Epidemia
A vida tinha sido boa até agora. Eles foram bem acolhidos pela população da cidadezinha.
Em um ano que estão aqui, têm casa, amigos e vão à igreja todo domingo. É mais do que podiam sonhar desde que foram resgatados dos destroços de sua nave. Na época, tinham certeza de que seriam entregues a um laboratório do governo. Ao contrário, foram tratados, alimentados e são o segredo da população local.
Em agradecimento, ajudam a todos com seu conhecimento científico.
De agricultura à medicina, a cidade está séculos à frente de qualquer outro município.
Este paraíso começou a desmoronar cerca de um mês atrás quando mais um fato surpreendente aconteceu na vida destes dois aliens.
Crentes da amizade sincera da cidade para com eles, após uma missa pediram a palavra para anunciar um evento que aconteceria. Sem pestanejar, o padre passou-lhes o microfone e a comunidade silenciou.
Com a voz embargada de felicidade um deles gritou: “Vamos ter um filho!”
Sem dar tempo para reação o velho padre perguntou: “Vocês não são machos?”
Explicaram que na sua raça não há gênero, podem engravidar e ter filhos.
Inconformado, o padre continuou: “Para mim, vocês se parecem e agem como machos.”
Com um sorriso, o alien disse que estava tudo bem, podiam interpretar como achassem melhor, isso não os ofenderia.
Em tom de ódio o padre berrou: “A mim ofende, e muito!”
Acabaram expulsos da casa de Deus e ninguém interveio.
Foram obrigados deixar a cidade e morar no alto de um morro de onde não podem sair sob pena de serem mortos.
Apesar do respeito da população pelo líder religioso nem todos compartilhavam daquela opinião. Na verdade, os mais jovens viam aquilo como uma tremenda crueldade. E foi um deles que durante um dos sermões de domingo, cansado daquela baboseira homofóbica, se levantou em favor dos pobres seres.
Nando, era filho, neto e bisneto de delegado. Pediu a palavra, recebeu o microfone e declarou: “Eu sou gay!”
Muitos acharam que era uma piada até ver a expressão séria do rapaz, que desafiou a todos: “Agora, o que farão comigo?
Vão me banir como fizeram com os forasteiros?”
Todos fingiram não ter ouvido, inclusive o padre que encerrou a missa.
Minutos após o término da missa a notícia chegou a delegacia.
Dr. Neco, o delegado, um homem violento, chorou quando soube da confissão do filho.
Assim que se recompôs, mandou chamar todos os policiais que estavam de serviço para uma reunião no estacionamento da delegacia. Foi curto e grosso: “Quero todos armados e prontos para sair em dez minutos. Vamos ao alto do morro dar um fim naqueles malditos ETs viados que invadiram nossa cidade e estão infectando nossos filhos com sua doença homossexual.”
Deu um gole na caneca de café e continuou: “Meu filho, infelizmente, foi a primeira vítima mas não vou permitir que a doença se espalhe para outros jovens.”
Os corpos crivados de bala das criaturas foram enterrados na mesma gruta onde os destroços da espaçonave estavam escondidos.