O Coronel e o Médico

Na mesa asséptica uma montanha de papéis, fotos e fitas. O coronel puxou um lenço do bolso da farda e limpou o suor que saía em profusão de sua testa, olhou para o interrogado, acuado na cadeira de metal, olhando assustado para os lados como se alguém o perseguisse.

— Pelo que vejo aqui... — começou o coronel, porém foi logo interrompido pelo rapaz.

— Eu sei o que vi! — gritou o garoto.

Isaac Balthar retirou os óculos e os pousou em cima da mesa enquanto apertava os dedos contra o nariz. O peso de sua farda lhe incomodava, o ar-condicionado também. Na frente dele Leonardo Alves estava com os olhos estatelados, sua respiração ofegante e suas mãos trêmulas denunciavam os problemas recentes.

Enquanto voltava para sua casa em uma rodovia escura, uma luz bruxuleava insistente pelo caminho. O rapaz a observou com normalidade e continuou seu caminho, porém de súbito a enorme luz aterrizou na estrada em frente. Tamanho foi o susto, que Leonardo guinou o volante drasticamente e acabou capotando o carro.

Com a vida lhe escapando, o rapaz reuniu suas forças e conseguiu abrir a porta do carro, caiu dolorosamente na estrada e demorou a abrir os olhos, quando o fez viu que a luz que o seguia ainda estava lá, porém agora descia em direção ao asfalto.

Era uma luz de tom alaranjados e conforme se aproximava do chão, ganhava tons vermelhos, quando enfim o objeto pousou uma fina nuvem de poeira levantou-se do chão e a luz diminui um pouco. Apesar de ainda arder os olhos de Leonardo, ele continuou acompanhando deslumbrado o desenrolar dos acontecimentos.

Agora era possível discernir melhor o objeto. Tinha uma forma ovalada e chata, ventosas saíam por baixo e tocavam o chão. Parecia ser uma nave... Um extraterrestre...

Leonardo acordou do transe com o tamborilar dos dedos de Isaac na mesa enquanto lia o depoimento. O relato terminava no momento que uma porta se abria e então o garoto desmaiava, quando terminou de ler, o coronel observou bem o rapaz e conferiu que este tinha um corte na testa, provavelmente fruto do capotamento.

— Olhe garoto — disse Isaac arrumando um calhamaço de folhas —, creio que perdeu a consciência na batida e teve alguns delírios. O médico irá examiná-lo.

— Eu sei o quê vi! — repetiu Leonardo — Tenho certeza que era um O... Ov...

— Ovni?

— Isso! Era brilhante e veio do céu! Igual aos dos filmes

— Garoto, você bateu a cabeça muito forte. Deixe o doutor te examinar mais tarde podemos conversar.

Com um aceno com a cabeça, o coronel instruiu um soldado para acompanhar Leonardo até a enfermaria. Isaac continuou na sala meneando a cabeça negativamente enquanto tentava arrumar sua mesa. Poucos minutos depois uma batida suave na porta e ele pede para entrar. Um senhor de cabelos grisalhos e pele negr e a e um jaleco branco entra no aposento.

— Boa noite Dr. Douglas — cumprimenta Isaac com polidez —, a que devo a honra.

— Sobre o garoto — começa o médico com sua característica voz grave — ele está melhor agora.

— モtimo. Bom trabalho.

O coronel continua mexendo em sua papelada como se não notasse a presença de Douglas parado ainda no batente da porta. Um silêncio constrangedor toma conta da sala e enfim Isaac volta os olhos para o médico.

— Você sabe que não conseguiremos calar a todos — afirma Douglas.

— Sei perfeitamente.

— Eles saberão.

— Mas não por nós. Enquanto o Conselho tiver o poder de decisão sobre esta informação, nós ficaremos em silêncio.

Douglas fechou os olhos e demorou a abri-los novamente. Deu um longo suspiro e voltou a observar o coronel com seus papéis. Desde que saíra do seu planeta natal, Douglas, mais conhecido por Xu'th'yack, não entendia o porque de tanto segredo quanto a existência de seres inteligentes fora do sistema solar. Para ele, essa era uma atitude ridícula mantida por seres mesquinhos. Diferentes dos habitantes de Phylyx, alienígenas amantes da caridade e filosofia.

Como ele odiava o coronel.

Isaac na verdade se chama Muythlucarhetu-li, vem de um planeta altamente bélico e poderoso conhecido por Khalter, com mania de subjugar seres considerados inferiores por eles. Já haviam diversos planetas escravizados por eles e o número aumentaria em breve com a conquista da tão sonhada Terra.

A raça de Isaac conquistou os melhores e maiores cargos. Em suas fileiras haviam chefes de estados, personalidades da música, atores... Todos bem posicionados para a escravização da humanidade.

— Vou falar com ele — decretou o médico.

Sequer Douglas se virou e deu de cara com Isaac obstruindo a saída com seu corpo.

— Falar exatamente o quê doutor?

— Darei alta. Nada mais.

O coronel saiu da frente deixando o médico passar. Este seguiu o corredor de cabeça baixa, um bom observador poderia notar uma lágrima caindo dos olhos de Douglas.

Semanas se passaram e Isaac continuava enfurnado naquele escritório, uma batida na porta e ele manda entrar. Um jovem soldado de hierarquia baixa entra pela sala e bate continência. Em suas mãos uma carta com um carimbo escrito “confidencial”.

Douglas sabe que não deve descansar, mas seu corpo alienígena pede repouso. Há uma semana meia atrás ele tomou uma decisão difícil que lhe pareceu sábia, e agora corria riscos imensos.

Três dias correndo pela mata. Apenas à noite, que dificulta a visão dos khaulterianos, lhe dá abrigo e um pouco de sono, porém sempre entrecortado pelo menor barulho. Seus pés sangram e sua cabeça parece querer explodir por tamanha pressão exercida. Escondido atrás de uma pedra, o médico reza para que seus deuses lhe ajudem a sobreviver.

Não muito longe dali, Isaac parece atento no meio mata. Seu fuzil engatilhado mira para todos os lados a procura do delator. Como poderia alguém quebrar tão facilmente anos de silêncio necessários? Ter contado para o rapaz sobre a existência de seres inteligentes além de seu sistema solar, desencadeou uma avalanche de notícias e reportagens que demorarão para serem apagadas da memória da população.

Douglas entregara um rolo de filme com uma reunião extraterrestre. Nela Isaac discutia com seus semelhantes formas de desmentir boatos acerca de UFOs, uma verdadeira “boca na botija”. O pior era pensar que o coronel era o único a ser responsabilizado por esse vazamento de informação. Logo deveria caça-lo sozinho ou seria desonrado por sua raça.

Um farfalhar em uma das árvores chama a atenção do coronel que engatilha sua arma e aponta para a origem do som. Suas mãos tremiam com o pensamento de não conseguir abater sua presa. Um vulto passou entre os galhos e a arma foi apontada instintivamente para o meio dele.

Um tiro.

A bala passou rápido entre as folhas e acertou em cheio o traidor que caiu direto no chão fazendo um baque seco. Um sorriso tomou conta do coronel que pulou feito criança, jogou sua arma no chão, e seguiu comemorando até o corpo caído. Sacou uma faca de caça para poder arrancar seu tão esperado troféu, afastou um arbusto e encontrou... uma onça.

Um misto de ódio e surpresa tomou conta de Isaac que não percebeu que Douglas se esgueirava pela sua retaguarda e acabou acertando na nuca. O coronel caiu desmaiado ao lado da onça como uma criança que abraça sua pelúcia favorita. O médico soltou o galho que usara como arma e amarrou com cipós seu caçador. Esperou por muito tempo até que ele voltasse a consciência, uma fraqueza khaulteriana, e quando este o fez olhou com raiva para Douglas.

— Liberte-me! — vociferou o militar tentando se livrar das amarras.

— Não.

— Então me dê uma morte digna. Enterre uma faca em meu peito e arranque meus corações.

— Também não. Só estou aqui esperando minha nave levar-me de volta para casa – respondeu Douglas com olhar de pena.

— Você sabe o tamanho da guerra que desencadeará? Seu planeta será destruído e os sobreviventes serão escravizados!

— Quem irá contar? Você?

Por um momento Isaac parou. Não podia voltar para seu planeta com uma derrota. Uma luz brilhante surgiu nos céus e soltou um feixe sobre a mata, Douglas foi puxado para o interior da nave e em poucos segundos a floresta mergulhou de novo no mais absoluto silêncio. O coronel ainda pensava nas últimas palavras do phylyxano quando viu que este deixou uma faca à vista para ele se desamarrar.

Meses depois ninguém se lembrava dos extraterrestres, não que haviam esquecido, mas outros assuntos tomaram conta dos noticiários que acabaram ofuscando o garoto que distribuíra uma fita contendo uma suposta reunião de seres alienígenas. Suposta pois foi totalmente desmentidas por peritos das mais diversas áreas do conhecimento.

Em sua mesa, Isaac revisa os últimos documentos anexados ao relatório conhecido por Caso Leandro Alves. Encerrou o envelope com uma fita inviolável, carimbou e depois assinou em cima. Tudo havia se encerrado.

O coronel se levanta e observa as estrelas reluzentes pela janela. Até quando eles conseguiriam esconder a verdade?

* Em memória de meu pai Carlos Alberto F. Da Silva, que me deixou de heranças tanto material sofre UFOs que às vezes me sinto na área 51.