N-19 (Parte 3)
Além de enfrentar criaturas que pareciam ter vindo do inferno, tínhamos uma guerrilha paralela com outros grupos de sobreviventes. Os recursos eram escassos e era sabido que estavam no seu limiar. Cada grupo lutava para sustentar suas crianças, suas mulheres e idosos e isso fazia com que não existisse vitória ao final de uma batalha, pois independentemente de qual time vencesse, pessoas inocentes iriam padecer. O grupo que me acolheu era composto na sua maioria por homens. Bons homens eu diria, mesmo para aqueles tempos. Tentávamos evitar conflitos com nossos semelhantes ao máximo, muitas vezes até negociando territórios e suprimentos para não entrar em confronto direto, mas às vezes os embates eram inevitáveis. Água era outro item raro e que gerava muita disputa. Tivemos sorte, se é que é possível afirmar isso na situação em que nos encontrávamos, pois havia uns dois meses que tínhamos encontrado um pequeno arsenal particular que nos proveu armas e munições suficientes para a defesa do grupo por um tempo. Nós não éramos militares, nunca tínhamos recebido treinamento tático e infelizmente não havia estrutura para esse treinamento. A quase tudo que nos submetíamos era novo e nem sempre obtínhamos êxito. Talvez o pior confronto que nos envolvemos foi quando entramos no mercado central da cidade. Foi depois disso que comecei a fumar. Entramos em busca de alimentos e utensílios. Procuramos avançar pela parte lateral, pois se acontecesse qualquer imprevisto, era o caminho que tinha mais espaço para fuga. A discrição era nossa prioridade, afinal de contas só queríamos pegar o material e sair sem sermos vistos nem ouvidos. Armas brancas eram preferíveis. Dar tiros seria ultimo caso. Logo na entrada, demos de cara com um infectado que foi ao chão sutilmente, graças a um golpe preciso de um dos nossos. Seguimos na penumbra, sem movimentos bruscos, ate chegar ao setor de laticínios. Começamos a pegar tudo o que podíamos, mesmo os alimentos que não estavam mais na validade não eram pra se dispensar. De repente avistamos uma adolescente que não pertencia ao nosso grupo. Ela também nos viu e depois de alguns segundos estática, não só correu como começou a gritar. O alarde provocado pela jovem moça foi o estopim para um confronto misto: Agora teríamos que enfrentar humanos e monstros! Eles chegaram aos montes, derrubando prateleiras, quebrando vidraças, caindo do teto. Parecia que as portas do inferno tinham se aberto bem ali. Corríamos abaixados, pois além de efetuar a fuga por causa dos infectados, o outro clã estava nos alvejando com tiros de espingarda. Corríamos o mais rápido possível em direção a porta, quando outra manada nos cercou. Fazer uso somente de facões e porretes já não fazia tanto sentido, então deflagramos nossa munição nos infectados, procurando fugir dos adversários e encarando as criaturas. Assim que conseguimos sair, tomamos uma atitude nada louvável. Nós bloqueamos a porta com uma van que estava estacionada próxima, impedindo a saída de ambos os inimigos. Enquanto enfrentávamos uns poucos infectados que estavam no pátio do mercado, escutávamos os gritos agonizantes das pessoas que resolveram nos confrontar. Tratava-se de sobrevivência, nada mais que isso. Enquanto caminhávamos de volta ao nosso acampamento os gritos silenciaram, só restando os grunhidos das bestas os devorando. Não foi uma vitória. Aquela moça havia morrido e eu não me orgulhava disso. Comecei a fumar.