O Marechal e o Zepelim
O Marechal e o Zepelim
por Pedro Moreno
Em seu zepelim movido com duas turbinas reaproveitadas de um antigo avião está Marechal Donato. Piloto do extinto Canadá e duas vezes condecorado por bravura na 4ª Grande Guerra Mundial, vaga pelo deserto inóspito do que um dia foi território dos EUA e hoje é uma grande coletânea de esqueletos de prédios e buracos feitos pelas inúmeras bombas atômicas que choveram naquela região.
Donato procura seus óculos de proteção contra os incansáveis raios solares que agora não encontram mais uma camada de ozônio oferecendo proteção para os sobreviventes do planeta Terra. Ele veste os óculos e com um binóculo começa a conferir se encontra algo útil no deserto que outrora fora uma nação.
Então vê o que parece ser uma caravana. Muito comum no pós guerra, essas comitivas puxadas por carros velhos levam mercadores para as poucas cidades sobreviventes a procura de comercializar seus bens por comida, gasolina e água. Donato resolve descer para ver o quê tais comerciantes podem ter de útil.
Jogada uma pesada âncora, esta logo se enrosca nos escombros de algo que já foi uma casa fazendo o zepelim parar bruscamente. O Marechal joga a escada feita de cordas e antes de descer confere se sua espingarda ainda está com munição, afinal, nestas épocas a barbárie tomou conta do coração dos homens e todo cuidado é pouco.
Logo que alcança o chão, o homem percebe que há algo de errado na caravana. O pneu do carro que deveria puxar os vagões está murcho e pelo acúmulo de areia é bem provável que faz muito tempo que a comitiva não anda. Composta apenas por três vagões e um carro, não há sinal de pessoas por perto. Ao se aproximar Donato percebe que há um cachorro que foge da luz solar embaixo de um dos vagões. Adotando uma postura de amizade, logo o cão começa a abanar o rabo para o Marechal e assim consegue amolecer o coração já idoso.
O que Donato não percebera era uma aproximação furtiva de um homem curvado, escondido atrás de uma rocha que observara a chegada do estranho e tomara um lugar que lhe deixasse furtivo e ao mesmo tempo em vantagem para aplicar uma armadilha no aviador. Com apenas um puxão de uma corrente, um dos vagões desabou sobre o velho Marechal o prendendo como um animal em uma jaula.
O que outrora era um inofensivo vagão se transformara em uma prisão. Com o toldo descoberto, o Marechal pode ver um conjunto de engrenagens que ao se movimentarem cravaram garras no chão tornando a cárcere fixo junto a areia. Havia uma porta, porém com um grande cadeado, tornando uma possível fuga impossível, ainda mais que no susto sua espingarda caíra no chão e agora o homem encontrava-se desarmado.
Sem reação Donato se conformou com sua prisão, enquanto o pequeno homem gargalhava por ter pego sua presa. O raptor vestia uma longa túnica marrom com capuz que lhe cobria o rosto. Andava curvado e só era possível ver seus dentes amarelos e tortos quando sorria. Sempre mal tratava seu cachorro, que apesar de tudo permanecia fiel ao seu dono. Quando anoiteceu, o homem deu um largo sorriso em direção ao zepelim, pegou um saco grande e rumou para o local ancorado.
O cachorro ainda tentou seguir o homem, balançando o rabo como quem procura amizade, porém levou um chute e saiu ganindo de dor de volta ao acampamento. O Marechal se compadecera do cão e assobiou para que chegasse perto. O cachorro veio de mansinho e logo se aninhou perto da grade, recebeu carinho de Donato e lhe lambeu a mão em agradecimento. O Marechal tirou do bolso de dentro da jaqueta um pedaço de pão, o dividiu e deu ao cachorro.
O animal comeu tudo com grande satisfação, parecia até que não comia há pelo menos uma semana e sua magreza podia confirmar tal teoria. Sem pensar duas vezes Donato entregou o pedaço que lhe pertencia ao cão que abanara o rabo em grande felicidade.
Ao terminar o alimento o cachorro se levantou e entrou em uma das cabanas. De dentro dela ele saiu com um molho de chaves na boca. Donato mal podia acreditar no que o pobre animal estava fazendo. O cão deixou as chaves perto da grade, logo o Marechal conseguiu sua escapatória e rumou junto ao Zepelim.
O ladrão estava curvado sobre o saco cheio de quinquilharias e nem viu a coronhada que levou na nuca o desacordando. Donato pegou suas coisas e levou até o Zepelim, desceu de novo para destravar a âncora e poder zarpar. O cachorro olhou para o Marechal com os olhos doces que apenas os cachorros podem fazer.
Dois dias depois Donato procura por seus óculos em seus bolsos e não encontra, olha para o lado e está o cachorro com eles na boca como se os entregasse. O Marechal agradeceu com um afago na cabeça e pôs-se a observar o grande deserto que um dia fora um país à procura de alguma nova aventura.
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