O CEGO E O QUE VÊ
O CEGO E O QUE VÊ
Havia um cego, gordo, de meia-idade que fazia companhia a um moço com deficiência numa perna, resultante de atropelamento, após acidente de moto. Eles tinham uma relação que já vinha há algum tempo e por isso paravam amiudadas vezes a conversar. O Cego vendia guloseimas e jornais à porta do cinema e o moço deficiente, vendia lotarias.
Num dia de calor de Junho, daqueles dias que só as sombras, as bebidas frescas ou os banhos lembram, o cego gordo, de nome Flávio, conhecido pelos amigos por Lampião, por estar sempre parado, resolveu comprar cerejas para de dessedentar e como o amigo cauteleiro, também conhecido por Zé Rega, estivesse na sua companhia, o cego usou de generosidade e também lhe ofereceu, não sem que antes, ele definisse algumas regras e estas eram tão simples que apenas constava de um pacto de entendimento, que passava por comerem só uma cereja de cada vez, a que o Zé Rega concordou.
Começaram a comer respeitando o pacto, mas o cego achou por bem testá-lo na sua seriedade e pensou que poderia estar a comer uma cereja e ele mais do que uma. Vou já saber, dizia para si, o cego. Começou a comer duas cerejas de cada vez e o Zé Rega nada disse. Mais adiante, o cego começou a comer três cerejas de cada vez e o Zé Rega continuava sem dizer nada.
Foi então que o cego fez uma reflexão. Eu a comer duas cerejas, três cerejas e ele não diz nada…deve estar a comer mais do que eu…e deu-lhe uma bofetada.
- Que é isso Sr. Flávio?
- Que é isso? Ainda perguntas? Então eu estou a comer mais cerejas do que a regra combinada e tu não dizes nada? De certeza tu estás a comer mais cerejas do que eu, senão ter-me-ias observado.
Sou cego, mas não sou burro.
Parabéns aos cegos que fazem da sua deficiência coisa insignificante e que se superam e superam os demais em força anímica e intelectual e em sensibilidade intuitiva, como o caso trazido neste conto.