Imagine-se
Imagine-se daqui a dez anos. Como você estaria? Casado? Com filhos? Provavelmente fazendo algo que lhe agrade, pois é assim que imaginamos o nosso futuro, ou pelo menos idealizamos ele.
Mas agora, sem idealizar: você tem um emprego, uma mulher, um filho e uma casa simples. Trabalha em uma empresa que você optou, por conseguir ganhar mais dinheiro do que você ganharia se fosse trabalhar com algo que gostasse.
A tecnologia já está muito mais avançada e a comunicação social quase não existe. Você mal tem tempo pra perguntar para o seu filho como foi o dia dele na escola.
Um belo dia então, você acorda. São oito da manhã. Você olha pro lado e não vê sua mulher, que provavelmente está trabalhando. Se levanta, vai até a cozinha, toma um café bem rápido e entra no quarto do seu filho pra levá-lo à escola. Ele não está lá. Você acha estranho, mas logo pensa que sua mulher fez a gentileza de levá-lo neste dia.
Você coloca sua roupa habitual para trabalhar e se lembra que esqueceu de mandar um relatório para o seu gerente. Tenta acessar a internet e percebe que ela não está funcionando. Você fica puto e pensa em reclamar, mas logo se lembra que não tem tempo pra isso.
Você pega a chave do carro, abre a garagem e sai. Já são nove da manhã e você percebe que vai se atrasar quinze minutos. Já fica puto, pois tempo é precioso pra você.
Você sai então com o carro, mas alguma coisa está estranha... As pessoas que você costumava ver andando pela rua, não estão mais ali. Não há trânsito. Você abre o celular e confere no calendário se é feriado, mas não é. Chega no trabalho e o porteiro não está. Você estaciona o carro e entra na empresa. Não há ninguém na recepção. Você vai até a outra sala e não encontra ninguém. A empresa está vazia.
Desesperado, você pega seu celular e tenta ligar para seu chefe, mas não há sinal. Tenta ligar pra sua mulher e também não consegue. Você não consegue se comunicar com ninguém.
Então você sai correndo da empresa e pega o carro. Vai atrás de sua mulher, mas antes pára no posto de gasolina. Não há ninguém. Você enche o tanque, entra na loja, pega algumas mercadorias e todo o dinheiro do caixa. Há uma câmera te filmando, mas não há ninguém assistindo.
Você vai atrás de sua mulher no trabalho. Durante todo o trajeto, você não vê ninguém... Não há carros, não há pessoas, não há cachorros e nem pássaros.
Chegando no trabalho dela, você não encontra ninguém. A empresa está vazia. Um desespero toma conta de você e então você se lembra de seu filho. Vai atrás dele na escola e, frustrado, percebe que a escola também está vazia.
Você então começa a arrombar casas, comércios, lojas. Pega as coisas de valor, alimentos, dinheiro e sai correndo, em uma tentativa frustrada de algum policial correr atrás de você, ou de alguém se emputecer. Mas isso não acontece. Não há ninguém.
Você corre até a sua casa e pega as coisas de mais valor. As de valor sentimental. Fotos antigas (que estão impressas, pois as mais recentes estão na câmera digital que você não sabe aonde está), roupas de sua mulher e de seu filho e alimento. Enfia tudo no carro e sai desesperado, sem rumo.
Você sai da cidade e em todo o trajeto, não encontra uma pessoa, um ser vivo. Horas depois, você para o carro e desce. No meio do mato, você se deita em posição fetal e começa a chorar. Você começa a implorar pra Deus, aquele com quem você só fala pra pedir algo, mas nunca pra agradecer. Você implora para que ele lhe ajude e traga as pessoas que você ama de volta.
Você começa a se recordar de algumas pessoas e percebe que, as únicas que você gostaria de ter de volta, são justamente aquelas que você mal disse "boa noite" na noite passada, pois chegou estressado do trabalho e teve que terminar um relatório de madrugada. Relatório esse que seu chefe lhe pediu, aquele chefe que você não suporta olhar pra cara, e mesmo assim, passa mais tempo com ele do que com as pessoas que você ama.
Você nem se lembra qual foi a ultima vez que reuniu as pessoas que realmente se importam com você. E agora você se deu conta de que está sozinho no mundo. Num mundo que você já estava sozinho há muito tempo, mas só se deu conta quando olhou ao seu redor e não viu mais as pessoas com as quais você já não conversava há um bom tempo.
Terá agora de se habituar no mesmo mundo em que já vivia, porém com um cenário diferente. O mundo agora é seu. Todo seu. Mas de que lhe adianta tudo isso, se já não pode mais exibir para os amigos de bar o seu carro novo? Ou dar uma foda com aquela gostosa do bar que você passa a mão na bunda enquanto ela te serve um chopp? Pior ainda: de que lhe adianta tudo, se você já não tem mais as pessoas que te amavam, e você nunca valorizou? De que lhe adianta tudo isso, se você viverá na solidão eterna? Mas afinal, você já não vivia nela?
Eis que de repente você ouve uma música. É o seu celular tocando. Você entra em êxtase e atende desesperado:
- "Filho?"
- "Papai?" - chorando - "Aonde você ta? Acordei hoje sozinho em casa."