Cão de companhia

Donara saiu do mercado carregando duas bolsas de palha pesadas, cheias de legumes e verduras. Estava velha para fazer aquele tipo de atividade, mas infelizmente só podia contar consigo mesma. Se ao menos, um dos filhos houvesse sido poupado do alistamento; mas, não, os recrutadores do exército eram impiedosos. Nem mesmo os arrimos de família, como seu caçula, Joran, foram poupados. A guerra contra o reino de Gorr era mais importante, afinal.

Sempre havia cães vira-latas vagando pelas ruas próximas ao mercado, em busca de algo para comer. Normalmente, ela não teria dado qualquer atenção aos animais, mas naquele dia, avistou um grande sabujo, branco e marrom, orelhas caídas, sentado à beira do caminho por onde ela iria passar. O cão a encarou, com um olhar triste. Donara parou.

- O que você está fazendo por aqui, rapaz? - Indagou a mulher. - Perdeu-se de algum fazendeiro? Você não parece nada com esses vira-latas esfomeados daqui...

O cão deu um latido curto em resposta, como se houvesse entendido algo do que Donara dissera. Ela achou aquilo divertido e sorriu.

- Quer vir comigo? Não tenho muito que um cão do seu tamanho possa comer, mas a gente dá um jeito...

Pôs-se a andar, assoviou baixinho, e o cão a seguiu, obedientemente, passando a andar ao lado dela. Mais à frente, cruzou com um grupo de soldados que voltavam da frente de batalha, uniformes sujos, rotos, e manchados de sangue.

- Vocês são do 15º de Infantaria? - Indagou ela apreensiva, a um dos soldados com uma bandagem amarrada na cabeça.

- Não, 27º - redarguiu o rapaz. - O 15º não conseguiu sair de Gorr, as coisas não correram como previsto.

Donara sentiu um aperto no coração; o que teria sido feito do filho caçula? Mas agradeceu ao soldado, e seguiu seu caminho. A casa de três cômodos onde residia, ficava na parte baixa da cidade junto ao rio, que era onde a maioria da população pobre morava.

Entrou em casa, colocou as bolsas sobre a mesa no cômodo maior, e foi juntar restos de comida para o cachorro. Colocou também uma vasilha com água para ele, e ficou observando-o com satisfação enquanto ele se alimentava.

- Você é mesmo um bom garoto! - Elogiou-o. - Nem parece estar com pressa...

O sabujo a olhou pelo canto do olho e continuou comendo.

- O que eu vou fazer com você? - Prosseguiu ela, pensativa. - Não sei se vou poder lhe sustentar do jeito que você deve estar acostumado...

O cão parou de comer e a encarou. Deu um latido curto, como se dissesse "não se preocupe!", ou assim ela entendeu. Sentiu-se mais tranquila.

- Está bem, vamos dar um jeito - assentiu.

Preparou o jantar, comeu, pôs mais comida para o cão e, finalmente, foi se deitar.

Ainda de madrugada, ao acordar, descobriu o sabujo deitado ao lado da cama dela, cabeça entre as patas. E junto dele, um pato, com o pescoço estraçalhado. Donara sentou-se na cama, pôs os pés no chão e as mãos no colo.

- Você encontrou um jeito, pelo visto - admitiu ela. - Está bem, pode ficar.

O cão ergueu brevemente a cabeça, abriu um olho, e depois voltou a acomodar-se. Ela estava em segurança, parecia dizer apenas com a expressão corporal. Donara deitou-se novamente. Fechou os olhos. Adormeceu.

- [30-12-2020]