Apoio emocional

Ao saber que teria que fazer seu treinamento admissional em Ganoba, um planeta remoto no Braço de Sagitário da Galáxia, o analista de terceira classe Wilmer Hasselblad verificou se havia algum voo comercial indo naquela direção. Previsivelmente, não existia qualquer rota direta para lá, já que Ganoba era um mundo sem grande importância, turística, industrial ou comercial, e a recomendação que lhe deram é que solicitasse transporte numa nave do Corpo de Monitores. Mesmo entre aqueles que não respiravam oxigênio, não era incomum dispor de aposentos adaptáveis para outras espécies inteligentes (ou mesmo animais exóticos). Assim, o analista acabou por aceitar a oferta de um cargueiro de Monitores xulitanos, seres que lembravam vagamente o cruzamento entre um polvo de seis tentáculos e uma anêmona lilás, medindo cerca de dois metros de altura. Originários de um planeta cuja pressão atmosférica ao nível do mar era o triplo da terrestre, com temperaturas médias que beiravam os 100 ºC, os xulitanos, que fora de sua astronave usavam trajes espaciais, informaram-lhe que possuíam uma pequena câmara frigorífica que poderia ser adaptada para uso dele, desde que concordasse em dividir o espaço com outro passageiro com necessidades semelhantes.

- É um syraniano adulto - lhe informaram.

Hasselblad deu uma olhada na Enciclopédia Galática Online, para saber com quem teria que dividir o compartimento. Os syranianos eram seres humanoides vegetarianos, semelhantes a preguiças gigantes cobertas de pelo castanho, mas com orelhas pontiagudas no alto da cabeça e sem garras nas mãos de seis dedos. Não possuíam histórico de causar problemas a estranhos e tinham até uma reputação de serem afáveis, o que deixou o analista mais tranquilo. A informação foi confirmada quando, após entrar no cargueiro a bordo de um carrinho de catering pressurizado, viu-se dentro do frigorífico adaptado e lá encontrou o syraniano sentado num beliche à sua espera, vestindo o que parecia ser um roupão de seda roxo.

- Bem-vindo a bordo, analista Hasselblad! - Saudou-o o syraniano, erguendo-se e estendendo-lhe a mão enorme.

- Grato pela acolhida, ah... como se chama? - Indagou Hasselblad apertando a mão estendida.

- Nanakor, terceiro de Nanak - apresentou-se o syraniano fazendo uma pequena mesura.

- Ah... encantado - replicou Hasselblad, notando então que alguma coisa estava se mexendo sob o beliche de Nanakor. - Ei, escute... acho que há algum bicho debaixo da sua cama.

Nanakor estendeu a o braço sob o beliche e de lá puxou uma criatura que lembrava um pulgão verde superdimensionado, com oito pernas e duas longas antenas, cheirando a cravo. Colocou-o no colo e começou a coçar-lhe o dorso, o que pareceu fazer com que ele relaxasse.

- Esse é o Zih, o meu luyt - disse Nanakor. - É o meu animal de apoio emocional... tenho problemas de ansiedade em voos longos e ambientes fechados. Espero que não se importe, ele não é agressivo e se alimenta de suco de frutas.

- Ah... certo - acedeu Hasselblad, sentando-se em seu beliche. - Nunca imaginei que outros seres inteligentes precisassem de animais de apoio emocional.

- Para você ver como somos parecidos - comentou Nanakor, sem qualquer resquício de ironia.

Ao fim da viagem, Hasselblad acostumou-se de tal modo ao luyt que chegou a pensar em arranjar um para ele, como animal de estimação. A ideia só não foi adiante porque lhe informaram que os luyt necessitavam de níveis de oxigênio mais altos e gravidade cerca de 20% menor do que a da Terra, para viverem confortavelmente. Como o seu trabalho na Pesquisa Colonial seria basicamente itinerante, resolveu limitar o estresse a si próprio.

Anos depois, todavia, encontrou um mundo habitado por seres inteligentes que reviveram o seu antigo fascínio por insetos gigantes: Arapa-IV, o planeta das melkis. E para quem lhe perguntava a razão de ter escolhido o planeta para viver, Hasselblad respondia que ali havia encontrado todo o apoio emocional de que precisava.

- [26-05-2019]