Roleta russa
[História anterior: "Eliminação"]
- Baikonur, nós temos um problema.
A voz da comandante da "Krasnoye Nebo" soou alta e clara pelos alto-falantes do Controle da Missão no cosmódromo de Baikonur, Cazaquistão. Apesar de já ser madrugada, uma equipe de técnicos e cientistas estava de plantão, monitorando o retorno do veículo após o bem-sucedido - e absolutamente secreto - pouso na Lua. Alguns minutos antes da coronel Lisenka Nikolayevna Burmakina quebrar o silêncio de rádio, pela frequência reservada para emergências, a telemetria já havia antecipado que ocorrera algo extremamente errado a meio caminho entre Terra e Lua. Primeiro, a cosmonave fizera uma rotação sobre seu eixo, totalmente imprevista, e, em seguida, acionara o motor principal por 10 segundos, o que a colocara num curso que tangenciava a órbita da Terra. Prosseguindo naquela trajetória, a "Krasnoye Nebo" e suas três tripulantes estava fadada a perder-se no espaço sideral.
- Especifique a natureza do problema, "Krasnoye Nebo" - indagou o encarregado do turno da noite, Nikodim Anatolievich Malchikov, ajustando o fone do headset.
- Código-3, Baikonur - replicou calmamente a comandante. - Precisamos que calculem um novo vetor de reentrada, com o combustível que sobrou.
Nikodim Anatolievich olhou para sua equipe de engenheiros aeronáuticos, que estava a postos acompanhando os dados da telemetria da cosmonave por um monitor próximo. "Código-3" era o indicativo de que o veículo sofrera um ataque no espaço, e que para defender-se, usara o único recurso disponível: seu motor de foguete.
- Dez segundos de queima, reinserção na trajetória... depois verificamos quanto combustível sobra para delimitar o local do pouso - especificou o encarregado. Os engenheiros sacaram suas réguas de cálculo e começaram a rabiscar variáveis em blocos de papel. Tenso, Nikodim Anatolievich consultou o relógio de pulso. Cada segundo gasto para chegar a um valor confiável, punha a cosmonave mais distante da Terra. Após um tempo que pareceu interminável, o engenheiro-chefe ergueu a mão:
- O curso deve ser alterado para 30º, seguido de uma queima de 30 segundos do motor principal.
- Muito bem - agradeceu Nikodim Anatolievich, repassando as informações pelo rádio. E acompanhou com apreensão os números que deslizavam pelo monitor à sua frente, até que a telemetria indicou que a "Krasnoye Nebo" voltara à trajetória prevista. O encarregado deu um suspiro, mas sabia que apenas metade do problema havia sido resolvido.
- Quanto combustível elas têm para efetuar as correções finais para o pouso, depois dessa manobra? - Indagou ao engenheiro-chefe.
- Estamos trabalhando nisso - foi a resposta. - Ainda dispomos de algumas horas, e temos que ser o mais precisos possíveis, dado a natureza da missão.
Nikodim Anatolievich fez um aceno afirmativo. Depois, retirou de um painel afixado em seu posto de controle, um telefone que o poria em contato direto com o coordenador do programa lunar soviético, Ludomir Artemovich Chmykhov. O cientista ainda deveria estar dormindo, pois havia uma diferença de duas horas entre o fuso horário de Baikonur e o de Moscou, mas aquilo era importante demais para esperar pela manhã.
- Camarada Ludomir Artemovich? Estamos trabalhando sobre as consequências de um Código-3 - informou, assim que a ligação foi atendida.
- As cosmonautas? - Indagou prontamente Chmykhov.
- Estão bem, camarada Ludomir Artemovich. Ao menos, por enquanto.
- Vou antecipar minha partida - replicou o cientista.
- Espero já termos uma solução até lá - despediu-se Nikodim Anatolievich, recolocando o fone no gancho.
Na parede em frente, sobre um grande mapa eletrônico que assinalava com um ponto luminoso a trajetória da "Krasnoye Nebo", entre a Terra e a Lua, um relógio de palhetas informava que ainda faltavam pouco mais de 15 horas para o pouso.
Onde, exatamente, ninguém sabia ainda.
- [09-04-2019]