A ceifa - Capítulo 3

Tarak-Avul estava imerso em pensamentos quando a nave vigia troou sobe sua cabeça deixando um rastro branco no céu absurdamente azul daquela manhã. Ele sequer a notou. Seus olhos estavam fixos na entrada da aldeia onde dois caçadores caminhavam lentamente. Mesmo a distância dava para ver que suas padiolas de caça estavam cheias, suas cabeleiras agitando-se no vento, negro e rubro. Ele sabia bem quem eram, os gêmeos Dam, Riordam e Leordam. Com eles, já somavam 27 caçadores a retornar à aldeia, e todos bem supridos de caça. A fumaça das casas subia carregada de odores de carne sendo preparada para armazenamento, dos defumadores a plena força e de almoços sendo preparados.

Tarak-Avul, voltou mais uma vez seu olhar para a forja, distante de sua casa quase três centenas de metros, mais abaixo no sopé da colina dos ancestrais. Sua vista estreitou-se. Uma figura esguia saiu da forja, cabelos loiros sacudindo selvagens na ventania matinal. Ele a viu prender os cabelos numa trança improvisada, e, podia jurar que sentia o seu cheiro, aquela mistura de flores, cravo, almíscar.

- Nina Or! Sua voz saiu num sussurro, e mesmo assim ele assustou-se, olhando ao redor, como se toda a vila pudesse ter ouvido aquelas poucas sílabas.

E quase numa resposta ao seu sussurro o gigante ruivo surgiu na porta da forja, pode ver quando seus braços envolveram a cintura da ninfa loira. Neste momento ergueu seus olhos para o céu. Quantos anos já haviam se passado? Muitos, era fato. Ele olhou novamente para o par de caçadores caminhando em direção à forja. Poderiam ser seus filhos, se a sorte não tivesse sido tão cruel para com ele. No dia em que descobrira sua vocação, seu destino, perdera Nina Or para sempre. Solitária é a vida do curador.

Ele olhou com resignação para a sua casa, a casa de um curador. Colunas altas ladeavam a entrada. Uma porta entalhada em madeira de lei retratava uma cena do Almirante empunhando uma lança com a mão direita, o braço erguido num desafio silencioso, o braço esquerdo enlaçando a Artilheira pela cintura, dois homes uma de cada lado com a base da lança apoiada no chão. Pela porta entreaberta podiam ser vistos vidros e recipientes. Alguns deles deixando apenas adivinhar o conteúdo, e uma série de painéis picando onde uma luz azul mortiça que iluminava uma infinidade de botões. Ele era respeitado na vila. Todos vinham a ele para tratar-se. Sua palavra valia tanto quanto a palavra do chefe do clã. Sua sabedoria e justiça eram conhecidas em todos os sete clãs. Os curadores, os construtores, os defensores, os cultivadores, os voadores, os nadadores e os artilheiros. Todos os respeitavam. E isso fazia tudo ainda pior.

Com olhos melancólicos Tarak-Avul mirou o céu azul. Correu a vista pela cordilheira do Almirante, pela queda da Artilheira. Uma lágrima solitária desceu por sua face enquanto olhava embevecido para o par de caçadores. Um estrondo grave veio do rio congelado, tremendo de leve todas as construções. Um bando de pássaros brancos ergueu um voo assustado da floresta, tingindo de branco e vermelho o céu azul. Um grito ergueu-se com um único som vindo de todas as bocas da aldeia, menos a sua, numa saudação ao final do inverno, num ato primal. O gelo finalmente se rompera. A primavera iniciava-se.

Respirou fundo. O destino de um curador é servir ao seu clã. E servindo o seu clã, ele sabia que se aproximava a hora mais dura de sua vida. O momento em que teria que escolher entre seu povo aqueles que deveriam atender o chamado dos que viviam nas cidades de prata.

Aproximava-se o momento que todo curador sempre orava para não acontecer durante seu tempo de vida. Aquele momento que sempre se desejava outorgar ao próximo curador.

A CEIFA.

Longshot
Enviado por Longshot em 24/09/2019
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