Apólogo

Certa vez, aconteceu uma discussão entre dois instrumentos de desenho. Não me refiro ao goniômetro, ao esquadro ou escalímetro que, apesar do glamour de suas misuras angulares e lineares, não têm a precisão e a velocidade de um computador e de um plotter, quando querem desenhar juntos.

Explico já e em poucas linhas, que o Plotter nada mais é que uma impressora de grande porte, usada para imprimir os projetos deste que ainda não lhes falei, mas é doutor no ofício da engenharia civil. Gaba-se o Plotter pelo sincronismo entre os movimentos do seu carro de impressão e tracionador de cartolina, onde como um mestre da pintura moderna, desenha os labirintos da estrutura de pontes, viadutos e diques, com presteza nas medidas e poesia nas cores: eu sou mesmo importante, falava espirrando tinta, importantíssimo como diria José Dias, o não menos doutor... Não sou que nem esse aí ao lado, paradão, sisudo, com ares de quem sabe tudo...

Ora vejam vocês, que ao lado está o Laptop. Compacto, versátil, e que através da secreta lógica dos aparatos eletrônicos, entendeu o insulto do colega sujo de tinta e já foi despachando no código: você? Importante? Pois já não faz mais do que eu mando! Vai, imprima este poliedro, agora eu quero este número aqui, as linhas de cota ali... Só imprima a legenda se eu mandar!

Eia ditador! Percebeu o Plotter que era o impressor contra o opressor. Diminuiu a velocidade e começou a imprimir seu revoltoso discurso: não te conheci com tal espírito humano. Não achas injusto tratar assim com tanta maldade este que é tão bom pra ti? Vai lá fazer tudo sozinho.

Mais mecanismo e menos maniqueísmo, disse o Laptop. Quase pronta essa passarela?

Ora, passarela? Meus impressos não são pra qualquer pontilhão de córrego. Note a graciosidade dos movimentos. Não fosse o papel que imprimo queria ver no meio da obra, o dedão grosso do pedreiro na maciez do teu tecladinho, só para ver os “risquinhos” do projeto, que na tua tela não valem nada. O mapa que imprimo, esse sim, sabe o que é estar dobrado e enfiado no bolso ensebado dum macacão velho. Não vai agradecer-me, Dom Laptop?

Nem esquente o cabeçote, Sr. Plotter. Sente o peso do meu processador! Este aqui sim é o poderoso. Mais robusto que o dedão do pedreiro, mais inteligente que o doutor engenheiro. Digo que sim! Conheces meu corretor ortográfico? Achas que é pouco este olho que tudo vê? Sou eu quem vai lá e coloca o grampinho da vovó, o chapéu no vovô quando lhe escorregam os dedos no teclado... Me escapa um dado errado, você imprime errado.

Em sua introspecção, o Plotter pensou numa impressora sem computador e num computador sem impressora. Qual teria mais utilidade? Mal teve tempo de processar, o Laptop interrompeu: treino é treino, guerra é guerra! Olha cá, sabichão, acabo de receber um e-mail, e adivinha quem vai pra Holanda num congresso sobre construção de represas? Eis que enquanto nosso doutor cumprimenta celebridades com a mão direita, é na esquerda que eu estarei. Dentro da maleta, claro, mas quando ele mostrar os projetos, vai dizer “foram feitos no computador”. Na reunião, em cima da mesa, diga lá quem vai sair na foto?

Calou-se o impressor. Acabou-lhe a tinta? Este vai ficar aqui no escritório, esperando a faxineira, que lhe desembarace os cabos.

Eca, se essa foto sair, ainda me toca ter de imprimi-la.

Giva Boneti
Enviado por Giva Boneti em 22/04/2020
Código do texto: T6924892
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