamentos semelhantes.
— Vou tentar falar com eles!
Zé Pereira pensou em dizer ao capitão que os estrangeiros não conheciam português ou qualquer língua da Terra, mas conteve-se para não levar outro fora. Os dois homens começaram a ouvir uma estática mas o sistema automático de sintonia fina afinal funcionou, aliás os estranhos, cujos rostos arroxeados mal podiam ser vislumbrados dentro dos capacetes, também mexiam em seus equipamentos de comunicações. O capitão tentou iniciar a conversa:
— Vocês podem me ouvir? Eu sou o Capitão Aderaldo Barbosa, da nave terrestre Antaprise!
— Porkitabon utupaqui! Tracati noru uuubitô!
— O que? Eu não estou entendendo! Nós somos da Terra! — insistiu Barbosa, apontando um ponto qualquer no espaço que com certeza não era a Terra.
— Truargtopá ijuisitô! — e ambos apontaram repetidas vezes para qualquer ponto indiscernível do céu.
— Não me importa! Seja lá de onde for que vocês vêm, têm que ir embora! Esse asteroide é da Terra! — e aqui Barbosa apontou para o chão, bateu no peito e voltou a indicar o céu.
— Pratintiolú! Ter ter ter, ló ló ló, akunteniko!
— Eu estou perdendo a paciência com vocês! Vão embora porque eu não quero provocar uma guerra interplanetária ou interestelar!
— Jamazniba glup! No turracú alã!
Barbosa, em desespero de causa, pôs-se a efetuar gestos bem significativos de “desguia!” Não adiantou nada, pois os etês continuaram esbravejando numa língua incompreensível.
— Capitão, acho que a língua deles é muito rica! Até aqui eles não repetiram uma palavra!
— Isso é o que menos me importa, Zé Pereira! Saque suas armas e vamos obrigá-los a se retirarem!
— Puxa, até que enfim vamos ter ação!
Os dois retiraram as armas dos coldres, o que provocou imediata reação indignada:
— Prucatucutu! Prucatucutu!
— É a sua ! — berrou Barbosa em resposta.
Infelizmente as armas fásicas dos astronautas brasileiros não estavam em condição de uso imediato, pois necessitavam ser destravadas, o que possibilitou aos etês soltarem as suas, que estavam como que anexadas aos seus trajes; e elas foram rapidamente se desdobrando; quando cada uma mostrou ter quatro canos todos acoplados a uma coronha, o capitão arregalou os olhos e ordenou:
— Zé Pereira, pé na tábua! Vamos embora!
— Mas como assim, capitão? Vamos encarar! Ei!
Esse “ei” é porque Barbosa já se virava e acionava os retro-foguetes:
— Não discuta, se manda!
Zé Pereira não teve outro jeito senão acompanhar o comandante na fuga, sob os gritos irados daqueles extraterrestres:
— Alim porkiá! Alinum porquá! Pracatum! Toquipuni-babá!
Eles chegaram a disparar, mas os terrestres foram beneficiados pelo horizonte curtíssimo do planetoide e se puseram fora do alcance das descargas. Chegaram num instante à Antaprise e Barbosa deu ordem para a imediata decolagem; o próprio cérebro da nave se encarregou de tudo.
Como bom imediato — ou assim se julgava — Zé Pereira não estava nada satisfeito:
— Capitão Barbosa, por que foi que a gente fugiu?
— Você ainda pergunta? As nossas armas só têm um cano; as deles têm quatro! A vantagem deles era de oito contra dois.
— E vamos simplesmente embora? E o planetoide Barbosa? Não íamos tomar posse dele para a Terra?
— Esqueça esse nome, ele não foi oficializado! Além do mais, você acha que a Terra vai se interessar por uma coisa tão reles e insignificante? Por esse pedregulho estéril perdido num canto qualquer do sistema, completamente contra-mão?
— Capitão — disse a doce voz do holograma feminino de sarongue — devo indicar no relatório que o comandante da Antaprise fugiu covardemente do inimigo?
— Você não vai fazer relatório nenhum— replicou Barbosa, irritado. — Deixe isso comigo!
Só que o Capitão Barbosa não tinha a mínima intenção de relatar o ocorrido.
Rio de Janeiro, 2 a 9 de fevereiro de 2017.
imagem pixabay
CAPITÃO BARBOSA E OS PROBLEMAS IDIOMÁTICOS
Miguel Carqueija
A descoberta de um asteroide isolado, bem para além da órbita de Saturno, entusiasmou o intrépido Capitão Barbosa, Comandante da nave Antaprise, da Frota Espacial Brasileira. Ele ordenou a imediata abordagem do corpo sideral que possuía forma irregular, vagamente arredondada, e parecia composto principalmente de ferro e silício.
— Será o Asteroide Barbosa, já que eu sou o descobridor — sentenciou, observando da tela panorâmica.
— Perdão, mas quem descobriu fui eu, capitão — disse uma voz feminina adocicada.
Barbosa voltou-se e encarou o holograma do cérebro eletrônico da Antaprise: uma linda garota morena escassamente vestida de dançarina havaiana, ou seja, de sarongue.
— Lamento dizer que inteligências artificiais não são aceitas para registros de descobertas — observou o capitão.
— Não somos aceitas para nada, mas resolvemos tudo.
— Bem, eu não sou palmatória da galáxia. Não posso fazer nada a respeito. Vamos lá então, Zé Peroba?
— Vamos o que, comandante?
— Às vezes eu acho que você é tão tapado quanto parece! Vamos nós dois descer no planetoide e tomar posse dele!
— O senhor faz questão, Capitão Barbosa? Um planetoide tão minusculo... a Terra vai mesmo querer uma coisa tão reles e insignificante? Um pedregulho estéril perdido num canto qualquer do sistema, completamente contra-mão?
— Homem, aprenda uma coisa: nenhum astro é tão reles e insignificante que não possa interessar à Terra! Apronte-se e vamos!
A Antaprise pousou suavemente numa pequena planície do asteroide, que era totalmente rochoso, bastante esboroado, com sua composição de silício e ferro. Deixando o resto da tripulação a bordo, Barbosa e Zé Peroba saíram em seus trajes especiais. Caminhavam quase normalmente, graças aos seus sapatos magnéticos, já que a gravidade do asteroide desgarrado era praticamente nula. Quanto à luz, só praticamente havia a das estrelas. A nossa própria estrela, o Sol, não era senão uma luz mortiça pouco mais importante que as luzes das demais.
— Com uns dez quilômetros de diâmetro... ou mais conforme a posição, pois não é redondo... dá para percorrê-lo a pé, que tal, Zé Peroba?
— Capitão Barbosa, vai ser muito mais de vinte quilômetros de caminhada... vamos ficar com fome.
— Você só pensa em comer?
— Na verdade, se ficarmos tanto tempo aqui fora vou pensar também em ir ao banheiro...
— Está bem. Vamos circular um pouco, depois voltamos e hasteamos a bandeira.
Porém, quando ultrapassaram o horizonte e perderam de vista a Antaprise, começaram os problemas.
Havia outra nave lá adiante, e muito diferente; evidentemente não era terrestre. E dois astronautas etês estavam já do lado de fora.
— Isso é muito azar! — exclamou Barbosa, aborrecido. — Eles tinham que aparecer logo agora, no MEU asteroide?
— Mas, capitão, e se eles chegaram primeiro?
— Ora, cale a boca! De que lado você está afinal?
Barbosa encaminhou-se decidida e bamboleantemente e à guisa de bandeira branca ergueu a mão direita aberta numa saudação de paz. Ele e Pereira ligaram seus audiofones e puxaram as anteninhas peitorais, desejando que aqueles alienígenas possuíssem equipamentos semelhantes.
— Vou tentar falar com eles!
Zé Pereira pensou em dizer ao capitão que os estrangeiros não conheciam português ou qualquer língua da Terra, mas conteve-se para não levar outro fora. Os dois homens começaram a ouvir uma estática mas o sistema automático de sintonia fina afinal funcionou, aliás os estranhos, cujos rostos arroxeados mal podiam ser vislumbrados dentro dos capacetes, também mexiam em seus equipamentos de comunicações. O capitão tentou iniciar a conversa:
— Vocês podem me ouvir? Eu sou o Capitão Aderaldo Barbosa, da nave terrestre Antaprise!
— Porkitabon utupaqui! Tracati noru uuubitô!
— O que? Eu não estou entendendo! Nós somos da Terra! — insistiu Barbosa, apontando um ponto qualquer no espaço que com certeza não era a Terra.
— Truargtopá ijuisitô! — e ambos apontaram repetidas vezes para qualquer ponto indiscernível do céu.
— Não me importa! Seja lá de onde for que vocês vêm, têm que ir embora! Esse asteroide é da Terra! — e aqui Barbosa apontou para o chão, bateu no peito e voltou a indicar o céu.
— Pratintiolú! Ter ter ter, ló ló ló, akunteniko!
— Eu estou perdendo a paciência com vocês! Vão embora porque eu não quero provocar uma guerra interplanetária ou interestelar!
— Jamazniba glup! No turracú alã!
Barbosa, em desespero de causa, pôs-se a efetuar gestos bem significativos de “desguia!” Não adiantou nada, pois os etês continuaram esbravejando numa língua incompreensível.
— Capitão, acho que a língua deles é muito rica! Até aqui eles não repetiram uma palavra!
— Isso é o que menos me importa, Zé Pereira! Saque suas armas e vamos obrigá-los a se retirarem!
— Puxa, até que enfim vamos ter ação!
Os dois retiraram as armas dos coldres, o que provocou imediata reação indignada:
— Prucatucutu! Prucatucutu!
— É a sua ! — berrou Barbosa em resposta.
Infelizmente as armas fásicas dos astronautas brasileiros não estavam em condição de uso imediato, pois necessitavam ser destravadas, o que possibilitou aos etês soltarem as suas, que estavam como que anexadas aos seus trajes; e elas foram rapidamente se desdobrando; quando cada uma mostrou ter quatro canos todos acoplados a uma coronha, o capitão arregalou os olhos e ordenou:
— Zé Pereira, pé na tábua! Vamos embora!
— Mas como assim, capitão? Vamos encarar! Ei!
Esse “ei” é porque Barbosa já se virava e acionava os retro-foguetes:
— Não discuta, se manda!
Zé Pereira não teve outro jeito senão acompanhar o comandante na fuga, sob os gritos irados daqueles extraterrestres:
— Alim porkiá! Alinum porquá! Pracatum! Toquipuni-babá!
Eles chegaram a disparar, mas os terrestres foram beneficiados pelo horizonte curtíssimo do planetoide e se puseram fora do alcance das descargas. Chegaram num instante à Antaprise e Barbosa deu ordem para a imediata decolagem; o próprio cérebro da nave se encarregou de tudo.
Como bom imediato — ou assim se julgava — Zé Pereira não estava nada satisfeito:
— Capitão Barbosa, por que foi que a gente fugiu?
— Você ainda pergunta? As nossas armas só têm um cano; as deles têm quatro! A vantagem deles era de oito contra dois.
— E vamos simplesmente embora? E o planetoide Barbosa? Não íamos tomar posse dele para a Terra?
— Esqueça esse nome, ele não foi oficializado! Além do mais, você acha que a Terra vai se interessar por uma coisa tão reles e insignificante? Por esse pedregulho estéril perdido num canto qualquer do sistema, completamente contra-mão?
— Capitão — disse a doce voz do holograma feminino de sarongue — devo indicar no relatório que o comandante da Antaprise fugiu covardemente do inimigo?
— Você não vai fazer relatório nenhum— replicou Barbosa, irritado. — Deixe isso comigo!
Só que o Capitão Barbosa não tinha a mínima intenção de relatar o ocorrido.
Rio de Janeiro, 2 a 9 de fevereiro de 2017.
imagem pixabay