Árvore da Vida
A chuva da noite anterior tinha finalmente quebrado a dormência da semente e dado forças para que a vida rompesse a casca exterior. Um pequeno caule fino e verde poderia ser visto, se houvesse alguém para observar. Choveu durante toda a semana, então, foi fácil para a planta penetrar o solo com suas brancas e frágeis raízes. O caule cresceu cerca de cinco centímetros nesse tempo e tombava para direita por ser incapaz de sustentar o próprio peso.
A semana seguinte foi mais difícil. O clima nublado deu lugar a um céu azul, limpo e ensolarado. A terra tornou-se seca, e várias folhas que tinham despontado secaram e caíram. O caule começou a encolher, como se a planta quisesse voltar para dentro da semente. Entretanto, as raízes permaneceram firmes, e a planta viveu tempo suficiente para ver uma chuva rápida e torrencial que lhe esmagou o caule mas também a hidratou.
Os dias subsequentes foram mais tranquilos, alternando sol e chuva. O verão tinha se estabelecido afinal. O clima daquela região era agradável, e a planta crescia. O caule verde foi engrossando e se tornando marrom. Outros galhos brotavam do tronco principal, cheios de folhas e brotos. Formigas e lagartas subiam e desciam o relevo daquela planta.
Ao final de um ano a planta já tinha o tamanho de um homem adulto. Ao fim de dois, já tinha chegado aos cinco metros. Ao fim de cinco anos, a copa frondosa formava uma cúpula oferecendo metros de sombra para aqueles que a olhavam do chão.
Porém ninguém olhava a árvore. Não havia uma única testemunha humana da extravagante árvore que aquela semente tinha se tornado. E talvez fosse melhor assim. Talvez aquele espetáculo coubesse apenas as abelhas, borboletas, serpentes e macacos.
Um dia choveu muito. Muito mesmo. Tanto, que o solo alagou e na base do tronco da árvore era possível ver um espelho de água. Um evento completamente anormal naquela região, que trouxe consigo outra coisa anormal: humanos procurando abrigo. Um casal, um homem e uma mulher.
Eles viram a árvore e decidiram se proteger nela. Escalaram o tronco com o objetivo de escapar da água. Recolhidos nos braços um do outro, rezavam a cada raio que caia, temendo que a árvore protetora fosse atingida. Não foi. Tão logo a chuva deu um trégua, eles puderam secar suas roupas nos galhos da árvore.
A mulher – nua – encarava desconfiada o fruto que tinha encontrado. Os galhos da árvore estavam repleto deles: pequenos, verde-arroxeados, macios, com o interior repleto de sementes. Ele cheirou e o odor era doce. Atreveu-se a lamber a casca, e não sentiu nenhum sabor. Espremeu um pouco da polpa sob a ponta da língua. Esperou. Nenhum desconforto apareceu. Julgou que podia comer a fruta.
Se tivesse observado os pássaros e abelhas talvez a mulher não tivesse provado a fruta. Muito animais se abrigavam naquela árvore, mas os frutos caiam do solo e apodreciam no chão, retroalimentando a árvore. Ninguém ousava interromper o ciclo que a arvore havia estabelecido.
De início, ela não sentiu nada, de forma que se companheiro também provou a fruta. Ela estava sentada num galho sentindo o carinho dos raios de sol que conseguiam ultrapassar a copa grossa, quando veio. Forte como uma queda. A acertando de muito lados. A cabeça latejava, o estômago queimava, os braços formigavam, os olhos ardiam, os pés coçavam. Na sua retina se projetavam imagens do passado, do futuro e do presente, sobrepostas a realidade de múltiplas dimensões. Seu companheiro se assustou apenas até ser atingindo pelo mesmo fenômeno. Agarrados a madeira da árvore eles sofriam e temiam a morte.
A lua cheia resplandecia no céu quando, finalmente, o sono profundo os atingiu. Dormiram sem sonhos, apenas o cansaço de ter vivido muitas eras de uma única vez. Acordaram fracos, famintos e assustados. Colocaram as roupas e retomaram a caminhada. Preso ao cabelo da mulher, uma semente também iniciava a jornada com eles. Qualquer semente que almeje germinar precisa se afastar o suficiente da planta mãe, de forma que a sombra desta não a sufoque. A mulher era a chance da semente, que alcançou o solo quando – com calor – a mulher prendeu os cabelos e jogou fora, sem sequer olhar, o grânulo. Se a chuva fosse favorável, uma nova árvore cresceria.