Amanhecer

Sentados no teto do campus da universidade, eu e meus amigos olhávamos esperançosos para o céu azul, limpo e claro de verão. Era a alvorada da humanidade, o amanhecer de uma nova era e nós seriamos as mãos desse futuro, seriamos engenheiros cósmicos. Engenheiros da Pioneira I.

Todos os dias subíamos o prédio e tentávamos ver algum indicio da nave, nem que fosse uma pequena mancha no céu. A Pioneira já havia começado a ser construída e dentro de quatro anos, nós seriamos enviados para a orbita terrestre, para a estação espacial Futuro. Lá a nave era construída em gravidade zero, no espaço, só assim ela conseguiria viajar no cosmos, já que seu tamanho era tão gigantesco que necessitaria uma quantidade de energia absurda para que decolasse. Essa energia é necessária para abastecer todas as milhares de funções da nave, só a energia que seria gasta na decolagem era capaz de abastecer boa parte das necessidades da Pioneira.

Seu tamanho é de uma cidade de pequeno porte, sua tripulação é de quarenta e cinco mil pessoas, sendo que vinte mil viajaria em estado de crio sono, seriam congelados e acordariam apenas na chegada ao novo planeta, para colonização. A viagem poderia durar centenas de anos, por isso ela foi criada para suportar sociedade, com lojas, escolas, restaurantes, casas e tudo mais que uma cidade tem. Era em poucas palavras uma cidade espacial.

No ultimo ano da faculdade, passamos pelos mais variados testes físicos e psicológicos, todo tipo que você imaginar. Nós giravam e espremiam em maquinas, tínhamos que fazer exercício em gravidade zero e em gravidade mais alta que da Terra, até mesmo passar uma semana de aulas praticas vestidos em trajes espaciais em câmaras de gravidade zero. Era a ultima chance da humanidade frente à crise de superpopulação, não podíamos falhar, precisavam do melhor dos melhores para esse serviço.

E eu consegui ser um deles.

No ultimo mês subimos novamente o prédio e conseguimos ver, menor que a unha do dedo mínimo, mas estava lá, a pequena mancha avermelhada, a Pioneira. Estava pequena, mas isso já indicava que alguns quilômetros já estavam prontos. Sorrimos, brincamos e festejamos aquela noite, ali mesmo no velho telhado. Era nossa esperança, e de toda humanidade, depositada naquela nave.

Ao término do curso, fomos mandados imediatamente para a estação Futuro, porem não foram todos. De cinquenta estudantes, apenas sete foram selecionados e eu era um deles.

Nossa equipe foi enviada até a estação de carona em uma nave cargueira, lotada de alumínio e ouro. Aquela nave era apertada e árida, mas nossa animação superava qualquer barreira, e nossa determinação parecia imbatível. Não conseguimos visualizar a Pioneira até chegarmos em orbita, onde finalmente soltamos nossos cintos e flutuamos em gravidade zero natural. Não era tão diferente da artificial, mas era muito mais emocionante. Chegamos à noite e o cock pit da nave cargueira foi iluminado pelos holofotes e luzes piscantes de pouso. Aquilo pelo que estudamos dez anos agora estava ali, ao alcance da mão. Quando olhei para a esquerda na janela panorâmica vi o esplendor da Pioneira. Ela flutuava serenamente, como uma criança no útero da mãe. Seu formato circular lembrava um disco voador das histórias sobre óvnis de antigamente, onde a fantasia e ficção nublavam nossas mentes sobre a natureza desses seres.

Mas isso não importava agora, o que importava era ela, a Pioneira I e minha importância em sua construção.

A estação Futuro era rustica, sem muitos detalhes ou adornos, feita praticamente inteira de metal marciano, avermelhado, apenas pintado de cinza e às vezes branco ou azul para que não causasse desconforto. Dentro da estação havia gravidade artificial assim como um sistema de clima que deixava a temperatura e o ar extremamente agradável. Na realidade, nossa tecnologia de controle climático foi a chave para vencermos o efeito estufa e agora para a sobrevivência em ambiente espacial e artificial. Quando a Pioneira chegar ao seu destino, essa mesma tecnologia junto com a tecnologia de terraformagem serão a chave do sucesso da nossa colonização.

Logo que chegamos fomos recebidos por uma equipe administrativa que nos apresentou a estação e alguns detalhes que não foram passados na época da Universidade, tudo foi muito rápido e todos pareciam estar com presa, andando para cima e para baixo, em uma comunicação intensa que me lembrou um ninho de formigas, alguns ainda vestidos com os trajes espaciais simples justos ao corpo, pressurizados e leves. A mobilidade era muito maior que aqueles primeiros usados por nós, luvas finas, tecido dobrável e justo, capacete pequeno e com display holográfico na viseira.

A humanidade precisava disso, da tecnologia. Sem duvida é nossa maior necessidade.

Aquele dia foi apenas para conhecermos o ambiente, sua rotina e suas regras. Por toda estação havia telões que simulavam imagens da terra, hora uma cidade, hora uma praia, e todas elas estavam sincronizadas com o horário do pacifico, no momento a tela do meu quarto mostrava uma cidade à noite, com seus prédios iluminados e luzes coloridas. Sentia-me como em um apartamento, pequeno e de poucos móveis. Estava em fim na estação e em seis horas começaria meu turno.

Acordei com um alarme suave, a cidade na parede mostrava um sol nascente em meio a um dia nublado. Poderia crer que essas imagens eram ao vivo, não me surpreenderia, já na Pioneira não teríamos esse luxo.

Vesti meu traje como explicado na rotina, primeiro o vestíamos e depois ele era despressurizado, seu ar removido e entre a pele e o tecido não havia um só suspiro de ar. Apanhei o capacete e me dirigi ao saguão onde iriamos, eu e meus colegas de universidade, conhecer nossas equipes de operários e supervisionar a construção da nave.

Enfim saímos da estação e pudemos ver uma carcaça de metal gigantesca, de mais de dez quilômetros, com pequenas naves operárias ao redor e outras de escolta, flutuando ou patrulhando aquele espaço. Podia ver a Terra e a Lua, as estrelas brilhavam intensamente fora do planeta e lá estava eu, flutuando em gravidade zero, a tela holográfica do meu capacete mostrando todos os dados necessários, oxigênio, batimento cardíaco, onde estava minha equipe e tudo mais. Meus olhos encheram de agua, a humanidade estava salva e graças a todos nós, todos os seres humanos.

Doze anos se passaram e voltei para a Terra, nada realmente havia mudado, tudo seguia seu caminho. Apenas dois dos meus colegas viajaram junto com a nave, eu mesmo fiquei, e sentado no prédio da universidade, aquele mesmo prédio, vi a nave colossal no céu azul sem nuvens, começando sua partida.

A cada momento ela ficava menor e menor, até que nada sobrou no céu a não ser um vazio.

Um vazio cuja minha esperança e de todos na Terra o preenchiam.