Uma estrela que, no fundo, sabia-se do mar
Um dia ela acordou meio atordoada e não sabia bem quem era, nem onde estava. Em meio a coisas jamais vistas, num ambiente completamente estranho, percebe estar sendo observada.
- Olá, eu sou o castiçal – se apresenta aquele ser.
- Olá, eu sou... – ela não sabia o que dizer – eu... Não sei quem sou.
Em meio a umas exclamações de espanto vão se aproximando outros seres, que ela vem saber serem a estatueta de biscuit, o ovo de quartzo rosa e o porta-jóias de porcelana.
- Ora, mas que coisa estranha! Alguém que não sabe quem é – exclama a estatueta cheia de soberba – Somos todos adornos, portanto você é um adorno. Mas independente disso, cada um de nós tem uma identidade própria.
Vendo o constrangimento da pobre, decidem ajudá-la a descobrir quem é. Não demora muito e a dona da casa vem com uma amiga ao aparador e afirma:
- Olhe minha estrela que bela.
Bem, agora eles já sabiam, a nova companheira era uma estrela. Mesmo assim, a discussão em torno do assunto não parou, pois agora queriam saber o que era uma estrela e de onde tinha vindo.
Um dia, enquanto o filho da dona da casa estudava, seu livro ficou aberto em certa página onde se podia ler em letras bem grandes a palavra estrela.
Correram todos os adornos a se debruçarem à beira do aparador para ler. Ao final, ficaram muito espantados por saber que a amiga havia vindo do espaço, há milhares de anos luz dali e que possuía uma grandeza que não eram capazes de estimar.
- Veja você estatueta – ironiza o castiçal – E nós que pensávamos que você fosse a mais importante por ter vindo da França!
A partir de então, a estrela passa a ser considerada por todos alguém muito importante, mas para ela, sobrava somente uma tristeza enorme, uma sensação de que não estava no lugar certo. Nem sentia vontade de voltar ao tal espaço quando via imagens dele e de outras estrelas.
Mas havia algo que enchia seu coração de uma sensação muito reconfortante. Um lugar chamado praia. Ah! Como ela se sentia feliz quando via fotos de praia nas paginas largadas abertas das revistas.
- Deixe de pensar em praia – afirmava o ovo – pois ouvi dizer que praia é lugar de uma coisa chamada peixe, e você é do céu, é uma estrela meu bem.
E o tempo foi passando, passando. Mas a estrela carregava em seu íntimo um desejo de ir à praia, mesmo que lá não fosse o seu lugar.
Um dia ouviu os donos da casa, em rebuliço, arrumarem suas coisas afirmando que iam à praia.
Céus! Era a sua chance e não podia desperdiçá-la.
Sob os protestos dos outros adornos e da tentativa em vão do castiçal de agarrá-la, esquivou-se pelo aparador e deu um jeito de cair dentro de uma sacola de praia.
Ficaram todos muito preocupados e com expressão desolada, enquanto a estatueta se limitou a comentar num muxoxo:
- Hum... Vai tarde.
A viagem pareceu uma eternidade, mas a certa altura, passou a sentir um cheiro, um barulho que a enchia de uma felicidade tão profunda que parecia que iria transbordar. Num descuido da dona, cai da sacola e quando sente o contato com aquele pó branco perolado brilhante, parece estar no paraíso, se é que existe paraíso de adornos.
Algum distraído lhe dá um tremendo chute que a arremessa na água e ela mal pode acreditar com que facilidade passa a se movimentar dentro da água. Cada vez mais fundo, mais e mais...
E qual não é o seu espanto ao deparar-se com milhares de seres que lhe parecem familiares e mais incrível ainda, com outras iguais a si.
Curiosa ela aproxima-se correndo das outras e pergunta:
- O que são vocês?
Ao que uma delas responde:
- Bateu com a cabeça minha filha? Nós todas, incluindo você, somos estrelas-do-mar.
Nadando livre pela imensidão azul, ela imagina se mais alguém além dela, teria passado tanto tempo achando que era uma coisa a qual na realidade não era, mas logo dá de ombros, pois obviamente coisa tão absurda não aconteceria com freqüência.
Dessa história a moral, se é que a moral importa, é que você deve ser o que a sua natureza pede, não aquilo que os outros dizem que você é.