O Reino da Terra

Ela sente as cores fortes do céu azulado daquele planeta permearem todos os seus sentidos. Havia a muito que não sentia algo tão parecido. Bonito, gostoso. Ainda estava um tanto quanto incrédula se realmente estava sentindo aquelas novas sensações. Tudo parecia mais um sonho que, depois de muito tempo, havia se tornado uma realidade. Uma linda e maravilhosa realidade.

Andava, agora, por um pequeno jardim florido numa praça de uma grande cidade. Assim como fazia muito que não sentia o vento em seu rosto, fazia muito, também, que não tinha visto tal contingente de gente. Uma cidade grande, maravilhosa, agitada, soberba e, principalmente, viva. Realmente muito viva. Como era delicioso ficar naquele lugar, simplesmente sem fazer nada e, somente, ver as pessoas andando de um lado para o outro.

Era tudo o que queria. Apenas observar aquela multidão apressada, indo fazer os seus afazeres. Ocupados, desocupados, calmos, agitados, leais, desleais, apaixonados, traídos, enfim, seres humanos com todas as suas limitações – e não – de sua carne, alma, personalidade, mente. Enfim no meio daqueles iguais a ela.

As gramíneas tocando o solado de seus pés acariciavam-na de um modo que sentia um prazer sem igual. Por quanto tempo havia ficado naquele uniforme? A quanto havia ficado sem sentir a vida em seus pés? A quanto se preocupava com tão pequenas coisas? Desde nunca, pensa ela. Desde nunca. Mas, agora, sim poderia fazer tais coisas. Nunca havia se sentido tão feliz, de fato, felicíssima.

Ao longo, no horizonte, o sol amarelo seguia poente indo a sua coloração, agora, alaranjada-avermelhada. Os raios do mesmo, antes fortes e graciosos, faziam-lhe, de uma forma sublime, cócegas em sua face. Era maravilhoso aquele toque suave, intimo e delicado. As nuvens, também, iam cortando o céu e, de vez por vez, atrapalhando aquelas graciosas cócegas da natureza. Nuvens brancas, cirros, nimbos, macias, almejáveis e graciosas.

A tarde dava adeus, juntamente com o dia e o sol e dava lugar a Dama Noite. Tal qual o dia, naquele lugar, agora sentada num banco da praça bem iluminada, era uma agradável, breve e infinita surpresa. O céu estrelado acima dela era diferente de tudo que havia visto, também a muito. Era ótimo ver o céu e não estar no céu per se. Não sentia nem um pouco de vontade de voltar lá para cima e se sentia ótima por estar ali, num planeta, num sólido lugar onde colocar os pés e sentir a felicidade em seu corpo.

Coisas que seriam tão banais para aquelas pessoas, que agora voltavam de seus trabalhos, eram novidades ou, pelo menos, uma volta a vida normal para aquela moça. A cada segundo, minuto e dia que passava ali sentia uma necessidade imensa de rir e chorar. Rir porque finalmente chegou no lugar que lhe haviam prometido que chegaria – assim como muitos outros de seus colegas, alguns que nunca veriam aquele céu estrelado, mas que sempre eram lembrados nas cerimônias de agradecimento pelos deuses – e chorar pela terra perdida e destroçada. Por vidas destruídas e por destinos interrompidos.

Da nave no qual ajudara a ela, juntamente com a frota, a chegar a esse planeta agora se encontrava no espaço vigiando-o caso a ameaça que expulsara o seu povo daquele lugar pudesse voltar um dia, mesmo que quase improvável. O seu capitão prometera ao povo daquele planeta, assim como os sobreviventes das colônias perdidas, que não iria descansar até o ultimo inimigo fosse destruído ou que, pelo menos, eles não mais encontrassem o caminho para aquele lugar.

De um pouco mais de 15 bilhões de seres que habitavam as colônias perdidas, somente um punhado de 60.000 almas conseguiram escapar das garras do inimigo. Muitos ainda viriam a nascer e a morrer ao longo da gigantesca jornada. A frota de naves era composta desde as de classe de turismo até mesmo uma nave prisão. Houve muitos problemas desde a partida, promessas falsas e a própria imundice da humanidade atrapalhara, por muito, aquela empreitada. Não havia lugar para enterrar os mortos, os corajosos que lutavam bravamente ou os queridos velhos, doentes, pessoas comuns. Todos eram jogados ao espaço e um profundo pesar abatia-se perante todos na frota.

Agora eram 60.000 almas naquele planeta estranho. Num primeiro momento foram recepcionados friamente, mas, depois da Gigante Batalha, boa parte das pessoas das colônias perdidas foram aceitas – e muito bem – pelo governo do planeta e, desde então, cada qual tem uma cidadania num país que se demonstrava mais aprazível à pessoa. Ela escolhera uma cidade que lhe acalmava e, ao mesmo tempo, lhe lembrava a sua casa. Achava isso um pouco estranho, fazer um misto entre tristeza e alegria, mas queria fazer-se lembrar daquilo que perdera e ganhara.

A noite caia fresca e calma na cidade e o vento gélido lhe batia na sua face. Aconchegante era a palavra que vinha a sua mente no momento. O que mais sentira falta, neste tempo todo, fora o vento, não o ar artificial criado pelas naves e sim o vento natural que não poderia ser criado por qualquer máquina, pois, assim, daria para sentir a diferença.

O vento fora à coisa mais preciosa, de seu planeta, que haviam lhe roubado. Não mais precioso do que a sua mãe morta pelo inimigo, mas, ainda assim, era precioso. Na praia, em seu planeta, cidade natal era algo gostoso de se sentir e, principalmente, na sua juventude onde passava horas a fio olhando para aquele horizonte negro e nele vinham as ondas espumadas do mar. Tudo aquilo perdido por causa daquela odiosa guerra onde eles, os sobreviventes, não tiveram quaisquer chances reais de ataque. A única chance era fugir daqueles seus perseguidores. Anjos da morte, trazidos pelos deuses para aniquilar a raça humana. Fazer com que aqueles pagassem pelos seus pecados mais obscenos. A humanidade no fio da navalha, por fim.

Voltava, agora, para casa. Depois de muito tempo tem agora um lugar que poderia chamar de casa. A sua, como bem dito, havia sido destruída. Agora, gentilmente, tem a sua própria e com os poucos pertences que tinha no seu alojamento na nave enfeitava cada pedaço daquele lugar.

Ficara entusiasmadíssima quando soubera que poderia se mudar da nave para uma cidade do planeta que os acolhera tão bem. O processo de realocação era demorado e, muitas vezes, muitos ficavam nas naves da frota. Mas, finalmente, conseguira o que queria.

Quando chegara abrira a porta e tinha, para a sua surpresa, algumas pessoas ali. A muito conhecidas e a muito queridas. Eram pessoas que fizeram companhia a ela na longa jornada para casa. As três pessoas estavam lá sentadas.

- Olá. – Disse ela.

- Oi. – Disse uma outra e, em seguida, abrindo um sorriso discreto. – A quanto tempo. – Continuou.

- Sim. A muito. O que os trazem aqui? – Perguntou ela.

- Queríamos dizer que, penosamente, ele morreu. – disse um deles que estava ali sentado.

Ela se sentou quase chorosa. Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Depois desse tempo todo, ele, aquela pessoa que tanto amara, morrera. Porque agora? Porque no exato momento que a sua vida estava começando a se acertar. Ele, um amigo, um amante, estava trabalhando numa agencia espacial daquele planeta para melhorar as pesquisas espaciais e as viagens que ali estavam sendo feitas. Agora estava morto.

- Como? – Perguntou ela com um fulgor de lágrimas em seus olhos.

- Ele estava perto de um reator nuclear quando uma retrocarga voltou pela superfície condutora do reator. Ele não agüentou. Sinto muito. – Disse o homem que estava ali a frente dela que pesadamente soltava lágrimas.

Não concebia que, depois de um pouco mais de 3 meses de estabilidade – ao chegar no planeta e se assentar – tivesse que suportar uma outra grande perda, além de ter perdido vários amigos na Grande Batalha que se sucedeu alguns dias depois da chegada da Frota ao planeta.

Quando a Frota chegara ao planeta, com o seu grande contingente de naves, pouco combustível, suprimentos por fim e armas quase exauridas – e foram recebidos de soslaio pelo povo do planeta – uma gigantesca frota do inimigo dias depois chegou e viera com tudo ao ataque do planeta e da frota sobrevivente. Se não fosse a ajuda militar do planeta – tecnologicamente não tinham como viajar em velocidades superiores a luz, mas militarmente eram tão, se não mais, poderosos que o inimigo o que fez a balança pender para os sobreviventes – a frota e seus sobreviventes teriam sucumbido ali mesmo.

Foi uma das batalhas mais ferozes que se tem noticia na historia daquele planeta ou dos sobreviventes. Dos 60.000 sobreviventes, 2.000 almas cessaram a sua existência naquela batalha em contrapartida o inimigo quase não teve chance não conseguindo passar da orla orbital lunar e, ainda, rechaçado por forças advindas de Marte que captariam a horda do inimigo alguns dias antes da chegada dos mesmos.

E, agora, estava mais só do que nunca.

- Por que? – Perguntou-se ela. Chorosa as palavras saíram balbuciantes de sua boca. Os seus olhos já estavam totalmente marejados e seu corpo tremia sentindo a dor da perda, mais uma. – Por que os deuses me fazem algo como isso? Já não basta o que eu sofri?

- É o destino... se os deuses assim decidiram, assim é feito. – Disse uma mulher que estava no meio do grupo. – Não podemos tentar entender os mistérios que permeia os desejos e pensamentos dos deuses.

- Mas.. mas... o que os deuses fizeram por nós? Depois de tudo que passamos ainda devemos ficar assim? Parados? Esperando o que os deuses querem a bem entender fazer conosco?

- Por que não? Não foi por causa dos deuses que conseguimos chegar a essa terra maravilhosa? Não foi por causa deles que nos apontaram o caminho da colônia perdida? – Continuou a mulher. – Por que deveríamos pensar que os deuses estariam contra nós?

A moça, que ainda estava chorosa, ira ironicamente como uma desvairada. Sentia um ódio profundo não tão somente pelos pretensiosos deuses, mas, também, por aquela mulher tentar dizer que o destino dos homens das colônias perdidas foi tudo por uma boa causa. Muitos sobreviventes pensavam assim, somente alguns poucos já desacreditavam os deuses e seguiam a religião de um Deus único e bondoso que dá liberdade a aqueles que o adoram a seguir o seu próprio caminho, tal qual parecido com um dos vários cultos religiosos existentes naquele planeta.

- Está louca? Eles nos apontaram isso? Então porque não nos avisaram do grande ataque? Será que estavam ocupados demais operando o cérebro dos descerebrados como você a seguir o caminho? Eles não seriam tão cruéis assim, ou seriam? – Gritava ela.

- Calma criança. Você está desorientada. Sabia que isso poderia ocorrer e vim pessoalmente a te ajudar a passar por essa hora difícil. Os deuses estão complacentes com o seu estado atual. Isto pode ter certeza.

- Eu não quero a complacência deles. Eu antes gostasse de acreditar que eles, os deuses, faziam a vontade deles e estariam a mercê daqueles acima de nós. Eu antes gostasse de saber mais das histórias dos anjos que vieram no Grande Dia e trouxe, com a ajuda dos deuses, os Primeiros das 12 colônias perdidas. Acreditava nessas coisas, agora, depois de tudo que eu passei... não mais.

- Não diga tolices criança. Não negues aqueles que a fizeram. Não negues aqueles que têm um plano traçado a sua vida.

- NEGO... nego a tudo e a todos. Nego e renego o meu passado. Não sou filha dos deuses. Não sou mais filha dos Primeiros das 12 Colônias Perdidas. Sou apenas eu mesmo. Com o meu coração retraído e com novos sonhos. – Enxugou o rosto. – Não vou mais me deixar abater pelos mandos dos deuses, seus deuses, não meus mais. Acredito naquilo que eu sou e virei a ser. Criarei o meu próprio destino. A minha própria crença e, principalmente, naqueles que estão lá em cima defendendo, vigiando realmente, a sobrevivência de nossa raça e não naquilo que deveria, por natureza, acreditar. Algo invisível.

As três pessoas se levantaram das cadeiras.

- Não faça isso. – disse decidida a mulher.

- Não sou mais das 12 Colônias. Eu pertenço a Terra, agora, sou terráquea de nascimento. Tal fato que se dera agora. Vocês eu apenas conheço-os por conhecidos, que se entregaram aos deuses durante o tempo todo e não viram que somente com as mãos daqueles que pilotaram os caças e traçavam planos na Nave para encontrar um caminho para essa aBaStarda terra de novas Glórias e esperanças. Não ficaram rezando esperando pelo melhor.

- Não...

A moça se levantou e colocou-os para fora.

- Diga ao Capitão que estarei a disposição dele para ir lá para cima, assim como para a Presidente. Não vou fazer isso para aqueles que acreditam nos deuses como KrOnos. Se deixando aBater pelo destinO perpetrado peLos deuses. Não mais. Nunca mais. – E fechou a porta diante deles.

E agora? O que ela podia fazer? Tinha todo um planeta a viver e se emocionar novamente. Um lugar onde poderia ser chamado de casa. Para aqueles que aceitarem – e conseguiram um lugar – para viver na Terra teriam uma chance de demonstrar as suas habilidades. Ela como um bom piloto e reconhecida engenheira nos motores de jumpLight fora convidada a demonstrar as suas expertises numa organização do governo do planeta.

Tinha toda uma vida pela frente agora. Abrira a janela para sentir, agora, o ar frio e prazeroso da noite. Quando o fizera tivera um choque no seu rosto, como uma espécie de pancada. De repente tinha alguém gritando do seu lado.

- TAMISSS... TAMISSSS... acorde... estão precisando de pilotos agora.

Quando ela abrira os olhos vira que, ainda, estava no mesmo lugar onde fora dormir ontem. Tudo não havia passado de um sonho. Um vivo, revigorante, maravilhoso sonho. Ainda podia sentir a grama assentir os seus pés a andar sobre elas. Tão real. Uma lagrima começara a correr pelo rosto ao mesmo tempo que vestia o seu macacão e pegada o seu capacete.

Vira para o homem que a acordara e ficara aliviada que ele ainda estava vivo. Mas sentira uma tristeza profunda por coisas que perdera no reino dos sonhos. Quem sabe, um dia, aquilo se tornaria verdade. Quem sabe?

Daniel Chrono
Enviado por Daniel Chrono em 24/05/2011
Código do texto: T2989707
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