Da primeira vez
Estavam voltando de algum lugar, os dois, juntos. Não um lugar qualquer. Talvez fosse, mas sabiam que, por qualquer acaso, alguma coisa acontecia entre os dois e todo mundo que estava lá, naquele lugar que poderia ser qualquer lugar mas que na verdade não era.
E também não voltaram por estarem juntos. Ele ofereceu uma carona pois a queria levar pra casa e, apesar de todos os amigos nenhum quis acompanhá-los. Nem eram tão próximos, nem chegavam a ser exatamente amigos, mas havia algo entre os dois e o sabiam e quase não relutavam contra o que poderia ou não ser.
Na ida (ou na volta, depende do ponto de vista), conversaram sobre tudo. Tinham tanto em comum que nem estranhavam mais e podiam explicar a grandiosidade que o outro se transformava a cada novo assunto deliberado. Literatura, música, indignações, fatos engraçados, sonhos, anseios e vontades, cervejas, América Latina, astrologia... Era tudo tão estranhamente comum que os deixava encantados de uma forma sublime e ao mesmo tempo que calma, endoidecida.
Durante os assuntos intermináveis e tudo ela começou a perceber que alguma coisa estava acontecendo. Ela recuava um pouco. Ele não sabia se podia mas avançava. Ela tinha medo, o que lhe era claramente percebido. E ele, tinha receio do medo dela e, mesmo sem saber do medo (porque quase não se conheciam, tudo o que sabiam um do outro era as deduções que faziam sobre o outro e que no fim, não se compreende como, estava correto), respeitava de tal forma que uma vontade súbita foi lhe subindo a cabeça, queria dizer que não precisava ter medo, que estava ali e que não lhe faria mal e nem deixaria nada de ruim acontecer. Ela falava demais. Ele ouvia e sorria. Quando ele perguntava alguma coisa ela desviava os olhos pra fora do carro, procurando qualquer coisa que lhe pudesse ajudar a compreender o que lhes estava acontecendo. Ele se inquietava e falava, a fazia rir... perguntava mil coisas quando ela se calava e ela respondia sem medo algum, dizia o que sentia e o que pensava sobre qualquer coisa. Sentiam-se à vontade e se respeitavam, tanto!
Era cedo, ele perguntou se ela gostaria mesmo de ir pra casa. Ele era tão atencioso... Ela disse, segura, que não. Que nem tinha sono e estava agitada demais pra tentar dormir.
- Vamos pra onde então?
- Ah! Tu quem sabe... Hoje eu estou contigo.
- Tem uma festa numa cidade aqui perto... estás afim ou nem?
- Muita gente e tal né? Se quiser mesmo eu vou. Mas sei lá o que eu queria fazer... Só não quero ir pra casa e nem ver muita gente. E além do mais, eu gosto da tua companhia...
- Também gosto da sua! E acho ótimo teres recusado o convite porque eu também não estou com muita vontade de socializar, não...
- Pra praia? Fazer nada, sei lá... Só ir...
- Vamos?
- Já!
Ele deu a volta no carro e seguiram em direção à praia. Apesar de estar à vontade, ela estava com aquela sensação familiar de ansiedade e ele, parecia que também.
Quanto mais o tempo passava, conversavam, riam, concordavam ou discutiam sobre alguma coisa, mas ele percebia o que estava acontecendo ali.
No rádio, uma música das preferidas dela tocava, e ele, em silêncio, sorrindo e a ouvindo cantar junto com o som que ela teve a liberdade de aumentar sem nem pedir se podia. Quando a música terminou, ela baixou o volume e foi falar qualquer coisa sobre o porquê de gostar tanto da música. Ele ficou sério e a interrompeu: - Queria ficar contigo. E as três palavras a paralisaram de tal forma que ela se ajeitou no banco e ficou com aquela cara de tonta, boboca, séria, pasmada e envergonhada, olhando só pra estrada.
Não falaram mais nada e ele começou a se preocupar, pensou se tinha feito algum mal em dizer aquilo, foi quando, de um supetão, ela disse: - Pára o carro!
- Quê?
- Pára o carro, eu disse!
- Mas por quê? Você está magoada?
- Não... só faça o que eu disse. Pára esse carro, por favor? Pediu ela, tranqüila.
Ele não entendeu, mas muitas coisas não precisam ser entendidas, e encostou o carro. Ficaram parados. Ele receoso, ela agitada mas não confusa, com as três palavras ecoando na cabeça.
- Desce! Ela disse. Ele obedeceu, ela também desembarcou e deu a volta no carro. Foiu até onde ele estava.Os faróis ligados, o som desligado e só alguns poucos carros que passavam quebravam o silêncio dos lugar e o som dos grilos e dos passos dela se aproximando dele.
- O que foi? Ele perguntou temeroso. Ela perguntou: - O que você disse antes? – O quê? Que eu quero ficar contigo? Ela se aproximou mais dele, olharam-se profundamente nos olhos um do outro e, eles sabiam, naquela hora que realmente havia alguma coisa acontecendo entre eles.
Ele tentou falar alguma coisa, mas ela o impediu tocando delicadamente com os dedos nos lábios dele. Ele fechou os olhos, como se estivesse ganhando um beijo, do mesmo jeito que ela fez. Como num impulso único se abraçaram forte, querendo que, naquele momento, mais nada os separasse. Apenas queriam-se. Mutuamente.
Entraram, então, no carro e foram até a praia. A lua iluminava muito naquela noite. Brincaram, correram, conversaram, riram, curtiram-se. Os dois, com a noite só deles. E se conquistaram. Agora, não sabem e nem lhes interessa saber. Só seguem. Um dentro do outro, cada um à sua forma e do jeito mais próximo do outro. Ninguém vê, mas eles se sabem e muito.