O representante

Em traje de gala, Wilmer Hasselblad, aguardava ansioso ao lado do altar no Templo de Haghur. Por um buraco no centro da laje de pedra que compunha o altar, ardia uma chama azulada, alimentada provavelmente por gás butano. O oficiante era um nyrk, uma criatura vagamente humanoide de quase três metros de altura, e que lembrava um demônio de lenda japonesa, com chifres e barbilhos, quatro braços e uma cauda bifurcada, tudo isso coberto por uma armadura de placas imbricadas, vermelha, preta e dourada. Ao pescoço, o nyrk trazia pendurado um Tradutor Universal.

- Pelo visto, a tradição aqui também é da noiva se atrasar... - comentou Hasselblad, tentando fazer graça.

As testemunhas ao seu lado, dois huganari que lembravam cactos ambulantes de cor azul-escura, também portando Tradutores Universais presos à "cintura", não deram nenhum sinal de que haviam entendido a piada. Aliás, para eles, plantas inteligentes, casamento era algo absolutamente alienígena.

Finalmente, houve uma agitação na entrada do templo: a noiva havia chegado. Ela teve uma certa dificuldade em passar pela porta principal, mesmo tendo esta sido desenhada tendo os nyrks como padrão. Quando finalmente conseguiu deslizar sua carapaça para dentro, trotou pelas nave com suavidade e rapidez sobre suas quatro pernas articuladas dispostas em "X" sob o ventre. Lembrava um louva-a-deus de seis metros de comprimento, cor de bronze velho, com as quatro pernas e os seis braços num tom vermelho escuro, quase negro nas extremidades. Nas laterais da cabeça triangular, pouco maior do que sua equivalente humana, dois grandes olhos multifacetados, que brilhavam como globos espelhados, e duas longas antenas que caíam sobre o dorso. Ao pescoço, naturalmente, o indefectível Tradutor Universal. A noiva era uma trazwuu, de Mirvana-IV, um planeta de baixa gravidade e atmosfera densa. Quando ela se posicionou do lado oposto ao dele no altar, o nyrk abriu os dois braços superiores num gesto de acolhimento.

- É da livre vontade de ambos terem comparecido ao Templo de Haghur para contrair matrimônio?

- Sim! - Disse Hasselblad com convicção.

Houve um retardo enquanto a resposta era traduzida em três idiomas diferentes, e finalmente a noiva emitiu um chiado, que foi traduzido como:

- Sim!

O celebrante virou-se para Hasselblad.

- Wilmer Hasselblad, aqui representando o noivo, Gwanrahruahraevoo, você aceita Nyahngareranyaa como sua primeira esposa?

- Sim!

- Nyahngareranyaa, você aceita Gwanrahruahraevoo, aqui representado por Wilmer Hasselblad como seu legítimo esposo?

A resposta foi mais longa do que Hasselblad estava esperando. Finalmente, o Tradutor Universal emitiu seu melhor entendimento do que acabara de ser pronunciado:

- Eu mordo ele.

- Isso é um "sim"? - Sussurrou Hasselblad para as testemunhas, que balançaram os galhos, tão confusas quanto ele.

- Morder é dispensável - declarou o oficiante.

- Eu MORDO ele - repetiu a noiva, com mais ênfase, desdobrando os quatro braços superiores. Pareciam ameaçadores, com serrilhas nas bordas e dedos que mais pareciam garras ossudas.

- A noiva faz questão... - começou a dizer o nyrk para Hasselblad, como quem pede desculpas.

- Tudo bem... - atalhou confiantemente Hasselblad. - Por certo ela não vai me arrancar a cabeça. Só uma mordidinha, que mal há?

O oficiante fez um sinal para a noiva.

- Ele concorda.

A última coisa que Hasselblad lembrou-se de ter visto antes de tudo escurecer, foram os quatro braços fechando-se em torno do seu corpo com uma rapidez de relâmpago.

* * *

Sua visão entrou em foco. Estava zonzo.

- Onde estou? - Murmurou.

- No hospital - respondeu uma voz de mulher. - E não tente se mexer ainda. O veneno ainda está sendo eliminado do seu organismo.

- Veneno?

- Os trazwuu paralisam suas vítimas com uma mordida, antes de devorá-las... parece que o casamento também é visto pelas fêmeas como uma cerimônia de caça - riu a interlocutora. - É claro que, para um macho trazwuu, seria algo tão inofensivo quanto uma mordidinha carinhosa no lábio. Mas você não é um trazwuu...

- E nunca mais faço esse tipo de favor para um amigo... - gemeu Hasselblad. - Casamento por procuração!

- Amigo? - O tom da interlocutora era de desdém. - Não sei quantas patas tem esse seu amigo, mas eu o faria sentir dor em todas elas.

- Anotada a sua sugestão. Para quando eu estiver em condições de andar...

- Amanhã, provavelmente...

- E a noiva?

- Noivo galante, hein? Não se preocupe... a noiva vai passar a noite de núpcias sozinha, mas está bem.

- [06-12-2017]