A Tragédia de Polegar
[A cortina se abre. No centro do palco, está o trono do Rei, ladeado por dois guardas empunhando alabardas. A princesa Urraca está sentada numa cadeira de braços ao lado do pai, lendo poesia. É então que entra em cena Rabisco, o irmão gêmeo de Arabesco.]
- Meu Rei! Meu Rei! Uma tragédia!
- O que houve, Arabesco? - Indaga o Rei, retirando os pés do escabelo.
- Eu sou Rabisco, majestade - corrige o mensageiro.
- Eu sempre tomo um pelo outro. Vocês poderiam ao menos se vestir com roupas de cores diferentes - reclama o Rei.
- Mas eu estou vestido de verde e Arabesco de marrom, majestade - replica o mensageiro.
- Mas Arabesco não está aqui, portanto continuo a não diferenciá-los - atalha o Rei. - Mas que tragédia ocorreu, Rabisco?
- O Pequeno Polegar, meu Rei... o marido da princesa Urraca...
Urraca ergue-se da cadeira e deixa cair o livro de poesia.
- O que houve com o meu marido?!
- Princesa... ele foi engolido por uma vaca!
- Oh! - Exclama a princesa. E desmaia.
- Traga uma dose de brande para a princesa! - Ordena o Rei para o guarda da esquerda, que se põe a caminho, saindo de cena.
Rabisco acode Urraca e a recoloca sentada na cadeira.
- Eu disse ao Polegar que era perigoso ir passear sozinho no campo! - Lastima-se a princesa. - Tão pequeno e bravo o meu marido! E tão teimoso!
- Talvez não seja tarde, princesa. Mas precisamos chamar os médicos da corte! - Sugere Rabisco.
- Pois vá você chamar os físicos! - Exorta o Rei. - E avise-lhes que se não me derem uma solução a contento, serão enforcados!
- Com sua licença, meu Rei!
Rabisco faz uma mesura e sai de cena.
* * *
Além dos guardas ao redor do trono, estão em cena dois físicos vestidos de negro, a princesa Urraca com uma taça de brande na mão, o Rei, e Rabisco.
- Viemos o mais rápido que pudemos, majestade - assegura o primeiro físico.
- A vaca já foi trazida para as cocheiras do palácio - informa Rabisco.
- Todavia, não é possível afirmar que será possível salvar o Pequeno Polegar das entranhas da vaca... ao menos, não com vida - complementa o segundo físico.
- Por que simplesmente não matamos a vaca e a abrimos para retirar meu marido de lá? - Sugere a aflita Urraca.
- Caso seu marido ainda esteja vivo, a morte súbita do animal poderia lhe trazer mais problemas do que se esperarmos pela conclusão natural do ciclo digestivo - pondera o primeiro físico.
- Por ciclo digestivo, o senhor quer dizer... defecado? - Urraca faz cara de nojo.
- Precisamente, princesa - reafirma o primeiro físico.
- Todavia, poderíamos ministrar uma dose cavalar de laxante à vaca para acelerar o ciclo digestivo - avalia o segundo físico.
- Em se tratando de uma vaca, não quereria o nobre colega dizer "dose vacal"? - Questiona o primeiro físico.
- Vacal tem outro significado, que nada tem a ver com o tema aqui tratado - refuta o segundo físico. - Mas ocorreu-me que a administração de um vomitório ao animal poderia causar efeito similar, porém seria mais rápido... e menos repulsivo.
- Pois que apliquem esse vomitório! - Ordena o Rei. - Vamos recuperar ao menos o corpo do meu genro!
* * *
O Rei, a princesa Urraca, Rabisco e os dois físicos estão ao redor de uma mesa redonda no centro do palco. Sobre ela, uma cama de boneca com dossel. Urraca inclina-se sobre a cama, e sussurra:
- Meu amor, está me ouvindo?
Uma voz fraca ecoa no palco.
- Como um trovão rolando sobre a planície.
- Ele está bem - declara a princesa para os físicos e Rabisco. - A sua pronta intervenção salvou a vida do meu marido.
- É sempre um prazer servi-la, princesa! - Exclamam os três em uníssono.
Fazem uma mesura, e retiram-se do palco. Ainda ao redor da mesa, o Rei olha para a princesa e diz:
- Creio que ele dormiu. Vamos deixá-lo descansar.
E, apontando para a janela do quarto.
- E deixe a janela fechada. Não queremos que entre aqui um falcão, e o leve para servir de alimento às suas crias.
As cortinas se fecham.
- [30-03-2020]