A lenda do pequi

Reza a lenda que, em cada solstício de verão, Lavatusca, um ser alaranjado, coberto de saliências e dentes afiados, aparecia na região central do Cerrado e, em uma fúria inexplicável, expelia fogo por todas as vilas ao redor, trazendo um enorme calor e seca durante longos meses. Os moradores bem que tentavam resistir, mas todo ano muitos eram obrigados a se mudarem ou reconstruírem suas casas e lavouras. Certa vez, um camponês muito corajoso da comunidade dos Régios, saturado com a situação, resolveu preparar uma armadilha.

Ele passou meses construindo bolsões d'água feitos de barro e súber, retirado das árvores. A parte mais difícil foi suspendê-los, todos eles, no topo dos faveiros. Eram mais de cem bolsões suspensos nas inflorescências do faveiro e amarrados a cordas que se ligavam a estacas fixadas ao chão. Assim que Lavatusca aparecesse, o jovem cortaria todas elas, que fariam as bolsas despencarem como enormes granadas d'água e encharcariam o monstro inconveniente. E foi o que aconteceu. No dia mais escaldante do ano, ao primeiro sinal da fúria flamejante, o menino apressou-se em cortar as cordas, que fizeram despencar as bolsas de barro e súber sobre o monstro. O pobre bicho se molhou tanto que não aguentou. Enquanto rugia de agonia, foi encolhendo ao nível de uma pequena semente, que ali mesmo foi sepultada. Semanas depois, no exato lugar onde perecera Lavatusca, começou a se erguer uma árvore cascuda com folhas grandes e cuja altura máxima fora atingida exatamente no solstício de verão do ano seguinte.

Na mesma época, surgiram nos ramos das árvores enormes frutos verdes que carregavam, em seu interior, quatro gomos de sabor instigante e da cor das inflorescências do faveiro. Por vingança ou não, o interior da fruta se assemelhava a um ouriço do mar, com dezenas de espinhos traiçoeiros que fariam as pessoas comerem com reverência e cautela. Às tantas, a enorme árvore já havia dado fruto suficiente para uma comunidade inteira e, de destruição, passou a ser associada à abundância. Em agradecimento ao valente camponês, a comunidade, então, resolveu batizar a árvore com seu nome: Pequi.

Felipe Abreu
Enviado por Felipe Abreu em 09/05/2021
Reeditado em 09/05/2021
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