Posso usar seu telefone?

Depois que uma flutuação quântica no gerador de dobra nos obrigou a sair do hiperespaço, optamos por fazer um pouso de emergência em Loris-II, um planeta terrestroide distante cerca de 1300 anos-luz da Terra, orbitando uma estrela singular classe K. No computador de bordo, constava a existência de um "posto de serviços" dos tyrrgh, criaturas insetoides que lembravam vagamente grandes lagartas cor de avelã, com oito pares de membros e duas antenas curtas. Nossa única dúvida, era que tipo de serviços o tal posto oferecia.

- É uma estação avançada de apoio - deduziu o comandante Dahl, lendo o resumo críptico na tela do computador, o que nada esclareceu.

- Não sei se quem traduziu as especificações tyrrgh para "posto de serviços", sabia o que era um - duvidei. - Que tipo de serviços prestam? Será que possuem ao menos um comunicador subespacial funcionando?

- É bom que tenham, pois o nosso pifou - redarguiu o comandante, nivelando os giroscópios. - Preparem-se para o pouso!

Loris-II era um planeta com mares mediterrânicos e imponentes cadeias de montanhas coroadas de neve. O tal posto tyrrgh ficava num vale entre as montanhas, à beira de um lago de águas esmeraldinas. A vegetação ao redor, constituída de arbustos retorcidos e cheios de espinhos, apresentava uma sombria tonalidade verde-musgo.

- Que lugar medonho - comentou uma das passageiras, Sala Nuhr, oficial de carreira do Protetorado, olhando através da escotilha para a selva lá fora.

- Já vi piores na Terra - admiti. - Pelo menos, a atmosfera é respirável, pelo que vi no computador.

- Mas não por períodos prolongados - alertou o comandante. - Há traços de elementos que, se inalados durante muito tempo, podem causar intoxicação.

- Quantos trajes espaciais temos? - Indaguei, preocupado.

- Seis - informou o comandante. - Quatro para a capacidade total de ocupantes desta astronave, e dois de reserva. Mas não vou pedir que nenhum de vocês venha comigo, pode ser perigoso lá fora.

- Faço questão de lhe acompanhar, comandante - redargui. - Afinal, se for arriscado, melhor dois para encarar o perigo, do que um só.

Dahl me encarou com ar de dúvida.

- Sabe atirar com um disruptor protônico, senhor Prescott?

- Dei meus tiros na juventude - argui.

- Ótimo, pois vou lhe dar um dos dois que temos a bordo. Não estou dizendo que será preciso usá-lo, mas não sabemos que tipo de criaturas há lá fora.

- Vai correr tudo bem - tranquilizei minhas colegas de voo, Sala Nuhr e Bea Kaij.

Ou assim eu esperava.

* * *

A gravidade de Loris-II era de 0,98 g, praticamente idêntica à da Terra. Vestindo trajes espaciais, eu e o comandante Dahl descemos da astronave, disruptores à mão em nossos coldres, e olhamos cuidadosamente ao redor. Sob um céu azul arroxeado pontilhado de cirros brancos, as montanhas nevadas nos circundavam. O posto tyrrgh, uma estrutura abobadada cor de laranja, com uma longa câmara de descompressão à frente (grande o suficiente para que dois tyrrgh a usassem simultaneamente), distava cerca de 50 m do local de pouso da astronave, às margens lodosas do lago, do qual volta e meia estouraram borbulhas suspeitas.

- Esta é uma região vulcânica - comentou o comandante pelo rádio do traje espacial. - Desconfio que os tyrrgh usam o lago como spa...

- Boa escolha - assenti, imaginando uma fila de grandes lagartas couraçadas entrando e saindo das águas turvas.

O comandante conseguiu desbloquear a porta da câmara de descompressão usando o seu Passe Universal Ajhariano. Não havia, contudo, nenhuma opção para pressurizar em padrões humanoides, e resolvemos continuar usando os trajes espaciais.

- Até porque, talvez tenhamos que sair rapidamente - ponderou Dahl, batendo no coldre do disruptor.

Dentro do posto, contudo, que mais lembrava um almoxarifado, com caixas e mais caixas hexagonais ordeiramente arrumadas em prateleiras circulares, não havia vivalma. O lugar, muito provavelmente, servia apenas como depósito.

- E essa agora. Será que não há um comunicador aqui? - Inquiri Dahl.

- Obviamente, não utilizam uma tripulação permanente - analisou ele. - Quem vem aqui, provavelmente usa o equipamento da própria astronave.

- E essas caixas? Talvez contenham equipamentos que nos permitam consertar o gerador de dobra e o comunicador - sugeri.

- Não custa olhar - acedeu o comandante.

Começamos a abrir as caixas, que eram todas iguais. Logo descobrimos que o conteúdo também só admitia duas opções: ou um pó escuro, lembrando borra de café, ou pequenas folhas quadradas de um material que parecia plástico metalizado.

- O que diabos é isso? - Indaguei para Dahl.

- O pó é comida tyrrgh desidratada - suspirou ele. - E essas plaquetas... matéria prima para impressora 3D. Se tivéssemos uma, provavelmente poderíamos produzir as peças que nos faltam.

Parecia o fim da linha para nós. Talvez levasse meses até que um grupo de resgate conseguisse nos localizar em Loris-II, e muito provavelmente não iríamos sobreviver até lá comendo ração tyrrgh desidratada. A não ser que...

- Comandante, - virei-me para Dahl. - O que aconteceria se o seu Passe Universal não estivesse funcionando?

- Não poderíamos entrar no "posto avançado", é claro - retrucou ele.

- Mas temos disruptores, comandante - repliquei, batendo no coldre.

Ele me encarou como se eu estivesse fora do meu juízo. E então, subitamente entendeu o que eu queria dizer.

- Mas é claro! - Exclamou, dando um murro na mão. - Só mesmo um terráqueo para pensar nisso, senhor Prescott!

* * *

Quando a nave de patrulha tyrrgh pousou ao lado do nosso veículo, e meia dúzia de lagartas couraçadas desembarcaram, nos apontando ameaçadores fuzis protônicos, apenas seis horas haviam se passado desde que havíamos feito a nossa reentrada triunfal na câmara de descompressão. Desta vez, usando nossos disruptores. Erguemos os braços, e o comandante Dahl alertou pelo Tradutor Universal:

- O senhor Prescott vai pagar pelos prejuízos, a ideia foi dele.

- Desculpem acionar o seu alarme contra roubo - acrescentei. - Nós só queremos uma carona para fora deste planeta.

- [07-09-2019]