Quando a pomba pensou

Eis que um dia a pomba estúpida que estava sentada no poste da rua Joaquim Nabuco foi atingida por um raio laser. Os Extraterrestres acima de nós decidiram fazer um experimento. As capacidades da pomba burra tornaram-se extraordinárias de repente.

Dotada dos saberes filosóficos mais profundos, de todo o entendimento da física mecânica, além de estar versada também na arte da psicanálise, a pomba pôs-se a voar. Numa situação muitíssimo privilegiada, era o primeiro animal com raciocínio complexo a poder voar com as próprias asas sobre a terra.

Na ânsia profunda pelo conhecimento, a pomba partiu em busca de compreender o ser humano. Pousou elegante no peitoril da janela de um prédio, onde funcionava uma academia. Pode ver homens suados com roupas curtas erguendo pesos. A pomba, intrigada, olhou os aparelhos em busca dos produtos gerados por eles, afinal, por que estariam os homens erguendo pesos se não fosse para produzir algo? A pomba concluiu que a finalidade dos aparelhos e do esforço humano ali não era industrial. Logo depois, pode reparar que alguns seres humanos se olhavam e faziam poses diante do espelho. Cansou-se dali.

A pomba voou, e pousou na janela de um restaurante lotado. Os seres humanos estavam sentados às mesas. Alguns se alimentavam, enquanto outros mexiam nos celulares. A pomba concluiu que os seres humanos, em sua maioria, preferiam não falar uns com os outros, e nem gostavam de se alimentar, pois pareciam tristes e apressados.

Voou de novo. Num lugar repleto de adolescentes, com paredes pichadas, grades nas janelas, lousas riscadas e de uma gritaria interminável, pode reparar em adultos berrando e pedindo silêncio. “Por que se torturam? ”, pensou a pomba. Partiu, e supôs que ninguém pudesse ficar ali por mais de uma hora. “Certamente se revezam nesse lugar, onde estão os mais perturbados”.

A pomba, outrora burra, pode perceber que a espécie humana inventou milhões de ocupações triviais para preencher seu cotidiano, e que certamente era a espécie mais aprisionada de todas. Constatou que em calçadas cheias de lixo moravam os seres humanos que estavam entediados das ocupações triviais e que, portanto, se deitavam ali aproveitando a ausência de predadores e a abundância de alimentos para dormir.

A pomba deu-se conta de que as máquinas dominavam os seres humanos, e que certamente era uma espécie muito frágil, já que se cobria com tecidos para proteger-se do frio, sem falar das casas de pedra que os defendiam do sol e da chuva.

Indignou-se com os prédios. Como podiam os homens arriscarem-se a morar em lugares dos quais podem cair e morrer? Se tivessem asas, faria todo o sentido, mas com a terra ainda tão vazia e desocupada, por que morar em torres de pedras? A pomba viu que a espécie humana procurava o perigo o tempo todo.

Sufocada pela consciência da vida, a pomba buscou consolo com seus semelhantes. Ao aproximar-se da revoada de pombas, tentou contato, mas eles a ignoraram. Apenas dedicaram-se a bicar o chão catando as migalhinhas soltas. Quando um ser humano chegava perto, suas amigas pombas voavam para longe ao menor sinal de agressividade. “Excelente estratégia”, concluiu a pomba genial. Pôs-se a imitar as colegas e encontrou seu lugar no mundo. Nada mais faria, que não fosse imitar suas colegas. Intencionalmente, a pomba jogou fora os mistérios profundos da filosofia, da física e da psicanálise que ocupavam sua pequena cabeça. Deixaria as coisas dos humanos para os humanos.

Muitos e muitos metros acima das nuvens, na nave invisível, os extraterrestres reuniram-se para discutir o resultado do experimento. Falando na língua dos ETs, o chefe deu a ordem: “fora daqui, e nunca mais nos aproximemos”. Ficaram com medo de perceber a vida como ela é, e de imitar sábia atitude corajosa da pombinha.