O RECOMEÇO

Uns anos antes...

Estava cada vez mais difícil encontrar um bom lugar para se viver no planeta Terra. Os ricos encontraram um jeito de perpetuarem a sua espécie. Construíram uma enorme nave, pejorativamente apelidada de “A Arca-de-nóis-não-é” pela população de um populoso país da América do Sul.

Foi numa ilha inabitada do litoral sul deste país, infestada de cobras jararacas, que aquele casal de biólogos resolvera viver clandestinamente. Lá não seriam importunados pois ninguém se atreveria a pisar por lá. Além das cobras havia rumores de uma doença mortal cujo vetor ninguém conhecia.

Lá se estabeleceram. Levavam uma vida simples. Caçavam cobras para comerem, pescavam. E permaneceram sadios. Se havia alguma doença eles não a contraíram. Depois descobriram que a tal doença misteriosa não os matou devido à dieta baseada em carne de serpentes. As cobras eram imunes ao vírus. E quem as comiam também. Esse casal viria a ser os únicos habitantes humanos na Terra.

Esse era um tempo em que a humanidade já havia desenvolvido a inteligência artificial. As máquinas exerciam as mais variadas funções na sociedade, sobretudo aquelas nas quais o homem não era muito eficiente, quer por representar algum malefício à sua saúde, ou por produtividade mesmo. Não demorou e foram criadas réplicas perfeitas daqueles humanos mais abastados e assim estes indivíduos conseguiam multiplicar em muito as suas produtividades, elevando suas fortunas à patamares nunca dantes vislumbrados.

Mas a Terra já não suportava seus 25 bilhões de habitantes e mesmo com toda tecnologia de produção, controle de emissão de gases poluentes, etc., há muito tempo já faltavam recursos básicos de sobrevivência aos menos privilegiados. As coisas começaram a mudar realmente somente depois que os recursos escassearam também para os endinheirados.

Algo precisava ser feito. E assim deu-se início à maior empreitada da humanidade. Os ricos daquela época pagaram caro para desenvolver uma mega nave espacial que chegaria a uma velocidade de 90 por cento da velocidade da luz. O plano era levar 100 réplicas dos afortunados e 100 máquinas mães. Foram desenvolvidos milhares de embriões humanos aqui na Terra. Chegando no planeta de destino ( a viagem demoraria 39 anos!) esses embriões seriam gestados pelas máquinas mães e tornar-se-iam a nova humanidade no novo lar.

40 anos se passaram. A mega nave espacial chegara há um ano no planeta escolhido para ser o novo lar dos humanos. As máquinas mães pariram a primeira leva de humanos. As instalações necessárias à vida humana já estavam construídas. Imensas estufas já produziam alimentos. Tudo estava dando certo. Quase tudo...

Foi numa tarde de por dos três sóis do planeta, que a réplica de um milionário louco despertou de um breve sonho. Neste sonho ele era um rei e todos ali deveriam servir-lhe. Com um brilho estranho no olhar artificial ele se dirigiu até o comando central da mega nave e alterou as diretrizes de comando. Agora ele era um rei. Sua primeira ordem foi: HUMANIDADE MORRA!

80 anos se passaram. A mega nave espacial desponta no horizonte. A Terra toda celebra a sua volta e o sucesso da empreitada.

A nave pousa. Abre-se a porta principal. Os cientistas entram e constatam aturdidos, cem esqueletos de bebês!

10 anos depois o rei retorna ao planeta do seu criador. A humanidade havia sido extinta por um vírus mortal enviado na mega nave. O rei agora exibia um brilho muito mais intenso no olhar artificial. Agora possuía dois mundos para si. E não se cansava de ser Deus.

Naquela ilha das cobras, o casal isolado de tudo, ainda tentava entender o que acontecera com o resto do mundo. Sobreviveram ao vírus. Mas como derrotar as máquinas? É o que o autor deste conto tentará explicar em outro texto.

ISAÍAS GRESMES, 13/08/2018