O ESPALHA BRASAS - III PARTE

Chegada a Portugal, a azáfama é palavra de ordem para Cidália que, irá vivê-la de modo intensivo e contagiante na pessoa do seu namorado. Um mês os separa do enlace esperado e desejado e porque não, expectante para familiares, amigos, vizinhos, clientes e colaboradores. Para estes últimos, a presença de Cidália é objecto de conjecturas quanto à felicidade e solidez do casamento e neste particular, Julieta, por entre dentes deixava passar alguns prognósticos em surdina, ora optimistas, ora pessimistas, neles reflectindo muitas das vezes ou quase sempre, o seu estado de espírito ou até desejo. Sabe-se da paixão surda que esta tinha por Franklim e porventura dele ainda guarda resquícios dormentes e despoletáveis e mal disfarçados desejos de amor. Destes disfarces, promete a si mesma ser o mais discreta e jura nunca os revelar, respeitando a vontade de Franklim pela escolha de Cidália e da qual esta é a menos culpada. Aliás, poder-se-ia até pensar que se Cidália soubesse desta paixão de Julieta, jamais teria aceitado o namoro de Franklim, até pelo “perigo” que a proximidade de uma segunda pessoa, sempre representa.

A primeira semana em terras Lusas, serviria para esboçar em traços gerais a organização do evento e correspondente lua-de-mel e à medida que se encurtava a data para o casamento, as aquisições inerentes, desde o vestido de noiva ao fato de noivo, como primeiras prioridades, estariam a merecer atenção cuidada e especial, nela se envolvendo também os pareceres de Gervásia, a irmã de referência para Franklim. A escolha do vestido seria tarefa levada ao pormenor e mereceria o consenso dos três, e levaria á compra de um bonito e longo vestido pérola claro, com corpete em organza de seda e saia em mikado, tudo bordado a vidrilhos e o fato do noivo de cor azul escuro e risca larga, camisa azul claro e discretíssima risca e gravata lisa em cor salmão, a dar ao conjunto vivacidade e alegria. Sem sombra de dúvida, os noivos merecerão justificados e atentos olhares e o Atelier da Noiva e do Noivo, têm neles um excelente veículo de propaganda. Inicialmente, a compra da indumentária envolveria algum nervosismo, que desapareceria quando deram de olhos nos conjuntos adquiridos. O resto dos dias até à véspera de casamento pautaram-se por descontracção e para isso muito contribuiu a postura de Franklim, que fazia apresentar a todas as pessoas conhecidas, a futura esposa.

O casamento realizar-se-á numa casa solarenga do sec. XIX, com capela privada e respeitaria a vontade e gosto da noiva, estando marcado para as 17.00 horas do último sábado do mês, com celebração por parte do padre Elias, pároco já idoso, sem paróquia e das relações do falecido Sanches, com quem compartilhava lautas jantaradas à base de caça brava; coelhos, lebres, perdizes ou tordos, que Sanches matava e para o qual convidava sempre e sem excepção o padre Elias, uma referência na mesa e que ele familiarmente tratava por LIAS. Franklim, até neste pormenor respeitou a memória do pai, aliás como noutros, como é o caso dos padrinhos de casamento, na pessoa do casal Antunes.

Estamos a duas semanas do evento mais marcante na vida destes nubentes e a chegada de pais e irmãos de Cidália e do Sr. Alex e esposa agendada para o dia de amanhã, trá-los a todos com inusitado entusiasmo. Após pé em terra firme, a primeira semana de permanência em terras Lusas destes anfitriões, seria ocasião para conhecerem alguns encantos de Portugal e para os quais Franklim programaria um abreviado itinerário turístico, na companhia da namorada.

Deram particular ênfase às viagens pelo norte, com visitas aos parques naturais da Peneda-Gerês e Montesinho, aos principais pontos de referência do turismo religioso, à visita à região demarcada do vinho do Porto, no Douro e Alto Douro e às caves, em Gaia, a um passeio fluvial às cinco pontes do Porto e no último dia deram uma saltada a Espanha, mais propriamente à Galiza e muito particularmente à visita à imponente Catedral de Santiago de Compostela.

Sobre estas apressadas visitas, o Sr. Alex manifestou-se porta-voz do grupo e enalteceu o bom gosto do roteiro programado por Franklim, sublinhando também a gastronomia e vinhos portugueses. Franklim revelou satisfação nas palavras proferidas e lamentou não ter havido tempo para aprofundarem as diversidades, ainda assim, lembrou, serviria para ficarem com uma ideia geral das particularidades nortenhas.

A última semana antes do casamento, seria aproveitada para curtas visitas às cidades nortenhas e regresso a casa no final do dia. Nestas visitas deu-se atenção à monumentalidade, às compras no comércio tradicional, para aquisição de lembranças e visitas às populares feiras, cuja ancestralidade se perde na bruma dos tempos e onde os géneros de produção agrícola têm protagonismo.

Hoje sexta-feira, véspera do enlace, é o dia em que as senhoras convidadas andam mais atarefadas e nervosas, em corrupio para cabeleireiros e as demais preocupações de natureza visual, ficando os homens mais expectantes e serenos, confinados à sua natureza, que estas ocasiões geralmente originam.

A noiva vestir-se-ia a preceito, com a ajuda de Gervásia e falariam de pormenores a ter em conta para o sucesso da imagem pretendida e que se quer perpetuada. Nos ensaios de “noiva” foram tiradas inúmeras fotografias, com o objectivo de testarem as melhores poses, as quais seriam escanizadas para o computador e visualizadas, comentadas e opinadas acerca das melhores poses ou acerca de correcções de imagem, quer ao nível de penteado, ramo, maquilhagem ou outras. O objectivo pretendido foi alcançado e parte das poses aprovadas, serão amanhã reproduzidas definitivamente.

Informalmente, os noivos foram aconselhados a deitarem-se cedo, a fim de no dia seguinte se apresentarem com bom aspecto geral, desprovidas de olheiras, que um mau descanso por vezes ocasiona.

Hoje, sábado, é dia grande para as duas famílias e particularmente para os noivos. Para os curiosos, sedentos de coisas mundanas, também será dia de exaustivos comentários.

Tudo estaria criteriosamente programado para nada falhar e às 17.00 horas, pontualmente a comitiva nupcial chegaria, com o noivo, padrinhos e convidados a abrir e a noiva, Sr. Alex e esposa e restantes convidados a fecharem o cortejo, aos quais lhes foi servido um requintado copo de água, servido por prestigiada empresa de catering. O ambiente geral foi contagiante, tendo por fundo a audição de música, introduzida pelo Hino da Alegria de Beethoven e encerrado com o “Somos Novios” interpretado por Andrea Bocelli e Christina Aguilera. De permeio, todo o género de música serviria para pôr a dançar quem sabia e não sabia. Até D. Felícia se esqueceu da viuvez e dançou com Julião, enquanto o padre Elias, recostado às mesas, petiscava aqui ou ali. A criançada tinha a sua primeira experiência em cenário de casamento e a sua vivacidade era por demais exposta. De todos, só mesmo os noivos revelavam alguma contenção. Certo, certo, é que o início da cerimónia se protelou por mais de meia hora, a que o padre Elias se referiu em tom humorístico e algo insinuante: com este atraso quem ficou a perder, foram os noivos…Risada geral e contida, animou o já instalado bom ambiente. O casal Alex que nada percebia do que se falava, riam contagiados e aqui e ali pediam aos irmãos de Cidália, tradução.

A cerimónia nupcial iniciar-se-ia, cumprindo-se as formalidades habituais. A entrada na capela far-se-ia ao som da marcha nupcial e toda a cerimónia decorreria com som de fundo gravado e difundido na voz de Andrea Bocelli e seriam introduzidas consoante os enquadramentos adequados. A oração Ave-maria, teve acompanhamento da interpretação com o mesmo nome e no momento em que o padre pediu a saudação, ouviu-se o “Besame Mucho”. Momento bonito foi também quando o padre os declarou casados e se fez ouvir o “ Can´t Help Falling In Love”. Ouviram-se choros emocionados e felizes, não tendo mesmo os noivos escapado às emoções, respingando algumas lágrimas. Antes da saudação final e dos votos de felicidades aos recém casados, o padre Elias faria um discurso de rasgados elogios à personalidade de Franklim e lembraria o falecido Sanches como amigo e bom chefe de família. À bênção da despedida seguiu-se a audição de “Time To Say Goodbye “ em dueto de Bocelli e Sara Brightman.

Findo o casamento, seguir-se-iam as habituais fotografias e filmagens, que alguns convidados faziam questão de gravar. O jantar decorreria até altas horas da madrugada.

A um canto, Julieta e Sousa teciam comentários acerca de todo o cerimonial. Dizia Sousa:

- Estás a ver, que beleza de casamento!!! Deixaste-te adormecer…

- Realmente nunca tinha visto casamento tão lindo! Gostei demais do enquadramento musical. Quanto ao resto, Sr. Sousa, não estava guardado para mim…e digo-lhe mais; para Franklim, desejo-lho toda a sorte do mundo e pela parte que me diz respeito, tudo farei para que Cidália seja feliz.

Julieta não pretendeu alimentar conversa, na certeza de que se continuasse, se emocionaria e aquele sítio não seria o lugar certo. Pretenderia banhar-se em lágrimas na solidão do seu quarto, tendo como testemunha só as paredes do mesmo e desse modo sangrar a paixão que lhe dilacerava o coração e a alma. Jamais aceitaria que fossem os olhos a dar-lhe testemunho de fraqueza, sempre que estivesse em público.

O repasto seria servido em amplos salões da Casa de Lamas, com abundância e diversidade de comida e vinhos. Os acepipes, tiveram a particularidade de representarem todas as regiões de Portugal. A degustação dos mesmos, levou os comensais a sobrelevarem-lhe o fino gosto da apresentação e qualidade. Os vinhos brancos, roses e moscatéis acompanharam as entradas. Finda esta primeira etapa de um longo banquete, foi servida uma canja de perdiz e um creme de marisco para preparar os estômagos para a epopeia gastronómica. Alex, deu de olhos à esposa num gesto que fazia adivinhar surpresa pela qualidade apresentada. Seguidamente, aos convidados foi-lhes dito que dentro de meia hora seriam servidos os pratos finais e que este compasso de espera se deveria, não ao facto de haver qualquer atraso, mas tão-só para descontracção e poder introduzir um período de convívio. O padre Elias, passaria parte do tempo a conversar com a viúva e com Julião e esposa. Com estes, recordar-lhes-ia tempos idos e das amizades com Vasco Sanches, Antunes e de alguns amigos já falecidos e com os quais pontualmente se reuniam para conversarem e devorarem peças de caça, que D. Felícia sabia muito bem preparar. Felícia, sorriria perante este elogio presencial e confirmaria as palavras do padre, mergulhada em saudade pelo marido e pelos idos anos. Inês, disse que se lembraria de os pais em casa falarem muitas vezes destes encontros gastronómicos e de um tal Gregório, como exímio caçador. Padre Elias e Felícia confirmariam, tendo o padre até falado dos seus dotes de caçador, ao ponto de chegar a matar dois coelhos de cada vez, em tiros sucessivos e direcções diferentes. Acrescentaria: esse moço depois foi para África e não mais se soube do seu paradeiro. Ainda hoje, não se sabe se é vivo ou morto. Entretanto, passaria a meia hora e os diálogos cruzados e animados nem deram pela efemeridade do tempo decorrido.

Às mesas regressariam as iguarias, destas destacar-se-iam o bacalhau com natas, o cabrito serrano e o leitão à Bairrada. Os vinhos eram das regiões demarcadas do Alentejo, Douro e Minho. As sobremesas dispersar-se-iam por três longas mesas e consistiriam em mesa de frutas naturais, doces e queijos. Para encerramento, foram servidos cafés e vinho do Porto de 20 anos.

No final do banquete, havia unanimidade face à qualidade e quantidade.

Alex tirou fotografias à composição das mesas, enquanto Mary fazia pequenos registos em vídeo com a camera do telemóvel para enviar aos amigos e colegas de Cidália, que haviam ficado em Vancouver.

A festa não acabaria com a boda e prolongar-se-ia no átrio exterior ao solar de Lamas, em terrenos confinantes com os jardins, ao som de música popular e baile até muito próximo das 02.00 horas da madrugada. Padre Elias, Felícia, Julião e Inês, sentados a um canto, em redor de uma mesa, tragavam conversas infindas e recordações cavadas em memórias de mais de quarenta anos. Aqui ou ali, comentavam alguns “dotes” dançantes de Alex e Mary e riam da dessincronização de movimentos, que eles ignoravam, entregando-se positivamente à festa.

Sorrateiramente, os recém casados afastar-se-iam e partiriam para merecida lua-de-mel, algures no Atlântico, mais propriamente nas ilhas dos arquipélagos dos Açores e Madeira. À Gervásia, Franklim recomendar-lhe-ia que tomasse os cuidados básicos na gestão do negócio por um período de dez dias e lembrar-lhe-ia que Julieta, na cozinha, continuaria soberana.