REGRESSO

O mundo é um lugar que não aceita estagnação, seja no amor ou na guerra, tudo evolui e essa evolução nem sempre é no sentido ascendente ou construtivo. Estamos passando por uma pandemia global e essa alteração será sentida por décadas assim como todas as coisas nocivas criadas pelo homem. Tivemos alterações em todos os céus, para receber as sementes de uma nova não tão nova geração que não terminou seu legado. Alteração em cima assim como abaixo.

Boa noite a todos, pois será sempre noite em Kadath, a cidade fantasma. Graças aos deuses foram dezessete meses escondido no mundo astral me recuperando de uma tentativa de extermínio que acabou com a memória apagada e meu corpo astral desfigurado. Fui acolhido na ordem dos cavaleiros como um ótimo faxineiro e o meu padrinho Rubio ficou do meu lado nas horas difíceis e nos tornamos amigos, na medida do possível, pois todos sabiam que eu tinha flertado com as trevas e essa atitude não é bem recebida.

Passei todo esse tempo sem me projetar seguindo minha vida como qualquer outra pessoa e também sem escrever, pois até meus sonhos não passavam da normalidade. A interrupção de vidas causada pela doença pesou na balança cósmica me levando de novo a esse mundo com minha consciência intacta.

Que os jogos comecem!

- Bom dia, como está hoje?

- Bom dia. Estou bem, obrigado. Onde está todo mundo Rubio?

- Vejo que o senhor acordou com mais consciência hoje. Fico feliz que esteja melhor. Os irmãos da ordem estão reunidos no hospital de campanha para abrigar uma grande quantidade de doentes que estão chegando aos montes. Quanto tempo acha que o senhor consegue permanecer consciente, estamos precisando de ajuda?

Durante todos esses meses fiquei abrigado na ordem dos cavaleiros como um faxineiro, pois não tinha muitas funções que eu conseguia exercer devido a minha condição. Pareço um vegetal depois de algumas horas e perco a consciência conseguindo apenas realizar tarefas repetitivas e logo depois “desligo”. Hoje eles me deixam em paz, mas no início, foi bem difícil à reabilitação.

- Vou limpar a enfermaria número sete Rubio, se precisar de mim basta chamar.

Tenho que me afastar do Rubio por um tempo, antes que ela perceba algo diferente em mim e me envie para o SACRAMENTUM. Uma sala onde sou exaustivamente interrogado. No meu estado atual não faz diferença, pois não tinha mais o poder de permanecer consciente e atuar e interagir nesse mundo, mas como disse “não tinha”, hoje as coisas estão diferentes, me lembro de tudo, das torturas, dos apagões, das brincadeiras dos veteranos, minha cabeça está doendo com tanta informação chegando. A dor vem em ondas junto com as lembranças, no caminho para enfermaria ajoelho duas vezes, mas não perco a consciência, ao contrário fico mais alerta, mais ciente de tudo a minha volta, o suor vem em bicas pelas minhas costas. Esse mundo dos sonhos vai ficando cada vez mais real pra mim, já estou sentido dor, palpitação, calar frio, medo. Cheguei à porta, já estou melhor! Bati uma, duas, três vezes e ninguém me mandou entrar. Empurro a porta e decido entrar na enfermaria antes que eu tenha outra crise. Deparo-me com um silêncio assustador e uma energia diferente pairando no ar, tênue e elétrica ao mesmo tempo. A enfermaria número sete é uma gritaria infernal. Eles trazem os revoltados, aspirantes a magos, feiticeiros, adoradores e outros seres humanos bem característicos. Porque será meu primeiro pensamento foi vir para este local? Afinidade? Acho que todos estão descansando ou fazendo algo que não é da minha conta. Sei onde fica o armário, dentro dele o baldo e o esfregão, isso é da minha conta.

- Você vai mesmo me ignorar e esfregar o chão?

- Quem disse isso?

Uma voz rouca e estranha vinda do fundo da enfermaria, especificamente de cima de uma maca, de um corpo.

- Quem é você?

Eu reconheceria um membro da ordem, pois eles se vestem sempre da mesma forma, tirando os membros da faxina, são todos iguais, no sentido de vestimenta e energia.

- Vou chamar o irmão Rubio, se precisar de algo.

- Não preciso de nada, pelo menos por enquanto, em breve irei precisar, quem sabe você não possa me ajudar.

- Sou faxineiro, não sei no que eu poderia te ajudar?

- Que faxineiro estranho você é. Um faxineiro que possui afinidade com o mundo sombrio, você não deve ser muito bem quisto por essas bandas não é?

As últimas palavras foram proferidas com uma entonação sinistra. O senhor que estava deitado na maca levantou e olhou em minha direção. Não sei explicar se em minha direção ou dentro de mim. Ficamos alguns instantes nos encarando, quando ele afrouxava os olhos eu olhava em direção da porta, mentalizando a fuga. Dez passos, girar a maçaneta, empurrar a porta, gritar por ajuda. Tudo estava claro na minha mente de como fazer, menos o porquê da urgência que gritava dentro de mim: Corra! Corra!

- Qual sua graça faxineiro? Tem a opção de fugir ou de me responder, o que vai ser?

Ele deve ter acompanhado meus olhos, enquanto eu pensava. Na verdade ainda estou em duvida.

- Meu nome é lança senhor, aos seus serviços.

- Estará mesmo aos meus serviços? Lança.

- Como disse sou faxineiro aqui.

- Se você vai continuar fingindo ser uma pessoa que não é então pode me chamar de irmão cinza.

As emoções tem relação com as cores no mundo astral, e essas cores são percebidas nas palavras ditas, verde costuma ser a verdade, o preto é o ódio, o vermelho a paixão o amor. Minha cabeça está tendo outra crise recheada de lembranças, essas são algumas delas. Maldita hora para ter isso.

- Desde quando consegue identificar emoções nos mortos?

- Não sei do que está falando.

- Tudo bem Lança como soube quando entrou aqui que havia algo de errado no ar? Logo em seguida conseguiu saber que eu ia te atacar e ficou olhando a porta. Quando decidi não fazer você me disse seu nome e ficou? Estou muito intrigado com você devo admitir, pois a maioria dos que estavam aqui e que se diziam discípulos dos cavaleiros foram eliminados sem se quer entender o que estava acontecendo.

- Não sou ninguém aqui senhor, estou apenas limpando o lugar e me recuperando de uma doença.

- Você não fazia parte da minha vingança de qualquer forma, estou aqui pela Cha el.

Lembro-me desse nome no fundo da minha alma, Cha el também conhecida como Eva, aquela que me ajudou a escapar de EREBOS, nada vem na minha cabeça.

- Ela está bem?

- Está muito bem lança, de onde você conhece Cha el?

Não sei se devo abrir o bico para um estranho, mas é como se eu ficasse cada vez mais confiante das minhas lembranças e de quem eu era antes delas.

- Ela me ajudou a escapar de EREBOS.

O estranho saiu da maca deu dois passos em minha direção e pude observar suas vestimentas completamente cinzas, sem nenhum detalhe ou cor, ou energia ou qualquer outra coisa.

- Você é ele? O cara que ela ajudou a escapar e que foi aprisionado por que ficou ganancioso no inferno e que deveria ter ficado lá para ser apagado por ter almejado a posição daquele que anda nas sombras? Que mundo pequeno não, senhor? Você é um dos últimos de sua espécie.

Estranhamente as palavras ressuscitaram mais lembranças e as dores junto com elas.

- Sugiro que venha comigo lança, por enquanto. Matei sete pessoas nessa sala incluindo os socorristas, se eu sair e você ficar sabe o que vai acontecer com você, não é?

- Eu não fiz nada e vou ficar aqui.

- Tudo bem, não precisa ficar alterado. Vou avisar a Cha el que você está vivo e viremos te resgatar. Vou embora e sugiro que você saia gritando por ajuda. De qualquer forma não vão acreditar que você não teve nada a ver com isso. Adeus!

Como fumaça ele desapareceu. Minhas pernas fraquejaram e eu desabei, não sem antes conseguir gritar por socorro.

kronos
Enviado por kronos em 02/02/2021
Reeditado em 02/02/2021
Código do texto: T7174964
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