O quarto onde, inerte e completamente relaxado, se encontrava o corpo físico de Peter estava envolto na mais silenciosa e aconchegante penumbra. Eram altas horas da madrugada e todos na casa dormiam. Um solavanco repentino faz o corpo de Peter estremecer sobre a cama e o barulho desperta Jane, ou melhor, fá-la levantar-se, mas ainda dormindo; o ato sonambúlico trá-la diretamente para junto do esposo.

Aí acontece uma comunicação entre os dois; no mais completo silêncio, em meio a gestos solenes da mulher e do revirar das pupilas afogueadas de Peter eles se entendem perfeitamente. O rosto dela está colado ao peito do marido, o ouvido bem próximo de sua respiração ofegante. Ele olha para o vazio; apenas sua mente inconsciente está conectada à mente inconsciente de Jane. Profundamente gravadas nas profundezas do seu eu que não dorme, e tudo conhece e tudo vê, ficarão as imagens, cada frase e cada palavra não ditas naquela noite marcante.

De súbito, todo movimente de Peter, sua respiração ou qualquer outro sinal que indiquem vida se fazem cessar por completo. Jane, como satisfeita pela missão recebida, na fisionomia e nos gestos de retorno ao quarto a tranquilidade é sua marca; deita-se e logo o sono normal e saudável a invade novamente. No dia seguinte a visita médica atesta, no hospital para onde fora levado, a morte do cientista. Mas há um sinal, que para todos os entendidos em medicina terrestre, deixa a impressão de que um sopro de existência ainda vibra em algum lugar do cérebro de Peter. Não querem dar como definitiva a sua morte, mas também não podem afirmar que esteja vivo.

No plano astral Peter se prepara para iniciar sua viagem no tempo. Quanto à máquina, escolheu um dos modelos entre os muitos que lhe apresentou a criatura. Como visitaria o futuro da própria Terra, alguma evidência física precisaria estar presente caso algum ser evoluído o percebesse por lá e, nesse caso a morte fictícia fora uma estratégia da criatura para fazer desaparecer por algumas horas o corpo real, agora em uma sala de UTI hospitalar.

- Não sente nada em relação ao seu corpo físico? - perguntou-lhe a criatura.

- Absolutamente nada; por que deveria?

- O estão dando como morto, esta é a razão. - Mas antes que Peter demonstrasse apreensão, a criatura continuou: - Não se preocupe, você estará bem. Isto é temporário. Cada minuto no seu planeta representa anos e anos no plano onde nos encontramos; você não faz ideia. Tudo gira em altíssima velocidade, o espaço e o tempo não representam obstáculos para nós. Todavia preciso do seu corpo físico; por isso tele transportei-o para cá, veja.

Ao perceber, através de sua visão astral, que estava diante de seu próprio corpo físico, Peter espantou-se a ponto de suas emoções obstruírem momentaneamente as comunicações com a criatura, mas logo se recompôs.

- Posso senti-lo de alguma forma? - Peter agora estava tomado pela curiosidade.

- Sim, ele é todo você. Embora seja mera forma, um títere. Pode chamar de androide, que é como denominam esses seres em seu planeta. Só o coloquei ali porque uma nave não pode se movimentar sozinha na concepção dos humanos. Mas se estamos indo do passado para o futuro as impressões que irá causar é de um visitante perdido em busca de socorro, combustível ou algo que para os seres do futuro não faz o menor sentido.

- Como são eles e como se comportam?

- Verá com os seus próprios olhos. Ou melhor, com os olhos do seu androide.

- Se é meu androide, por que precisou do meu corpo verdadeiro ao me fazer passar por morto perante os da Terra?

- Porque preciso dos seus sentidos, nada mais que isto. Os corpos podem se multiplicar por milhares. Posso fazer tantos Peter quantos eu desejar. Porém a sua individualidade é apenas uma e esta não se replica. Você agirá, falará como um humano perfeitamente normal. Quanto aos sentimentos, quando precisarem se expressar serão manipulados daqui pelo seu corpo astral. Quando digo daqui uso de alegoria, porque poderá estar em qualquer lugar que eu designar e que achar adequado à evolução do seu planeta.

- Então tudo tem por finalidade a evolução da Terra. Acha que estamos mesmo atrasados?

- Ah! ah ah! Descubra por você mesmo as respostas. Foi movido pelo desejo de melhorar as suas civilizações, de amenizar um pouco as drásticas condições em que se encontra o seu planeta que me imbuí dessa missão. Você não faz ideia da diferença entre a sua casa e os mundos verdadeiramente evoluídos. Contudo, isto é assunto para o futuro, se é que você me entende. Veja por você mesmo a situação do seu planeta daqui a, digamos dez mil anos. 

Peter sentiu um arrepio só de em imaginar que teria contato com um futuro tão longínquo e desconhecido.

- No entanto, não vou causar esse impacto agora. Isto pode prejudicar sua sanidade mental. Vou enviá-lo ao ano 2.120 para que testemunhe as condições planetárias causadas em grande parte pela intromissão de sua própria espécie. Não se preocupe com o que verá e nem tenha medo de agir da forma que for orientado. Nossas comunicações jamais serão interrompidas. Mal cessaram essas palavras, a nave escolhida por Peter desintegrou-se e desapareceu no espaço infinito.

O planeta estava em total escuridão. O vento uivava de modo aterrador. Rajadas de trovão cruzavam os céus. Uma chuva torrencial caía obliquamente tornando impossível identificar o local exato em que a nave de Peter havia estacionado. Ele recostava-se, quase deitado, ao assento do veículo inclinado para trás. Seus olhos, não necessitados do descanso do sono, perscrutavam o vazio, as duas mãos seguravam, firmes e elegantemente, uma das alavancas do interior da cabine. As horas transcorriam silenciosas. Aos poucos, uma luz débil ia deixando nítidas as configurações do ambiente.

O local apresentava as características de um vale inabitado. A terra era escura e quase não havia vegetação. A temperatura era altíssima já antes de amanhecer totalmente. As árvores ali não apresentavam folhagens, mas galhos desnudos, feito esqueletos. Os troncos eram enegrecidos. Não havia sinal de vida animal. Peter saiu da nave e andou ao redor.

O movimento do seu corpo atraiu algumas aves negras; elas vieram em bando enquanto ele, caminhando cada vez mais velozmente, as afastava com gestos violentos das mãos e dos braços. Acabou por desistir em função do número assustador dos pássaros que agora, em bandos, formavam nuvens ao redor de Peter. Deixou por fim que cumprissem o objetivo de suas investidas. Enganadas pela aparência humana de Peter, mas que não lhes oferecia o alimento que avidamente buscavam elas o deixaram em paz, alçando voo, o que fez, por instantes, enegrecer e turvar a atmosfera.

 
Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 15/01/2012
Reeditado em 15/01/2012
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