O portal - 2
Capítulo 2
Amanda analisa curiosamente os entalhes e os dizeres enquanto tateia a porta, e apesar de não entender, fica completamente fascinada.
Amanda
“Faber est suae quisque fortunae”... O que será isso? (suspira) que demais! (chama por Carlos)Oh senhor? O que isso significa? Oi?
Percebendo que não foi ouvida por Carlos e ansiosa por mais detalhes, Amanda vira-se cuidadosamente para não bater nas portas de trás, afinal, a loja era muito apertadinha, contudo, não haviam mais portas atrás, não havia mais loja, nem nada do local onde ela estava, em vez disso, viu uma rua estreita e coberta por vegetação rasteira, com casinhas de alvenaria velhas, com cores desbotadas e algumas com puxadinhos de madeira como anexo, viu alguns escombros e entulhos empilhados nos cantos, placas caídas, postes trincados, grades enferrujadas, parecia uma cidade pós-apocalíptica, que ela muito vira em filmes e era daquele mesmo jeito até onde sua visão alcançava, cães sujos corriam aleatoriamente e algumas pessoas dispersas caminhavam em duplas, trios ou em cima de cavalos, usando roupas monocromáticas num geral, rasgadas e sujas, mulheres de vestido e homens com camisas e calças folgadas.
Amanda analisou tudo isso, com a boca entreaberta, os olhos arregalados e em movimento frenético e com o coração acelerado, jogou-se de costas contra a porta, enquanto as mãos tateavam em busca da maçaneta, e logo que foi encontrada fez Amanda se virar rapidamente. A porta não estava mais fixa em uma estrutura qualquer e sim em uma parede, sólida, de cor verde musgo e com tinta descascando.
Amanda
Não, não, não, não... O que isso? Não pode ser... Mas que merda, que merda de lugar é esse? Isso não é real...
Amanda apertou a fechadura com força na mão, e girou insistentemente, a fim de voltar rapidamente para a loja onde estava e escapar dessa loucura sem fim, mas não teve sucesso, afinal, a porta estava trancada e isso só a deixou mais desesperada, começou então a bater na porta, pedindo por ajuda urgente, e todas as pessoas na rua começaram a olhar para ela, sem entender nada, não imaginavam porque ela estava vestida daquele jeito estranho ou porque estava tentando derrubar aquela porta, mas Amanda nem sequer percebeu o que ocorria em volta, todas as suas forças estavam direcionadas a fazer aquela porta abrir, então tudo mudou quando ela abriu e de dentro da casa, saiu uma mulher com vestido preto cumprido, cabelo desgrenhado e a questionou firmemente.
D. Mirla
O que está acontecendo? Você não tem educação, não? Como bate na casa dos outros assim?
Amanda
O que? Quem é você? Cadê o cara? O dono da loja?
D. Mirla
Do que está falando? Olha eu tenho mais o que fazer...
Amanda
Não... Espere!
A mulher se prepara para fechar a porta na cara de Amanda, que impede colocando seu pé como barreia, em seguida empurra a mulher e entra na casa, tamanha é sua surpresa quando percebe que de fato, aquela não era a loja, estava longe de ser qualquer lugar conhecido... Ali havia apenas alguns moveis velhos, cantos empoeirados, duas janelas fechadas por tabuas, uma escada parcialmente desmoronada que não levava para o segundo andar, e cinco crianças sentadas no chão, algumas coçavam a cabeça, outras riscavam um papel e outras brincavam de bater as mãos antes de serem surpreendidas por aquela estranha invasora.
Menina
Quem é ela mamãe?
D. Mirla
Ninguém filha, ela já esta indo embora!
Amanda
Me... Me desculpe, não quis assustá-las...
A mulher escancara a porta e faz sinal com os olhos para Amanda sair e como percebe que a moça não se move, a pega bruscamente pelo braço e a joga para fora.
Amanda
Espera... Me ajude! Eu preciso encontrar o dono da loja de portas, como faço, eu só quero...
A mulher ignora completamente as tentativas de Amanda em manter um dialogo, mesmo que lhe falte as palavras certas, e avisa seriamente.
D. Mirla
Nunca mais volte aqui! Se tentar invadir minha casa de novo, eu te mato!
Amanda fica completamente atônita, enquanto alisa a porta por fora e bate na parede da casa para ter certeza de que aquilo é real, até que sente uma mão em seu ombro e vira-se rapidamente para ver quem era, encontra um rapaz, parado diante dela, com expressão assustada, porem claramente tentava manter-se calmo.
Moane
Ta tudo bem moça? Não é muito sensato irritar a dona Mirla, ela costuma atirar nas pessoas...
Amanda
(sussurrando) você é real? Que... Que lugar é esse?
Moane
Como? Tá drogada?
Amanda se ofende de sacode a cabeça negando o que lhe fora perguntado.
Moane
Não, me desculpe, é que... Você ta meio descontrolada e ainda está vestida assim toda esquisita...
Amanda
Como assim esquisita? (analisa o rapaz dos pés a cabeça) Não sou eu quem estou usando suspensório, quem ainda usa suspensório?
Moane
Todo mundo que não quer que a calça caia!
Amanda
Perai... Suspensório... Eu to no passado!? Cavalos na rua, primeira guerra mundial? Em que ano estamos? Mil novecentos e...?
Moane
(surpreso) ah, eu acho que você precisa sair um pouco do sol... Vamos, tomar uma água na taberna? Fica ali na frente (e aponta para o local) não se preocupe...
Amanda
Eu não vou pra lugar nenhum com você, nem te conheço, ta louco? Me diz logo, em que ano estamos? Ainda estamos no Brasil pelo menos?
Moane
(risos) Brasil? Faz tempo que não escuto isso... Tá bom... Tecnicamente ainda estamos no que você chama de Brasil, mas não estamos em “mil novecentos e...”, estamos em 2117...
Amanda franze a testa e abre a boca, enquanto Moane percebe que estão sendo observados, disfarça e começa a falar mais rápido e baixo.
Moane
Temos que sair daqui bem rápido...
Amanda
Não, não posso sair daqui, eu preciso voltar! Esse é meu único lugar conhecido...
Moane
Você não tá me entendendo, as pessoas aqui não gostam de estranhos, eles não vão ser legais como eu... Se quiser ficar viva me segue ou fica aqui... Mas vai estar por sua conta.
Amanda analisa as opções e vê que, apesar de saber que aquela porta é a sua saída, sabe também que ela não está disponível agora e o mais inteligente a se fazer era permanecer viva até que pudesse voltar pro seu “mundo”, tinha que confiar no rapaz ou ficar sozinha e um estranho amigável lhe oferecendo ajuda parecia ser a melhor alternativa.
Moane a levou para uma espécie de bar, onde uma das portas da entrada não abria e a placa na frente dizia “Via Verde Turismo”, ela entrou olhou em volta, estava muito escuro, passaram-se alguns segundos até que sua vista se adaptasse ao local, haviam algumas mesas espalhadas, ocupadas por pessoas mal encaradas, Moane então a alertou.
Moane
Para de encarar! Desse jeito vai ser difícil te manter viva!
Amanda baixou os olhos e o seguiu até o balcão, onde o rapaz cumprimentou a atendente.
Moane
Jasmin...
Jasmin
Como vai Mo? Passeando por aqui? Já faz um tempo...
Moane
É... Faz tempo...
Jasmin
O que vai querer?
Moane
Só um suco de laranja pra ela, e...
Jasmin
Ah, quem é sua nova amiga? É de fora? (encarando-a com desprezo) Sabe que vai ter problemas se for visto com ela!
Moane
Eu sei, por isso preciso da sua ajuda! Empresta uma roupa pra ela, ela já chamou atenção na rua batendo na casa da dona Mirla, preciso escondê-la até saber o que fazer...
Jasmin
Tá mas, da onde ela veio, quem é?
Moane
Eu não sei Jasmin, mas preciso de ajuda, ela tá meio confusa, posso contar com você?
Jasmin
É claro...
Jasmin prepara o suco, entrega para Amanda, pede para o seu colega assumir o balcão, enquanto leva Amanda e Moane para seu espaço, subindo as escadas, lá Moane se acomoda na cadeira e puxa a outra para Amanda, que senta e bebe o suco, enquanto Jasmin vasculha o armário e joga alguns vestidos sobre a cama.
Moane
Fica tranquila, ela vai te ajudar! Como está o suco?
Amanda
Amargo e quente! Não tinha alguma coisa gelada?
Moane
(surpreso) Gelada?
Jasmin encara Moane, sacode a cabeça e ri, ridicularizando a pergunta de Amanda.
Jasmin
Acho que esse vai servir, veste!
Amanda
Que? Não vou vestir isso! Que coisa horrível! Além do mais parece que nunca foi lavado...
Jasmin
(irritada) escuta aqui garota...
Moane
Opa, opa... Calma Jasmin! Moça, isso não vai dar certo! Se você não quer ajuda, pode ir embora, se acha que vai fazer melhor...
Amanda
(suspira) Não, desculpe... É só que problema não é esse, me fantasiar não vai resolver nada, eu preciso falar com alguém que saiba o que aconteceu comigo, que saiba como eu posso voltar pra casa e sair desse inferno... Quer dizer... Dessa cidade.
Jasmin
Voltar pra onde? De onde você é?
Amanda
Eu acordei hoje de manha e era dia 19 de novembro de 2017, tive um dia péssimo, mas por pior que fosse não achei poderia piorar tanto... E então, ele me diz que estamos em 2117, ai tive certeza de que nada é tão ruim que não possa piorar...
Jasmin
Como assim 2017? Tem ideia do que isso parece?
Amanda
Parece loucura, eu sei! Acredite quando eu digo que eu seria a primeira pessoa a desacreditar isso, mas é verdade... Eu juro!
Jasmin
Significa dizer que estamos 100 anos à sua frente, como isso aconteceu?
Amanda
Eu não sei... Só quero que acabe!
Moane
E esperem ai... Se isso é real... Vamos pensar só por um segundo que é real, se ela viveu 100 anos atrás, precisamos falar com alguém que também viveu nessa época ou pelo menos perto, quem sabe nos diga algo que possa ajudar...
Jasmin
Está pensando o mesmo que eu? Evelin?
Moane
Evelin!