A Verdade

- A verdade é que, realmente, as coisas são o que são, porque, simplesmente, são assim. Não consigo pensar de uma forma diferente daquilo que eu penso sobre como são essas coisas, da vida, da natureza, da especificidade do homem, como humano, como animal, como ser ciente de sua própria existência, e, mais, consciente do mal que pode afligir a um outro ser humano na condição dos sentimentos não propagados. – Disse um homem que estava sentado numa esquina qualquer, de uma cidade qualquer, praguejando sobre a vida que havia passado a muito. Alguns poderiam até dizer que estava delirando, mas, antigamente, também não deliravam os poetas? Não deliravam os filósofos? E o mundo é o que é hoje por causa desses delírios?

- Confusão, é uma das coisas, e talvez a pior, que um homem pode causar a outro, melhor dizendo, numa relação de coexistência entre homem e mulher, ou em outra maré de conotação sexual qualquer, de uma forma maior ou menor sempre existirá tal sentimento ambíguo e doentio. Muitas vezes isto vem seguido de vários outros sintomas que, por demais, não falarei agora. – Continuou enquanto observava a multidão passar a sua frente. Alguns ouviam o que dizia, outros apenas ignoravam-no, seria ele falando uma verdade universal, ou apenas uma loucura sem sentido de um maluco desvairado, quem poderia realmente dizer?

- Se, ao menor, pudéssemos ser seletivos com nossas memórias e apagar, por vezes, as velhas e más lembranças. Mas não, a vida nos concedeu o livre arbítrio e, também, a maldição de sempre lembrar do ruim eternamente, mas pouco se lembrar dos momentos importantes e belos da vida, tornando esta um pouco mais amargurada do que muitos proféticos homens, em tempos antigos, persistiam em ensinar. Somos tristes por natureza própria, mas emulamos perfeitamente a nossa alegria e nos reconfortamos com as pequenas mentiras que a vida nos dá. – Respirara profundamente e, agora, olhava para o céu com as poucas nuvens de algodão que perpassavam os vários prédios daquela gigantesca cidade. Tantas pessoas, mas não pouco sentimento, pensava.

- Mas nem isso. Somos obrigados a conviver com o bom e o ruim. Com o doce e o salgado. Com o bem e o mal. Com a tristeza e a alegria. O amor, ódio, amargura, felicidade, reencontros. – Parou por alguns segundos. – Reencontros, uma das poucas palavras que me trazem um sentimento lívido no meu coração. Sempre amei reencontros e, mais ainda, as recompensas que vêem deles, se você cultivar direito, senão, como tudo na vida, definha e morre e fica por isso mesmo.

Ele se levantou e foi em direção a um parque ali próximo. Era um fim de tarde e os raios de sol espelhavam-se os vitrais dos gigantescos arranha-céus daquela cidade, mãe de milhões de filhos solitários que anseiam por respostas que sabem que nunca encontraram. Chegando ao parque, senta-se novamente e vê uma família, mãe, pai, duas filhas e mais uma outra e uma outra até uma outra pessoa solitária, tal qual sempre foi em toda a sua vida.

- Tudo na vida é importante ser cultivada, acima de tudo a amizade para com as outras pessoas, pois existem o amor totalmente passional entre uma pessoa e outra é um amor humano, que nutre a união de uma pessoa a outra sem pedir nada em troca, é nisto donde nasce a amizade e a nova amizade em reencontros. Às vezes, que não foram poucas, sempre confundi este sentimento e, por causa disso, voltava ao meu estado original lastimável. A ânsia de achar uma alma gêmea acabava, de vez, com a minha própria alma e, assim, acabando de pouco a pouco a chance de encontrar alguém a amar. – Disse olhando para as próprias mãos que, agora, estavam calejadas devido ao tempo. Velho, idoso? Nada disso, a vida que lhe trouxeram as mãos calejadas. Era relativamente novo em corpo, mas ancião em espírito.

- Nunca, na minha vida, apesar de toda a confusão que me causava, deixei de amar as pessoas ao meu redor, seja por uma paixão incessante – e inextinguível -, por um amor de irmão ou amor inexplicável e indistinguível, nunca, na minha vida, deixei de amar a tudo e a todos, em vários níveis que fossem, por isso esta minha solidão, pois alguns não conseguiam entender como eu amo a uma pessoa – seja homem ou mulher – e, portanto, não sabiam que eu compartilhava, nem por mais nem por menos, o mesmo nível de amor a todos, contudo, numa exceção do acaso, amei, e ainda amo, duas pessoas que ainda estão totalmente presentes em meu coração e para todo o sempre até eu ir ao meu tumulo e, depois, ao descanso eterno. – Riu-se de si próprio. Observou que uma multidão pequena estava sentada no gramado ouvindo atentamente o que ele dizia. Alguns emocionados, outros apenas acompanhando a multidão. Ele, então, abriu um sorriso breve e, em seguida, esfregou as suas mãos, pois, por alguns segundos, ainda podia sentir a pele daquelas duas pessoas que ainda amava do fundo do coração, apesar de dizerem que o coração e o amor só poderia ser direcionado para uma única pessoa e somente a ela, ele não pensava desta forma.

- É interessante ver como somos. Sempre lutamos pela nossa independência. Para morarmos longe de nossos pais e tudo o mais, mas o que realmente procuramos é um amor, uma interdependência entre ambas as partes, não para substituir o amor filial, paternal ou maternal – que nunca deixou de existir -, mas para suplementar aquilo que sempre nós temos, um verdadeiro vazio constante e incomensurável. Não procuramos dinheiro para nos sustentar, nem coisas caras para nos mostrar aos outros, nada destes sustentos materiais. O que ansiamos é algo totalmente metafísico. E, até o momento, nunca encontrei algo do tipo, ou, pelo menos, não me deixei encontrar. – Olhou para a direção leste e ali existia uma pequena lagoa e, agora, podia-se ver os raios avermelhados do sol serem refletidos na superfície da lagoa dando ao lugar uma beleza impar e belíssima por assim dizer.

- Sou um natimorto nestas questões. Sofri muito com tudo e todas as formas de sentimentos que algum ser humano pudesse sofrer. Não que eu esteja reclamando disto ou daquilo, simplesmente não o estou. Cada momento, sacrificante ou não, foram válidos e, apesar de tudo, sinto realmente grato por cada um deles. Talvez, portanto, nunca precisei preencher o meu vazio porque eu sempre o enchi com as amizades ou, simplesmente, não. Possivelmente, provavelmente. Estaria, agora, enganando a mim mesmo sobre o que penso sobre isto tudo. – Passou as mãos no rosto, estava com barba por fazer e sua face estava um pouco seca. De vez por vez ainda sentia o perfume daquelas pessoas que tanto amou, mas nunca teve coragem, em qualquer momento sequer, em falar, pois temia se sentir pior depois.

- Tantas coisas na vida, mas só queremos uma. Não mais do que somente uma e somente uma nós queremos exclusivamente para nós, sem mais, nem menos. Uma ânsia para acobertar vazio, de ser tragado para fora dele, de alguma forma. Deixar, de certa forma, as máscaras de lado – sendo você mesmo -, demonstrar tudo aquilo que está sendo guardado dentro de si. Viver a vida como ela pede para ser vivida. Não ter medo de ser e de ter e de saber que somos o que somos porque, simplesmente, criamos o nosso destino e guiamos a nossa vida para um inexorável fim, mas nunca sabemos o que existe neste fim e no meio que chega a ele. Assim temos pesadelos, que podem ser ruins, sobre um fim vazio e sem propósito. Solitário e inenarrável. Pode ser isso ou não. Depende apenas do que fazemos. – Parou por alguns segundos – Só depende do que fazemos para com a nossa vida e somente ela. As nossas decisões é que criam as oportunidades para um futuro glorioso, ou não. Depende somente de nós.

As luzes do parque começavam a se acender. O sol estava se pondo por completo. O homem se levantou e foi em direção a lagoa. Lá chegando, tirou os sapatos, jogou-os de lado e ficou a beira da lagoa deixando com que a água lhe tocasse os pés gentilmente. Já eram algumas dezenas de pessoas que ali o observavam, muitas agora prestando atenção no que ele dizia.

- A vida é, como dizem, uma verdadeira caixa de surpresa. Por mais que pensemos e falemos a nós mesmos que nunca iremos nos apaixonar, cair de amores e coisas do tipo para amigos e conhecidos, acabamos, por vezes, a cair nesta armadilha e, pior, se tornar um prisioneiro eterno dela. Muitos têm a sorte grande, outros nem tanto e outros menos ainda. Mas uma coisa que eu aprendi é sempre fazer dos seus erros os maiores acertos, mesmo que isto cause dores piores, pois é a vida e somente assim aprendemos. – Sacou uma carteira surrada, tirou, então, duas fotos antigas 3x4 – que não eram mais usadas naquela época um pouco distante – e vira mais uma vez das faces que nunca mais vira, das duas pessoas que sempre amou de coração e nunca esqueceu, por um segundo, delas. Agora as fotos estavam quase que totalmente borradas e somente uma silhueta fraca de cabelos negros, em ambas as fotos, podia ser vista, os seus olhos e rostos foram esquecidos tanto naquele pedaço de material industrial como pelo dono das mesmas. Não queria esquecer, mas era quase impossível de se lembrar. Apenas os cheiros e os jeitos delas ainda podiam ser lembrados, mas muito pouco.

- São tantas coisas na vida. Tantas lamentações. – Olhou para o rosto dos seus “convidados” que ouviam atentamente a sua “palestra”, um casal de idosos, várias pessoas de diversas idades, jeitos e raças e, o mais interessante, até mesmo alguns de outras nacionalidades que usavam um tradutor eletrônico para ouvir o que ele dizia. – Tantas recordações. Tanto a se esquecer e tanto a se lembrar. Não queria me esquecer, mas é preciso. Pois o Tempo, a Vida, o Amor e a Memória são os verdadeiros senhores da guerra neste lugar que é a Alma da humanidade. Não devemos nos entristecer, mas seguir em frente. – Se aproximou ainda mais da lagoa. – E assim irei caminhar para sempre... pensando no futuro com um passado escrito e ditado que me guia nas minhas ações. – E mergulhou na lagoa.

Uma moça se aproximou da lagoa, assim como muitos outros que ali estavam presentes – alguns até mesmo de outras raças – e ficaram atônitos com tudo aquilo. Quando iam-se, a moça, de cabelos negros e longos, pegou as duas 3x4 e vira a data que ali estava escrita atrás das fotos. 20XX. A muitos anos atrás, perfazendo mais de 90 anos da data atual.

Daniel Chrono
Enviado por Daniel Chrono em 31/07/2010
Código do texto: T2410744
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