A Cidade Trasversal - Parte VIII - Caminhada
Ele e D'nira Illix. Os dois caminhavam numa grande avenida da Cidade Transversal. Tanto do seu lado direito como do seu lado esquerdo erguiam-se várias casas com aparência bem mais antiga que a própria cidade.
Illix: "Foi aqui a gênese desta cidade. Esta estrada se estende a quase um infinito da percepção humanóide. Algo bem parecido com a longa estrada que existe no Continuum Q. Cada casa é influenciada por aquele que viveu aqui durante muito tempo." – Explicou ela. "É como todo o resto da cidade. Ela tem manifestação física. Você sente o cheiro, o sabor, as cores, tudo ao seu redor, mas ela também é uma manifestação metafísica da mente de cada um que passa por aqui."
Summers quase se perde na explicação que Illix estava tentando dar-lhe sobre a origem da Cidade Transversal, mesmo que não fosse útil àquela altura da aventura.
Summers: "Eu acho que eu me perdi no que você está tentando explicar." – Disse seriamente.
Illix: "A cidade é como um gigantesco holodeck, com a diferença que a mesma lê a mente das pessoas que aqui passam e cria os objetos de seus desejos."
Veio então a sua mente uma entidade que fez algo parecido com ele e a sua tripulação a um tempo atrás.
Summers: "Solaris..."
Illix: "Em certos aspectos, sim. Solaris e a Cidade Transversal são parecidos. A diferença que Solaris é uma entidade criada pelos Alterrans que ainda não é possível compreendê-la completamente e não sabemos os seus reais objetivos. A Cidade Transversal está aqui para outros propósitos. Talvez parecidos com Solaris, talvez igual a ela, mas que conseguimos entender em parte." E os dois continuaram a seguir pela longa avenida. Um vento suave tocava levemente a face de Summers e agitava os cabelos castanhos claros de Illix que, agora, ela usava soltos e chegavam-lhe um pouco antes da cintura. Ela não vestia um uniforme da Frota Estelar, mas, sim, uma roupa bem civil e isto não era algo que Summers, apesar de tudo, conseguia se acostumar.
Todo o seu tempo naquela cidade haviam lhe oferecido roupas para vestir, mas ele preferira usar o seu uniforme. Teve um bom trabalho em lavar todos os seus uniformes, mesmo porque só trouxera dois deles, mas as pessoas foram bem solicitas e o ajudaram neste pequeno perrengue.
Daniel continuava a observar aquela admirável mulher. As suas pintinhas de Trill continuavam tão lindas desde a última vez que a tinha visto e os seus olhos verdes claros pareciam ter se tornado ainda mais vivos e a sua voz? Doce como o mel, suave como o farfalhar das folhas quando um vento gentil as agitavas e tão maravilhosa quanto a lisura de um rosto feminino. Era ela, em todo o seu ser.
Illix: "Eu sei o que você está pensando Daniel, mas este não é o seu lugar para imaginar tais coisas."
Summers: "Eu..."
Illix: "Nosso tempo passou... assim como muitos outros que se seguiram depois de nós." – E da sua face célere, a sua voz continuava bastante suave. "Mesmo que voltássemos no tempo, nada mudaria. Em muitos dos universos nós acabamos do jeito que acabamos. Mesmo que, desesperadamente, tentamos corrigir os nossos erros... Você está distante, Daniel..."
O Capitão gostaria de tentar falar algo, mas não havia nada a ser dito, pois a verdade transparecia de Illix, do mesmo modo como havia acontecido com Sarah, com Callista – e o nome lhe veio novamente – e com Hope. Estaria, enfim, tão separado da própria humanidade que nada mais sentia, a não ser o negrume em sua alma crescendo sem parar?
Illix: "Houve um tempo que eu acreditei que poderia mudar você, mas, assim como uma força da natureza, que não podemos negociar que não destrua a nossa casa ao passar perto dela, o seu coração jazia num local fora de alcance de muitos de nós. O seu desafio constante é ver por quanto tempo conseguiria ficar neste plano de existência."
Aquilo lhe veio como um soco em sua face. Uma verdade, absoluta e límpida. Algo que não poderia ser refutado, ser contradito ou contrariado. Pelos Profetas, porque negou isto por tanto tempo?
Illix: "Não é sua culpa..." – Falou por fim.
(...)
Enfim chegaram ao Templo do Grão-mestre yanovan Arcópole. Não se pode dizer que ele era o ser mais importante daquela cidade, pois não era, mas muitos assim o consideravam porque era ele que mais compreendia os anseios que permeavam aquela Cidade.
O prédio que estava a frente deles era completamente branco com vários adornos em prata e dourado. Tinha dois andares e uma gigantesca varanda a frente. No primeiro andar uma grande porta entalhada em madeira, couro e aço e com os dizeres: "Os caminhos que se cruzam, uma vez, sempre voltam se cruzar."
Illix foi a frente e abriu a grande porta com um leve empurrão. Não houve qualquer barulho ou menção de algum mecanismo trabalhando, era como se, magicamente, aquele porta estivesse ali. Summers ficara para trás enquanto ela cruzava a grande sala iluminada por uma luz fantasmagórica que emergia pelas paredes do lugar.
Ela fez uma pequena menção para Daniel seguir em frente. Quando ele deu os primeiros passos dentro do prédio, algo diferente aconteceu ali. As luzes, que antes brilhavam num branco límpido, se tornou quase um azul escuro completo e as feições da grande sala pareciam ter mudado completamente.
Daniel acabou por se lembrar que a Cidade, e certamente todos os prédios, eram manifestações metafísicas dos pensamentos das
pessoas. Talvez, ali, a mente dele estivesse trabalhando em seu inconsciente para mudar o que ele estava vendo ao seu redor.
D'nira parara de súbito. Parecia que aquilo não era algo comum de se acontecer e ficou observando o que acontecia ao seu redor. O chão do lugar, antes liso e límpido, se tornou algo próximo a terra batida. As paredes ficaram quase que completamente escuras. Era como se, realmente, a mente de Summers sobrepujasse a presença de outro ali.
Então surgiu um velho, ou, pelo menos, alguém que parecia ser um velho diante de Illix e, assim, parecia haver um conflito entre duas grandes mentes. Uma hora o lugar voltava ao seu estado anterior, em outra, tinha algo próximo a mente de Summers, enfim, tudo se estabilizou entre um branco intenso e o negrume completo.
Illix: "Honorável Arcópole." – Disse ela quando o yanovan apareceu. "Ele chegou."
Arcópole: "Sim... eu senti a presença dele a um bom tempo, mesmo antes de entrar do meu domínio. Ele tem uma forte presença de espírito. Com quase nenhum outro que veio até aqui... sim, sim... de alguns poucos..."
Illix: "Honorável?"
Arcópole: "Quando alguém de forte presença atravessa o espaço individual de um outro, as mudanças do espaço mudam até que ou
uma mente domine o espaço ou as duas se tornem unas... e é este o caso."
Illix: "Então ele tem uma forte presença..."
Arcópole: "Uma das mais fortes... lembro-me bem de alguns outros que visitaram este lugar. Kirk, Sisko, Dylan Hunt, Han Solo, alguns seres Jedi, alguns Kirrakytur e tantas outras espécies com uma presença de espírito forte além da conta. A mim mesmo quando outro havia sido escolhido para guiar os outros por sua longa caminhada." – E sorriu. "Por favor, Sr. Summers, venha até aqui. Vamos conversar um pouco." – Disse ele. "Por aqui." – E tocou no ombro de Illix. "Vá chamar aqueles que nos será necessário para a Longa Jornada."
Illix assentiu com a cabeça e, em seguida, estava saindo do prédio e ao cruzar por Summers, o seu olhar era triste e um pouco perdido. Daniel sentiu que ali parecia ser a última vez que os dois iriam se ver.
Illix: "Adeus, meu amado. Bo' Jornada..."
Daniel se aproximou de Arcópole e fez um breve menear com a cabeça, de forma respeitosa.
Arcópole: "Não precisa fazer isso, Sr. Summers. Não sou tão velho ou tão venerável para que as pessoas tenham de fazer mensuras comedidas diante minha presença." – Falou rindo-se. "Eu só estou aqui porque sou necessário agora, mas quando a Cidade der-se vontade, não estarei mais aqui..." – E sorriu dando um pequeno tapa amigável nas costas de Summers. "A quanto tempo velho amigo. Venha, venha..."
E os dois entraram numa porta que estava a frente deles. Esta parecia ser uma porta comum de uma casa comum de um humano comum numa Terra comum. Não havia nenhum entalhe, nem algo que a tornasse especial. Apenas uma fechadura normal, feita de aço
inox e, se alguém fosse mais atento, leria Made in Brazil, mas tão pouco Summers prestara atenção e, menos ainda, Arcópole fizera menção em falar.
Agora eles estavam numa pequena sala. Em seu teto pedia uma luminária daquelas compradas num brechó de uma esquina qualquer
de um planeta colonizado pelos humanos, ou numa loja de ntiguidades em alguma estação espacial da Frota Estelar. As paredes pintadas por um cinza escuro e adornadas por vários quadros, entre eles com naves das mais diferentes espécies e jeitos e, dentre elas a USS Bishop. Summers notara aquilo e ficou em dúvida real o que era aquele lugar.
Havia uma janela que dava para a fora do prédio e ali havia um jardim com várias espécies de plantas, orquídeas, duas macieiras e um pé de banana, Summers sabia que, ou o velho era louco, ou ele também era um péssimo jardineiro.
Ao se aproximar da janela sentira uma quentura vinda de algum lugar desconhecido. Tão quente quanto os raios de sol de quando se está no nordeste brasileiro, mas que ele não via nenhum raio incidir em sua pele. Aquilo era totalmente estranho a ele.
Arcópole: "Esta é a minha mente trabalhando para que você sinta o calor vindo de algum lugar. Tal qual a chuva que caiu por um bom tempo quando você chegou. A sua mente dominou a vontade das demais e este evento único acabou por acontecer." – e sorriu. "Somente um antepassado seu conseguiu tal feito, Kirk, e o outro foi alguém do meu próprio universo, num tempo futuro além do encontro de vocês dois."
Summers: "Atron?"
Arcópole: "Sim, é ele... este é o nome da criatura. Um ser que pula de corpo em corpo quando se faz necessário, foi uma peça importante para que o equilíbrio do nosso universo fosse recriado. Finalmente o Ser Supremo do Bem descansa em paz, até que a explosão do mal volte a surgir novamente e um novo ciclo recomeça."
Summers: "Aquilo que aconteceu antes, acontecerá de novo e de novo."
Arcópole: "Em outro universo, os cylons sempre repetiam isto, como se os erros dos pais incidissem nos dos filhos. E, por um tempo, eles encontraram paz. Numa terra distante dos seus planetas de origem, mas tudo recomeçou a tempos atrás."
Summers: "Todo começo tem um fim..."
Arcópole: "É aquilo que o seu coração vem repetindo sem parar e, de fato, não deixa de ser uma verdade. Todo o começo tem um fim, mas todo o fim tem um novo começo. Vivemos, sempre, num ciclo único de vida e morte e devemos trabalhar sobre estes nossos erros para que, enfim, consigamos seguir em frente." – E estava trazendo uma bandeja com um bule, duas xícaras e um recipiente quase esférico fechado. "E não dá para discutir filosofia ou saber o futuro de nossas coisas de barriga vazia." –
E colocou a bandeja sobre a mesa, um ficando a frente do outro. "Por favor."
Daniel não estava com tanta fome assim, mas, ainda assim, pegou o bulé e virou-o levemente em direção a xícara. Naquele momento não estava pensando em nada e nada saiu do bule. Ele estranhou que o velho tinha lhe trazido algo seco e oferecido algo para comer.
Arcópole: "Ainda não se serviu? Por favor, então me deixe pegar um pouco para mim. Mas se quiser algumas guloseimas, pegue aí no recipiente."
Agora Summers, intrigado com o que havia lhe acontecido, ficara com uma fome devida. Enquanto levantava a tampa do recipiente, o velho estava se servindo de coca-cola e ele falou: "Vocês humanos inventam cada gostosura. Este é um dos poucos vícios da minha vida, mas o meu médico me falou que isto pode acabar com um dos meus três estômagos."
Então ao levantar a tampa por completo, não havia nada lá.
Summers: "Você só pode estar brincando comigo." – Disse ele um pouco revoltado. "Aqui não tem nada e no bule também não tem nada."
Arcópole: "Não tem nada? Ou você não está imaginando nada?"
Summers: "Como é que é?"
Arcópole: "Não se esqueça que a força de vontade é a lei neste lugar. Se você imaginar existir, irá existir."
Daniel pegou o bule e pensou em suco de laranja natural com equenas pedras de gelo e, realmente, ao virar o bule saiu àquilo
que havia imaginado. Ao bebericar um pouco, o suco tinha o mesmo gosto daquele que a sua mãe preparava.
Então ao abrir o recipiente pensara nos biscoitos que sua irmã fazia. Eram biscoitos de caramelo com pingos de chocolate, uma iguaria que nunca havia comido da mesma forma em nenhum outro lugar do universo. E era uma pena que sua irmã não os mais fazia, desde a morte de sua mãe, como ele daria de tudo para comer aquilo novamente e, assim, o pode.
Arcópole: "A mente é o poder neste lugar... para onde quisermos ir, estará lá, o que queremos, também, até que encontremos o nosso caminho novamente e precisemos sair daqui. Foi desta forma que os Antigos tentaram encontrar o seu próprio caminho."
E Summers com a boca cheia enquanto se deliciava com todos aqueles biscoitos, já estava em seu cinco e havia outros dois em
sua mão: "E u Fe afonfefeu fom ES..." – levantou a mão por um tempo, engoliu o que tinha na boca, com a ajuda do suco de laranja e perguntou. "Desculpe. E o que aconteceu com eles?"
Arcópole: "Falharam miseravelmente. Eles tentaram chegar ao mesmo lugar que muitos Alterrans conseguiram, mas foi tudo em vão. As únicas coisas que aqueles que tentaram alcançar o Reino dos Corações, como eles nomearam aquilo, conseguiram obter, foi a dor da separação. Corpos sem corações, corações sem almas e seres destituídos por completo, a não ser o puro negrume ao seu redor. E assim foram criados os Unverse, os Nobodies e os heartless, cada qual ligado a um destino, cada qual com um poder incomensurável dado pelo Reino dos Corações. Um local da luz eterna onde a sombra do mal se torna gigantesca..."
Summers: "Quanto mais perto da luz, maior é a sua sombra..."
Arcópole: "Exatamente... e, assim, foi criado os unverse. Seres completamente desprovidos do senso do bem, onde as suas almas
são completamente corrompidas pelo caos, a desordem e o mal, o completo oposto da bondade. Estes seres vieram a surgir quando
o dono da existência perdia completamente as suas esperanças e criava um ser completamente oposto daquilo que era. Na sua separação, se é que se pode separar dois lados de uma mesma moeda, cria-se um ser de extrema bondade, ou um verse. Aqueles
uns que se tornavam dois, dependendo da sua força de vontade extrema, deixavam de existir quando o conflito era grande demais."
Arcópole sorveu um pouco da coca-cola e sorriu. Tampou o recipiente e levantou-o e ali tinha outra gostosura da Terra.
Arcópole: "Coxinha, é por isso que, por um tempo, vocês sofreram de obesidade mórbida. Com isto ao alcance de todos, porque comer comida saudável?" E mordeu um pedaço da coxinha de frango catupiry. "Onde eu estava? Ah sim... iria falar sobre os Nobodies e os heartless. Num caso de onde alguém morre de tal forma horrenda ou diferente de quaisquer circunstâncias normais, algo ou alguém dá uma segunda chance ao morto. Alguns vêm para cá, para a Cidade Transversal, cumprir uma espécie de dever que foi deixado pendente. Alguns outros podem até mesmo voltar para o plano físico, mas completamente diferentes e separados. De um lado, seres sem o coração – de forma figurada – com uma alma completa e com várias lembranças do que ele foi, mas não por completo. Estando naquele plano até que consiga completar o seu objetivo e achar o seu coração. De um outro, se o coração da pessoa é obstinado o bastante, não há a existência de um Nobody, mas se o seu coração é coberto por um negrume, criasse um heartless. Um coração envolto do mais puro mal."
Summers ouvia atentamente tudo que Arcópole falava e tentava compreender, mesmo que se perdesse em algumas partes, pois aquilo era demais para ele.
Arcópole: "Apenas com a união entre um unverse, um nobody e um heartless, é que temos aquele alguém completo novamente. Sem uma alma, sem uma mente e sem um coração, este ser estará separado para sempre."
Summers: "E é isto que está acontecendo comigo?"
Arcópole: "De certa forma sim. No final de sua Longa Jornada aqui, você verá algo que não gostará de ver e a semente será plantada, dependendo de suas ações, o que virá a seguir, dependerá daqueles que você se apóia. Se eles o querem de volta, o ajudaram, se não, você se tornará um terror pior de tudo que vocês já enfrentaram."
Summers: "Sou o meu próprio inimigo interior."
Arcópole: "E nada pode ser feito. Alguns outros, como você, viram o mesmo fim, mas conseguiram, de uma forma ou de outra, atenuar o que lhes esperava e, assim, eu espero que você consiga ter um final que tanto almeja. Os Antigos se aniquilaram no processo, mas é assim mesmo. Um processo normal para o próximo passo. Ninguém pode ascender para um novo plano sem antes passar por testes."
Summers: "Ascender?"
Arcópole: "Uma forma de evolução, natural a quase todas as espécies. Alguns sujeitos, antes, passam por provações criadas pelo universo para se julgar se esta ou aquela espécie é digna de ascender. E, até então, os humanos se vem se mostrando os mais promissores, tal qual os antigos e, antes deles, os Alterrans neste universo. E, agora, nesta sua longa Jornada, dois já foram escolhidos para lhe ajudar no que vira a seguir. Você deverá enfrentar a sua encruzilhada. Agora..." – E se levantou.
"Tome o tempo necessário e depois vá, seguindo a segunda estrela a esquerda em direção ao infinito, onde os sonhos brotam no limiar." – E apertou-lhe a mão. "Boa sorte, meu amigo."
(Continua...)