A Estrada da Morte

Assim que meu companheiro e eu atingimos o portão da estrada da morte, o ar úmido e mofado caiu sobre nós. Descendo de um céu cinzento e cálido, de puro negrume e sombras. Uma estrela ou outra talvez víssemos se olhássemos para cima. O que ninguém por ora fazia já que a morbidez já havia tomado nossos corações e nossas almas.

Quando se está a milhares de pés abaixo da terra, a caminho do mundo dos mortos, não se presta atenção em muita coisa, já, que quanto mais profundo se desce e mais tempo se permanece com os mortos, a leveza e pureza da vida se vai deixando o nosso corpo e a nossa mente.

Bastaria poucos meses para que um vivo, permanecendo junto com os mortos, se torne quase que um morto por completo. Esquecendo, ou talvez nem se importando mais, com a vida.

Talvez fossem luzes, naquela penumbra, luzes de almas errantes.

O horizonte se mostrava adiante num azul profundo e num misto de púrpura e prata. Nem dia claro ou noite completa. Numa tarde eterna. No mundo dos mortos a luz do sol não atinge, tampouco o clarão lua.

Deixamos o mato para trás, as últimas folhagens verdes depois de meses e atingimos a estrada da morte. Não tão larga, tampouco estreita. O suficiente para duas charretes passarem lado-a-lado e talvez alguns passantes. O chão batido de terra negra, roxa e cinza avermelhada. Com arbustos e árvores mortas do dois lados. Fomos caminhando, sentido ao que nos parecia de longe uma construção de pedra. E cada vez mais que adentrávamos o mundo dos mortos, qualquer sinal de cores, sentimentos sentidos e qualquer manifestação de prazer ou alegria ia ficando pra trás.

Tudo ia se tornando cada vez mais frio, cinza e sem vida.

Fomos caminhando, meu companheiro e eu, ninguém falava nada. Nenhuma vontade de expressar qualquer coisa surgia. E a cada vez mais o silencio irrompia.

Passamos por algumas vilas, por casas tristes. Animais e pessoas. Alguns sentados ou deitados. A maioria em pé a olhar para o nada. No mundo dos mortos não há canseira, ou fome, ou sede. Nem vontade alguma de fazer alguma coisa.

Tentamos falar com algum cidadão, eles até tentariam dar alguma atenção ou interagir de alguma forma, mas nada faziam. E nós cada vez mais torcíamos para que não houvesse interação alguma e a vontade de fazer nada aumentava.

Não fazia sentido dizer bom dia ou boa noite, já que ali o tempo não corre. E nenhuma coisa no mundo dos mortos pode ser bom o mau, já que não há sentido mais nas coisas.

Acho que um pouco da magia em nós fazia permanecer um resquício de luz, o suficiente talvez para mantermos o nosso objetivo e sair dali com vida. Ou o que sobrar dela.

Algumas horas caminhando atingimos a construção de pedra. Era o verdadeiro portão do mundo dos mortos. A partir dali a estrada da morte começava de verdade.

Havia um porteiro. Calado, frio e sombrio. Mas muito atarefado. Ele organizava as almas que vinham sendo trazidas pelos ceifeiros. E davam a elas um destino a sua escolha. Ou conforme a instrução de cada uma escrita num grande livro dizia. O Grande livro do mortos.

O porteiro ostentava um ar de Senhor dos Mortos, já os ceifeiros pareciam mordomos. Alinhados e obedientes. De fraque, terno ou sobretudo. E todos eles usavam chapéus. Parecia a regra.

As almas eram trazidas e despachadas conforme as instruções: em cabriolés, charretes, carruagens, cavalos, a pé ou barcos. Outros, que não havia instrução alguma, escolhiam que caminho seguir, ou ficavam por ali. Só não podiam voltar a vida. Nem teriam como, se quisessem.

O porteiro, nem olhou para nós. Só abriu o livro e resmungou qualquer coisa:

_ Senhor dos Mortos! Mas quá! Não há senhor na morte. - de repente deu um grito e olhou para nós espantado. Tirou os óculos. Senti que ele havia percebido a magia. _ Não há seus nomes na lista! - berrou. Vocês estão vivos!

Antes que pudéssemos dizer qualquer coisa alguns ceifeiros empunharam suas foices e vieram em nossa direção. O porteiro se aproximou rapidamente e com um estalo nos dedos fez os ceifeiros desaparecerem. _ estão dispensados, emendou ele. E virou-se para nós: - Não há lugar para os vivos aqui. Voltem de onde vieram! Seja lá de onde venham e o que quer que queiram.

Meu companheiro sugeriu que eu usasse magia. Não que eu não pudesse ou que não quisesse, mas não deveria. Tinha que cumprir meu propósito. Aliás, não ouso imaginar o tamanho do poder que o porteiro da estrada morte possa ter.

Antes que eles nos expulsasse de uma vez com um estalo dos dedos, seja lá pra onde for, peguei meu alforje e de lá tirei uma garrafa de vinho. O melhor que pude encontrar. Assim como me foi recomendado que fizesse.

_Que tal um vinho?

O porteiro se alinhou:

_ Não com um presunto maturado?

Tirei o presunto do alforje:

_ O melhor que eu pude trazer!

_ Oh! Meu senhor do abismo perpétuo! - clamou ele: _ Faz séculos que eu não provo um desses. Talvez milênios! Entrem! Entrem! Ele nos conduziu pela portaria adentro. Fique a vontade! Vou preparar os seus aposentos. O que quer que queiram fica pra depois que descansarem.

Mostrou-nos um belo quarto mobiliado com as cores e coisas da superfície. Um pouco de vida desde meses atrás quando começamos a nossa jornada.

Não se preocupem – dizia ele – aqui o tempo flui um pouquinho. Vão se sentir cansados e poderão dormir a quantidade de tempo equivalente a algumas horas na superfície. Logo mais nos conversaremos.

Assim dizendo saiu cantarolando e assobiando pelo corredor afora.

Esta não foi a primeira vez que eu desci ao mundo dos mortos nem por esta estrada. Sem usar nenhum pouco de magia.

Não quero estender muito este conto, já se faz tarde e pretendo continuar essa narrativa numa segunda parte talvez.

Amigo leitor, deixe nos comentários se desejam ou não que eu lhes conte como meu companheiro e eu terminamos essa pequena jornada pela estrada dos mortos e se conseguimos o que fomos lá buscar. Pretendia contar-lhes de uma vez só porém a riqueza nos detalhes me persuade e estender esse conto. Assim cabe a você leitor, me dizer se quer uma segunda parte.

Sr Marx
Enviado por Sr Marx em 06/01/2021
Reeditado em 06/01/2021
Código do texto: T7153049
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