Projeto Cidade Tranversal: Neve Sobre Cedros

Muitas vezes, em muito tempo de vida, acontecem coisas que jamais conseguimos nos lembrar e quando assim fazemos elas se tornam um tanto quanto diferentes daquilo que realmente aconteceu e ficamos a perguntar, de tempos em tempos, se tais fatos realmente aconteceram. Sim, não, talvez.

É como tudo na vida. Coisas passam e as pessoas ficam. Pensamentos vem e vão e nada mais se completa. Houve, uma certa vez, que evento assim aconteceu na Cidade Transversal. Este evento foi conhecido como a Primeira Nevasca, até onde poucos se lembravam, sempre chovera na Cidade, mas um dia sequer nevara e isso foi bem antes dos eventos do Corredor.

Segundo relatos, era um momento de festa na Cidade, onde mais um local havia sido descoberto aos arredores dela, uma gigantesca floresta, natural, cheia de árvores, pássaros e bichos das mais diversas cores e trejeitos. Um local que não fora tocado por nenhum ser ciente de si e completamente natural.

Foram então os primeiros exploradores e ficaram bestificados com o lugar. Tudo lhes envolvia e lhes dava boas-vindas. Aqui e ali aparecia um coelho, uma ovelha, leões, micos-leões-dourados, jaguares, shenzos, marlins e tantos outros bichos que existiam nos muitos mundos dos seres que viviam ou passavam pela Cidade Transversal.

O ar por toda a floresta tinha um cheiro agridoce que parecia ser misturado com os mais diversos sabores. Eram azaléias, margaridas, um cheiro suave de pinho com cedro, que ainda vinha, juntamente, com leves toques de maracujá e morango, e isto tudo dependendo do lugar onde você estava e o quão sensível era o seu nariz. Muitos que se aventuraram ali nunca haviam se sentido tão relaxados, tão extasiados, tão livres de si.

E foi lá que aconteceu a primeira neve, como aconteceu, o relato, do pouco que eu soube, se passou assim:

Numa parte da floresta havia vários cedros. Tão altos quanto os prédios médios da Cidade Transversal, mas tão juntos que pouco se podia ver o céu que dominava todo o domínio da mesma, mas, nem por isso a luz não chegava a vastidão daquele lugar.

Era de uma calma suave o ar que ali ficava. Não havia animais, ou, pelo menos, não havia aqueles que ficavam cantando, gritando, se mostrando que estavam por ali. E era aquele lugar que fora escolhido por dois jovens para se esconderem da movimentada cidade, de seus pais, de suas vidas.

Não sabiam por quanto tempo iriam ficar por lá, ou por quantos segundos mais o sonho iria perdurar, mas, para eles, tudo o que importava era estar por lá, pois, ali, era o momento único deles, onde, talvez, as suas lembranças continuariam eternas por entre aqueles cedros.

Estavam de mãos dadas enquanto caminhavam pelo lugar. Uma fina chuva lhes caia por todo o corpo, eles mal sentiam a mesma porque ela os tocava de uma maneira tão delicada que pouco lhes incomodava. Um sentimento único lhes enlaçava de tal forma que mais nada importava a eles, ou, pelo menos, assim pensavam para si mesmo.

Foi então que lhes veio um baque. Sim aquele baque quando sabemos que o nosso tempo está se esvaindo mais depressa do que gostaríamos e que nem todo o tempo do mundo seria o suficiente para apaziguar as nossas angústias das decisões que viriam a seguir. A explicação para isso nunca foi dado e ninguém, por mais que tentasse, conseguiu explicar com exatas palavras o sentimento que lhes tomou. Um leve desesperado que lhes puxava de volta a realidade.

Veio um breve sorriso da moça, tinha a tez morena clara, os seus cabelos negros que nem graúna e lábios que mostrava ao mundo a sua mocidade. O jovem tinha a pele quase da mesma cor e cabelos castanhos claros. Pertenciam ainda a mundos diferentes, a universos diferentes, mas os corações dos dois batiam em uníssono.

Um breve beijo aconteceu entre os dois e, ali, naquele momento, todo o tempo começou a ficar tão infinito quanto quando esperamos um presente que tanto ansiamos e esperamos até conseguimos. Lágrimas assomaram dos olhos dos dois e uma tristeza sem igual lhes abateu. Dali veio o primeiro floco de neve que caiu na testa da moça.

- Não é frio… – Disse ela quando retirou o floco de sua testa. – Nem um pouco frio.

E veio um e outro floco, mais outro, e mais outro e, em pouco tempo todos os cedros estavam cobertos por neve.

Os dois se entreolharam enquanto uma neve lhes caia ao redor, mas, diferente de tudo, não era uma neve fria, calculista e lógica. E sim uma neve cheia de amor, cálida e que lhes trazia paz.

Foi assim o primeiro cair de neve na Cidade Transversal.

Daniel Chrono
Enviado por Daniel Chrono em 03/08/2010
Código do texto: T2415960
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