A esperança Equilibrista

Não muito longe daqui passeava cambaleante pelas calçadas de uma avenida mal iluminada um bêbado com camisa caramelo social de mangas curtas.
O mundo turvo pelo álcool nunca lhe parecera tão claro e as manifestações doentias de sua sociedade bucólica jamais seriam enxergadas com tanta pontualidade. Seu olhar enlutado e pessimista soava-me familiar e seu andar descompassado revelava um cenário microcósmico de algo que acontecia na macroesfera da política.
A lua, sujeita inquilina da luz de outro astro era vista pelo bêbado como semelhante à dona daquelas senhoras que ofereciam o que ninguém paga para fazer em casa. A névoa, respiro dos bueiros, ia de encontro à calamidade de nuvens borradas e distorcidas, como a face transpirante do suor misturado a sangue que a geração mais nova vê nos livros história, datados de um passado sombrio, quando torturar alguém era positivo para obter migalhas de informação e acalmar o ego.
Revira o estomago ao lembrar que ele mesmo esteve neste pretérito e recorda-se com calafrios que pau-de-arara não é apenas o meio que o trouxe para esta selva que deveria ser próspera em uma viagem longa e esfomeada. Levanta o chapéu e agradece que isto está no passado e que ele está aqui.
Que bela noite!
Acalenta-o saber que os que se foram deixaram marcas positivas, embora suas pobres mães inconformadas por não saber aonde jazem suas perdas ainda tenham os corações rasgados pela dúvida e pelo descaso.
Agora, avistou uma poça d’água lamacenta.
Parou.
Chapinhou nela para recordar de algumas poucas vezes que havia feito isso na infância. No meio de tanta confusão mental do caos que lhe aperreara o passado ainda tem boa memória e boa imaginação.
Talvez não estivesse tão lúcido quando avistou no varal de um cortiço uma bela moça que sorria ao equilibrar-se na frágil corda, que de dia sustentava peças carcomidas, usando a cordinha como uma fina corda bamba.
A mulher dirigia o olhar apenas para frente, e ademais, era o que a mantinha ali sem cair e machucar-se.
Era uma raríssima apresentação de uma sensata sábia.
A tudo isso, ele assistiu com os pés encharcados e as mãos trêmulas de frio.
Apesar de tudo, era feliz.
Memórias póstumas da Liberdade
Enviado por Memórias póstumas da Liberdade em 15/05/2020
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