Momentos - Parte 1
Escuridão.
Nenhum som.
Nada.
Simplesmente nada havia ali naquele lugar. Não sentia nada, por mais que tentasse, o nada era tudo o que restava ali. Tentava se esforçar em sentir alguma coisa, ouvir alguma coisa, cheirar alguma coisa, mas, mesmo com todo o esforço que percorria em sua mente, nada, realmente nada, ele sentia, cheirava, ou, até mesmo, pensava. Parecia estar preso num limbo, no esquecimento eterno ou algo parecido.
De repente, uma imagem. Algo como um flash de luz invadiu aquele lugar esquecido por tudo e por todos. Nada nítido, ou focal. Apenas um flash, uma imagem distorcida de algo que nunca, ou pelo menos assim pensava, tinha visto antes.
Novamente a escuridão.
Nem mesmo os seus próprios pensamentos ele podia sentir, nem a sua respiração ou o seu corpo. Estaria vivo ou morto? Se estivesse vivo, que lugar era aquele? Se estivesse morto, seria aquilo o limbo que tanto ouvira falar? Enigmas da vida. Algo, no qual, foi grotescamente puxado e, agora, estava sem qualquer resposta a respeito.
Outra imagem, agora bem mais clara e brilhante. Esta ele conseguiu distinguir alguns poucos detalhes. Uma silhueta, possivelmente feminina, somente isso. E, novamente, voltara para a escuridão inicial donde se encontrava naquele momento.
O que estava acontecendo com ele? Por que ele estava ali? O que foi que ele fizera para chegar naquele lugar? Pouca, ou nada, coisa ele se lembrava. Apenas um toque no rosto e uma palavra familiar como um adeus, era o que se lembrava, se é que aquilo era algum tipo de lembrança, se é que ele soubesse o que era uma lembrança.
Uma outra imagem, agora nítida como uma imagem de televisão. Via a rua a frente. Luzes, carros, postes, chuva. Sentia uma certa angústia no coração, tinha algo na mão para entregar a alguém. Papel. Era papel que ele segurava. Observou melhor, não era um papel, uma carta, ou algo parecido. Segurava com força e fazia o máximo possível para que não pegasse chuva.
Passos, pessoas, tudo ao seu redor. Uma explosão de sentidos e sentimentos percorriam o seu corpo. Algo interessante, novo e, ao mesmo tempo, antigo e doloroso. Não sabia o que deveria fazer ali a seguir. A rua movimentada demais, mas tinha pressa, tinha que chegar no local que tinha na sua mente. A única coisa que lhe impulsionava. Aquele sentimento. Era tudo que tinha, depois de tantos anos de sofrimento.
Não podia esperar mais, não mais e correra para atravessar a rua. Não pensava em mais nada. Não pensava nos carros, nas pessoas, na chuva, somente em chegar no lugar. Era tudo aquilo que ele estava ansiando, por aquele único e exclusivo momento. Mas, agora, tudo ficou escuro e, somente, gritos podia ouvir que, aos poucos, foram definhando até que...
A Escuridão tomou conta do seu ser. Tomou conta de tudo ao seu redor até ser reduzido ao que era agora.
E as poucas lembranças que tinha, do seu passado distante, do seu passado recente, do seu futuro esquecido permeavam a sua mente e esvaiam-se por sua alma. E o tempo estava passando. Com tudo que lhe havia acontecido. Era o tempo a única noção que tinha agora.
Tudo, por demais, parecia, naquele momento, insignificante ou sem qualquer importância. Tentava, a todo custo, se agarrar nas lembranças, pouquíssimas, que estavam lhe escapando, mas, toda vez que tentava, somente flashs das mesmas podia ouvir, sentir e cheirar. Todo o resto sumia no tecido da sua alma.
(...)
- Eu tive um sonho estranho... sabia? – Disse ele olhando a paisagem ao fundo. O céu azulado, sem qualquer nuvem. Baixinho podia-se ouvir os carros e as pessoas. – Um sonho que eu nunca tinha tido antes. Intrigante, digo. O mesmo, ainda por cima, o mesmo de sempre, mas, ainda assim, não parece o mesmo.
Não havia resposta do seu comentário. Mais uma vez falava sozinho. Nas sombras de sua própria solidão que, por vezes, sentia e era obrigado a enfrentar. Dia-a-dia, noite-a-noite, horas, minutos, segundos. A solidão e somente ela. Era fato que a sua vida seguia-se dessa maneira e isso há algum tempo. Não que ele não sofresse com isso, mas já estava acostumado com esse sentimento.
- Um sonho... – Suspirou e os seus olhos ardiam, talvez por falta de algum sentimento perdido a muito, ou não, apenas uma mudança fisiológica instintiva do seu corpo. – Somente um sonho e nada mais do que isso. Queria que fosse algo mais, mas, como tudo na vida, nada é como queríamos que fosse. Ordinária vida. Lastimável.
Levantou-se e ficou observando as pessoas e seus carros, e seus filhos, e seus pares e os seus nadas, fluindo nas calçadas da cidade. Vida fluindo como sangue, continuamente e estagnada. A cabeça se apoiava no vidro da janela.
- Queria acreditar em algo mais. Mas como? Ha... – Sorrindo para si próprio. – Se sonhar não fosse nada de mais... se eu pudesse não sonhar. Se eu não precisasse rever tudo o que eu já fiz, como seria bom... e ruim... realmente seria muito ruim... mas a dor, o pesar e todos os sentimentos guardados a fundo, não queria lembrar daquilo que eu nunca cheguei a fazer e dói.
Depois de um tempo olhando a movimentação da rua, o céu começara a ficar um pouco mais fechado. Algumas nuvens pesadas pairavam no firmamento. Parecia que uma forte chuva estava por vir naquele momento.
Esfregou a sua face com as duas mãos. Estava com a barba por fazer de dois dias. Não precisava fazer. Para onde iria arrumado? Teria para que se arrumar para alguma coisa? Para ele não... não havia qualquer necessidade.
Havia, alguma pequena possibilidade, mas, mesmo assim, não queria. Não se importava com muita coisa naquela hora, naquele instante. Momentos eternos, de longuíssima duração que não passam de lembranças remotas de um futuro esquecido.
Se foram conspirados contra ou a favor dele, do destino dele, da sua própria vida, não podia dizer. Momentos de alegria, de tristeza, emoções fortes, momentos sendo apenas momentos e não menos que isso. Tudo, lembranças, memórias e tudo o mais. Um sonho talvez?
Foi ao banheiro e vira as olheiras que arrancavam os suspiros de jovialidade que a sua face ainda tinha. Noites mal dormidas? Talvez. Mas eram as lembranças do passado que mais lhe atormentavam.
- Vivido. – Suspirou. – Quase real. Sentia todos os gostos, cheiros, toques. Tudo. Tudo tão real. Tão ridiculamente real – Continuava olhando para o espelho a sua frente.
- Queria um sonho... – Foi o que ele disse por último.