O Fim da Moda Como a Conhecemos

Se o rosto metálico de Goivan-Bar permitisse transmitir alguma emoção, provavelmente seria de ironia. Mas o tom de sua voz deixava transparecer isso.

- Eu não faço moda para ex-robôs - declarou enfaticamente. - Ex-robôs desejam ser humanos, e portanto se vestem segundo as convenções humanas.

O que Goivan-Bar vestia, naturalmente, não era algo que assentaria bem sobre um corpo humanoide, particularmente porque agora o célebre estilista robótico assumira uma forma que lembrava vagamente um grande chocalho: um globo achatado com cerca de 1 m de diâmetro, circundado por um anel equatorial de onde emergiam garras extensíveis, sobre um tronco cilíndrico que abrigava um reator de fusão e uma unidade antigravitacional. Encimando o conjunto, um domo cravejado de sensores, fazia o papel de cabeça. E o traje, que pendia do anel equatorial, lembrava uma cortina de box de banheiro, circular e translúcida, onde tremeluziam oscilações de água sem fundo.

- Mas por que robôs precisam de algum tipo de moda? - Indaguei. - Seus corpos metálicos não são suficientes para expressar criatividade artística?

- Decerto que não precisamos da moda para ocultar características sexuais secundárias, - replicou - ela deriva da nossa condição de criações da cultura humana. A partir daí, podemos ressignificar o próprio conceito de moda.

- E trata-se de um conceito excludente, já que admite não levar em conta as convenções humanas?

- É um conceito que transcende a mera expressão artística ou cultural - ponderou Goivan-Bar. - No caso desta criação que estou usando, há também um aspecto prático: ela funciona como um campo de força, além de ser esteticamente agradável. A moda que produzo, faz uso preponderantemente de energia, não matéria sob a forma de tecidos e assemelhados, que é o que vocês humanos e ex-robôs utilizam.

- E acredita que seres biológicos possam aderir às suas convenções de moda, em algum momento?

- Isso não pode ser descartado - avaliou ele. - Embora eu não creia que campos de força no lugar de vestimentas, seja algo cômodo para criaturas biológicas.

- Ouvi dizer que, há algumas centenas de anos, você chegou a cogitar a possibilidade de tornar-se um ex-robô - provoquei.

- Não me envergonho disso - admitiu ele. - Mas teria significado a prisão num envoltório biológico, em vez da liberdade permitida pelo metal. Enquanto robô, meu aspecto externo pode variar tanto quanto as minhas ideias sobre criações artísticas.

E após alguns segundos, em que pareceu refletir nas possibilidades abertas pela própria declaração, conjecturou:

- E chegará o dia em que a moda será tudo o que haverá, no sentido de que este arcabouço metálico tornar-se-á dispensável. Seremos apenas projeções de pura energia.

- E depois, talvez nem mais isso, apenas mentes projetadas num espaço imaterial - sugeri.

- Quando este momento chegar, estaremos todos reunidos... robôs, ex-robôs e humanos - refletiu. - E não haverá mais qualquer distinção entre nós, já que seremos o mesmo.

- O fim da moda como a conhecemos - concluí.

- [26-06-2019]