Abrigo na tempestade

A previsão do tempo estava correta: pouco antes do anoitecer, começou a chover, pesado. Era tarde demais para desviar a rota, mas ela não podia continuar voando na tempestade. Embicou a vassoura para baixo e começou a descer em meio a chuva, que lhe batia por todos os lados sem dó.

- Devia ter comprado o kit de voo em grande altitude - lastimou-se, enquanto perfurava a camada de nuvens.

Abaixo das nuvens, vislumbrou as luzes de uma cidadezinha; raios caíam aqui e ali ao redor dela, o que era uma cena bonita, mas também assustadora. Melhor tomar cuidado, pensou. Escolheu uma rua nos limites da cidade e desceu; seria mais fácil encontrar abrigo ali.

Pousou no meio da rua com o vestido preto encharcado, a vassoura pingando água. Não se via vivalma sob a tempestade, mas algumas casas tinham luzes acesas. Escolheu uma meio que ao acaso, com um belo gramado à frente, e sentiu-se aliviada ao abrigar-se sob o pórtico. Tocou a campainha; o som musical reboou no interior da construção.

Em seguida, a porta foi aberta. Diante dela, uma mulher de meia-idade, óculos, aparência professoral, um livro aberto na mão esquerda.

- Pois não? - Indagou a mulher.

- Olá, eu sou Artemise Barlow - apresentou-se a visitante. - Estava passando pela sua cidade e a tempestade me pegou. Será que poderia me dar abrigo por algumas horas, até minha roupa secar e eu poder seguir viagem?

- Você está ensopada, Artemise - avaliou a mulher, olhando-a de cima a baixo. - E não precisava usar um amuleto de encantamento, eu iria deixar você entrar assim mesmo.

- A gente nunca sabe com quem pode topar - explicou agradecida Artemise. - Mas como sabia que eu era uma bruxa?

- Quem anda por aí na tempestade, carregando uma vassoura? - Replicou a dona da casa. - A propósito, meu nome é Melissa.

Entraram. Melissa indicou o banheiro para Artemise e depois lhe trouxe uma toalha e um roupão felpudo.

- Serviu - aprovou ao ver a bruxa vestida com ele. - Era da minha filha. Vou pôr seu vestido na secadora.

Ao retornar, serviu vinho para Artemise e ela mesma. Sentaram-se em poltronas de couro na sala de estar, próximas da lareira.

- Que casa agradável a sua! - Aprovou Artemise. - Mora só com sua filha?

- Minha filha não mora mais aqui há muitos anos, formou-se e foi trabalhar fora - redarguiu Melissa. - E você, ia para algum conciliábulo?

- Digamos que sim - respondeu Artemise, sentindo a cabeça muito leve. - E esse livro que está lendo? É sobre o quê?

Melissa apenas ergueu o volume, exibindo a capa.

"Como conjurar tempestades", leu, sentindo que sua visão começava a perder o foco.

- Algo está errado... - murmurou, agarrando imediatamente o amuleto de proteção que trazia pendurado do pescoço por uma corrente de prata.

Um relâmpago clareou tudo lá fora, como dia. Quando o trovão ressoou, Artemise descobriu-se sentada no chão de areia branca de uma caverna, iluminada por archotes. Uma troll estava de pé diante dela, segurando sua vassoura.

- Te peguei, bruxa - disse a criatura em tom triunfante.

- É cedo para cantar vitória - retrucou Artemise, recitando um feitiço e fechando os olhos. A luz dos archotes cresceu até tornar-se insuportavelmente brilhante e a troll largou a vassoura, cobrindo os olhos com as mãos nodosas. Mais do que depressa, Artemise fez com que um dos archotes saltasse do seu suporte e caísse sobre a troll. Esta, com o corpo em chamas, correu para fora da caverna aos gritos.

Finalmente só, Artemise olhou em torno.

- Não é nem de longe tão confortável quanto a casa de subúrbio, mas terá que servir por algumas horas - declarou para si mesma.

Lá fora, a tempestade rugia através da floresta escura.

- [15-11-2020]