O meu Pai

Eram seis horas, quase noite, um dia inesquecível, o momento era triste e de reflexão, tanto, para mim como para meus irmãos. Eu sou o João, o mais velho, e tenho mais dois irmãos pequenos, José, Mateus e junto a minha mãe neuza, formávamos a nossa família.

O meu pai que, sempre estava ausente, não era o meu pai de verdade, mas, por exigência de minha mãe Neuza, o chamávamos assim; meus irmãos talvez não soubessem, mas eu, eu sabia, eu tinha certeza de que ele não era o meu pai de verdade. Em pensamentos, eu questionava a mim mesmo sobre quem poderia ser o nosso pai de verdade, e pensava, e, sem respostas, então, lembrava do dia em que aquele homem apareceu, foi lá na roça; e, de lá, da casa onde morávamos com a minha vó Nina, nos trouxe, e, assim, nós viemos para essa, nova, vida, aqui, neste lugar em que eu estou agora.

Foi a primeira viagem que eu fiz, essa foi a viagem da minha vida, ainda não havia saído do cercado de meu avô bino.

O meu avô, bem! Do meu avô bino, eu guardo e não esqueço, sempre lembro, que antes de dormir, era sagrado; todos nós, eu, e, meus irmãos, minha avó Nina, o tio zé, e, a tia Dem, todos nós, nos ajoelhávamos e rezávamos porque os dias eram difíceis, dizia o vô Bino, e, sem reza, segundo ele, os dias seriam piores. Então, à noite, após o banho e o jantar, vinha , antes de dormir, o momento de oração. O difícil, nessa hora, era conter o riso diante das caretas, das caretices e deboches do peralta que, pelas costas de meu avô, brincava, tirando sarro e toda a nossa atenção, esse era o meu tio Zé, o tio rebelde e descrente, mas, "não passava em branco", o meu avô quando o castigava; nos castigava, também, e, por causa de suas brincadeiras e deboches, por fim, era difícil passar o dia que não levávamos umas boas lambadas.

O tempo é corrido, passa, e, sem que percebamos, nos conduz dos momentos passados à momentos futuros, e, nessa viagem, sempre estaremos sujeitos aos momentos presentes que surgem, emergem desse passado, e, assim, nós, todos nós, sem exceção, passaremos a ser o resultado do que entendemos no passado e do que esperamos vir-à-ser no futuro. Dessa forma, o presente é o único ponto do tempo, no qual nós temos o domínio e poderemos ser ativos. Como o conhecimento não é propriedade de ninguém, aproveitei esse presente e a experiência ao vê-la, ali, ajoelhada; à frente, a imagem de Nossa Senhora, a quem, minha mãe Neuza dirigia as suas preces.

Eu estava num canto, do único, quarto da casa, e, atento, a observava enquanto meus irmãos menores, distraídos, brincavam, alheios àquele momento; não entendiam o que estava acontecendo.

Eu pensava, mas como poderia estar preso? Em minha imaginação, a imagem do seu quepe, a sua farda limpa e asseada, pois, bem, essa era a realidade, ainda não havia me acostumado a chamá-lo de PAI e ele já estava preso, percebi tudo pelas orações de minha mãe Neuza; perguntava para mim mesmo, como pode ser preso o homem que é da polícia? Sem respostas, ajoelhado ao lado de minha mãe, eu a assistia em seus fervoroso pedidos.

Do pequeno rádio de pilhas que estava sobre a geladeira, ouvia-se as palavras transformadas em prece, harmonizadas em música que ungia o ambiente; envolvidos, acariciado, confortados nesse momento de cura e graças, prosseguimos em oração.

Os meus olhos estavam fechados, mas, mesmo, assim, em nítida visão eu podia enxergá-la, vê-la, quase podia tocá-la.

Nossa Senhora, por favor, solte o meu PAI.

O que eu não sabia:

O meu pai, um jovem sedutor, inconformidade com as recusas de minha mãe Neuza, a fim de seduzi-la, exibia-se, e, para dar mais "veracidade " ao intento de criar a sua falsa identidade, fotografou e deixou-se fotografar com as fardas de seus superiores, e, por isso, colheu os frutos de seus atos.

Foram dois dias a mais sem vê-lo, sem desfrutar de sua presença, mas valeu a experiência.

Jorge Santana
Enviado por Jorge Santana em 05/02/2020
Reeditado em 05/02/2020
Código do texto: T6858518
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