Clara e o anjo
Ah!...Se bem me lembro,muitos outonos,para ser bem preciso,oitenta e quatro outonos arrancaram as verdes folhas de juventude daquela solitária anciã.
O seu mundo reduzia-se a um pequeno quartodos fundos,o copo com água sôbre a mesa,a imagem da virgem na cabeceira da cama e seu chinelo de pano desfiado pelo tempo.As horas se arrastavam preguiçosamente...A sensação era de que o tempo esquecera aquela silenciosa criatura.
Lá fora,o dia se apressava num" lufa lufa" de carros ziguezagueando,crianças jogando bola,pessoas caminhando rapidamente...Clara relê seu trecho predileto na hora do angelus.
Sôbre o colo,o album amarelado de fotografias...
Sùbitamente,seu aposento é permeado por uma claridade azulada...
É o anjo Osvaldo que,mais uma vez,chegou para fazer-lhe companhia
na viagem pelos idos e saudosos tempos...
As brancas e delicadas mãos da figura celestial viram a capa,as folhas do objeto amado.
Clara rejuvenesce,adquirindo vitalidade primaveril....Ah!Querida ilha,quão bela esta!...Os passeios pelas ruas de Paquetá,com seus românticos bancos de pedra,seus lampiões de gáz...
Longo e terno suspiro marca aquele momento de inolvidável felicidade.A figura do atencioso serafim transforma-se em elegante
mancebo de cartola,bengala ,lenço de sêda à corteja-la...
Suave brisa promove delicada dança,em compasso de minueto,dos velhos galhos do salgueiro.A tarde,a desmaiar,coloria-se de um vermelho apaixonado.O horizonte,anunciando a breve chegada do anoitecer...
Bem ao longe,ouvia-se o som do piano de sua irmã à tocar "cenas infantis" de schuman...
Clara cerra os olhos para eternizar inesquecível lembrança...
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A enfermeira fecha o album,ajeita,delicadamente,a anciã no leito e apaga a luz...