Cirurgia experimental

Sr. Severino chegou ao hospital com dores pelo corpo. Vinte dias depois, estava muito pior e a base de analgésicos poderosos (não fazia ideia de qual era o seu problema). Conformado, esperava o dia em que se lembrassem dele. Afinal, o importante no SUS é ser paciente.

Finalmente se lembraram. Acordou cercado por uma dezena de homens de branco o que o deixou assustado e curioso. Notou três homens próximos à porta de terno e gravata.

O ruivo alto se apresentou: “Bom dia, Sr. Severino. Eu sou o Dr. Clério, estou encarregado do seu caso.”

Sem paciência não retribuiu ao comprimento. O médico foi direto ao assunto: “O Sr. foi diagnosticado com um câncer muito agressivo que evoluiu para uma metástase e não é mais curável.”

Severino não reagiu, sua cabeça estava vazia. Sem esperar resposta Dr. Clério seguiu: “O tratamento convencional pode ser doloroso mas lhe dê uma sobrevida.”

Atordoado perguntou: “Você tá sugerindo que é melhor me matarem?”

Quem respondeu foi um dos homens de terno: “Ao contrário, estamos aqui para oferecer uma chance desde que aceite se submeter ao tratamento experimental.”

Sem pestanejar, respondeu: “Onde eu assino?”

Na manhã seguinte estava em uma ambulância rumo ao Campo de Marte. Dentro do hangar foi sedado e transferido para um jatinho. Acordou meses depois muito confuso, tinha braços e pernas enfaixados e não sentia dor.

Antes que pudesse pensar sobre o assunto a porta se abriu para entrar um grupo trajando aventais brancos e sem identificação.

Nenhum deles disse uma palavra. Severino tentou quebrar o gelo: “Bom dia!”

Não recebeu resposta.

Cortaram e retiraram as faixas que envolviam seus braços e pernas.

Severino sentiu o coração explodir. Não conseguia respirar. Seus membros agora eram de metal brilhante. Cambaleou e foi devolvido a cama.

“Se o Sr. quer entender seu novo estado físico, precisa se acalmar ou será sedado novamente.”

Dominado pelo terror, Severino fingiu calma.

A doutora seguiu:

“Salvamos sua vida. Suas pernas, braços, coração e um rim foram substituídos por componentes de alta performance e tecnologia de ponta. Parabéns! O senhor se tornou o primeiro ciborgue do mundo”

Não compreendendo muito bem o significado, fez uma pergunta: “Quer dizer que sou como um super herói? Com superforça e tudo mais?”

Com ar orgulhoso a doutora respondeu: “Sim, tem muito mais força e velocidade que qualquer homem, e nenhum cansaço.”

A pergunta seguinte para era óbvia: “Quando vou sair?”

A doutora respondeu calmamente que ele passaria por alguns testes e poderia ir.

Na verdade, os meses foram passando e ele não via mais a luz do dia. Era um prisioneiro. Ou estava em testes nos laboratórios ou preso em seu quarto.

Enfim, sua liberdade veio de forma inusitada. Numa manhã, todos foram chamados ao auditório onde receberam a notícia que o projeto fora cancelado. Falta de verbas. Todo o esforço e pesquisa perdidos.

Em uma semana tinham deixado as instalações. Severino então descobriu estar na Chapada Diamantina sem um tostão no bolso.

Graças a sua nova condição fez o percurso até São Paulo caminhando.

De volta à velha casinha reencontrou os amigos de boteco que lhe ofereceram um churrasco. Sentiu-se lisonjeado.

O fim de semana passou. Era hora de pensar na vida. Ficou preocupado. Antes era pedreiro conhecido. Agora, depois de tanto tempo fora, a concorrência tinha tomado seus clientes.

Passou a manhã no bar. Depois de doses de cachaça concluiu que a saída era o marketing.

Num guardanapo rabiscou frases e foi para a papelaria do bairro.

Convenceu o chinês a pendurar a conta e mandou xerocar 5.000 panfletos onde se lia:

“Levanto sua casa no mesmo dia, do alicerce ao telhado.”

Severino Ciborgue

Pedreiro

Cirurgia experimental

Sr. Severino chegou ao hospital com dores pelo corpo. Vinte dias depois, estava muito pior e a base de analgésicos poderosos (não fazia ideia de qual era o seu problema). Conformado, esperava o dia em que se lembrassem dele. Afinal, o importante no SUS é ser paciente.

Finalmente se lembraram. Acordou cercado por uma dezena de homens de branco o que o deixou assustado e curioso. Notou três homens próximos à porta de terno e gravata.

O ruivo alto se apresentou: “Bom dia, Sr. Severino. Eu sou o Dr. Clério, estou encarregado do seu caso.”

Sem paciência não retribuiu ao comprimento. O médico foi direto ao assunto: “O Sr. foi diagnosticado com um câncer muito agressivo que evoluiu para uma metástase e não é mais curável.”

Severino não reagiu, sua cabeça estava vazia. Sem esperar resposta Dr. Clério seguiu: “O tratamento convencional pode ser doloroso mas lhe dê uma sobrevida.”

Atordoado perguntou: “Você tá sugerindo que é melhor me matarem?”

Quem respondeu foi um dos homens de terno: “Ao contrário, estamos aqui para oferecer uma chance desde que aceite se submeter ao tratamento experimental.”

Sem pestanejar, respondeu: “Onde eu assino?”

Na manhã seguinte estava em uma ambulância rumo ao Campo de Marte. Dentro do hangar foi sedado e transferido para um jatinho. Acordou meses depois muito confuso, tinha braços e pernas enfaixados e não sentia dor.

Antes que pudesse pensar sobre o assunto a porta se abriu para entrar um grupo trajando aventais brancos e sem identificação.

Nenhum deles disse uma palavra. Severino tentou quebrar o gelo: “Bom dia!”

Não recebeu resposta.

Cortaram e retiraram as faixas que envolviam seus braços e pernas.

Severino sentiu o coração explodir. Não conseguia respirar. Seus membros agora eram de metal brilhante. Cambaleou e foi devolvido a cama.

“Se o Sr. quer entender seu novo estado físico, precisa se acalmar ou será sedado novamente.”

Dominado pelo terror, Severino fingiu calma.

A doutora seguiu:

“Salvamos sua vida. Suas pernas, braços, coração e um rim foram substituídos por componentes de alta performance e tecnologia de ponta. Parabéns! O senhor se tornou o primeiro ciborgue do mundo”

Não compreendendo muito bem o significado, fez uma pergunta: “Quer dizer que sou como um super herói? Com superforça e tudo mais?”

Com ar orgulhoso a doutora respondeu: “Sim, tem muito mais força e velocidade que qualquer homem, e nenhum cansaço.”

A pergunta seguinte para era óbvia: “Quando vou sair?”

A doutora respondeu calmamente que ele passaria por alguns testes e poderia ir.

Na verdade, os meses foram passando e ele não via mais a luz do dia. Era um prisioneiro. Ou estava em testes nos laboratórios ou preso em seu quarto.

Enfim, sua liberdade veio de forma inusitada. Numa manhã, todos foram chamados ao auditório onde receberam a notícia que o projeto fora cancelado. Falta de verbas. Todo o esforço e pesquisa perdidos.

Em uma semana tinham deixado as instalações. Severino então descobriu estar na Chapada Diamantina sem um tostão no bolso.

Graças a sua nova condição fez o percurso até São Paulo caminhando.

De volta à velha casinha reencontrou os amigos de boteco que lhe ofereceram um churrasco. Sentiu-se lisonjeado.

O fim de semana passou. Era hora de pensar na vida. Ficou preocupado. Antes era pedreiro conhecido. Agora, depois de tanto tempo fora, a concorrência tinha tomado seus clientes.

Passou a manhã no bar. Depois de doses de cachaça concluiu que a saída era o marketing.

Num guardanapo rabiscou frases e foi para a papelaria do bairro.

Convenceu o chinês a pendurar a conta e mandou xerocar 5.000 panfletos onde se lia:

“Levanto sua casa no mesmo dia, do alicerce ao telhado.”

Severino Ciborgue

Pedreiro