Moedas e sapos
Meu pai colecionava moedas. Todo tipo de moeda é interessante pra ele, e ele poderia falar por horas sobre cada tipo de moeda que se coleciona. Não me lembro dele sempre ter tido esse interesse, mas é bem provável que sim, pois ele é o tipo de cara que costuma a ter essas manias estranhas. Na verdade, prefiro dizer que as desenvolve.
Meu pai não é o tipo que só vive de trabalhar e desfrutar da vida com a família. Também gosta de se descobrir dentro das coisas que faz. São coisas pequenas e simples, mas que acabam o tornando único.
Por exemplo, algo bem único sobre ele é que ele enrola seus próprios cigarros. Sempre compra um pacote de fumo irlandês que, segundo ele, são baratos e gostosos. Lembro de uma vez que tentei fumar desse fumo. Enrolei meu cigarro sozinho – muito difícil, não sei como conseguem – e acendi. Além de aquele ser o cigarro mais feio que alguém já enrolou, tinha um gosto muito ruim, parecia o inferno. Nunca mais quis fumar depois disso.
Meu pai também adestrava cachorros, e chegou até a ganhar competições, mas não criou nenhum outro cachorro depois que eu nasci, embora sinta falta. No geral, sei que ele gosta de animais. Uma vez, ele chegou em casa com dois esquilos-da-Mongólia. Tinha decidido que seria seu novo hobby cuidar deles, mas ficou muito triste quando eles morreram — a maioria dos roedores pequenos vive pouco tempo —, e acabou abandonando a ideia.
A história das moedas, assim como todas as outras coisas, começou do nada. Um dia ele chegou do trabalho muito animado, e durante o almoço contou para mim e minha mãe sobre esse senhor de cabelos muito brancos com quem teve uma longa conversa no ônibus. O assunto entre eles começou de forma aleatória, até que começaram a falar sobre hobbies. Meu pai descobriu que o velho colecionava moedas. Ele ficou curioso com o assunto e começou a fazer perguntas, e descobriu que muitas pessoas colecionavam e também compravam moedas, e que se você tivesse paciência e sorte, podia viver só daquilo.
O que mais chamou atenção do meu pai foi o fato de que moedas atuais também eram colecionadas por causa de defeitos na fabricação. Algumas moedas, quando estavam sendo feitas, passavam por erros de cunhagem, onde algumas vezes podiam vir com o rosto da figura histórica de um jeito errado — de cabeça pra baixo, invertendo-se na horizontal ou vertical —, ou às vezes até faltando número — a favorita do dele era a de cinquenta centavos que faltava um zero, ele dizia que existiam poucas delas, e que valiam muito. Além dessas, existiam moedas que estavam saindo de circulação por serem antigas demais, moedas de anos específicos com erros específicos e coisas que, para ele, foram um prato cheio.
Na mesma tarde meu pai saiu com metade do dinheiro que tínhamos e foi em cada pequeno comércio que encontrou e trocou tudo por moedas. Quando chegou em casa, fez o que chamava de garimpagem, que nada mais era que procurar moedas com defeitos. Fez isso até a hora do jantar.
Na semana seguinte, comprou um catálogo de colecionador com o preço avaliado de todos os tipos de moedas existentes. Em parte eu estava feliz de o ver animado com algo novo, por estar fazendo amigos e indo a eventos para comprar e vender moedas. E pra bem da verdade, as moedas que ele vendia nos salvaram muitas vezes quando não tínhamos dinheiro em casa. Às vezes meu pai aparecia em casa depois de um evento com mantimentos pra dois meses seguidos, tudo com dinheiro de moedas onde o presidente olhava para cima ao invés de para o lado. Tudo parecia ir muito bem, até que ele começou com os sapos.
Meu pai acabou descobrindo pela internet que existia essa tradição chinesa chamada Chan-Chu. Basicamente, Chan-Chu quer dizer “sapo da prosperidade”, e algo é sobre essa estátua de sapo que atrai prosperidade e dinheiro. Não sei se meu pai entendeu muito bem a ideia por trás do Chan-Chu — li sobre e era uma estatuazinha de sapo que conseguia atrair prosperidade e dinheiro, desde que você a colocasse de frente pra sua porta ou onde você guarda o seu dinheiro.
O que ele acabou fazendo foi comprar uma estatueta do tamanho de um melão e para colocar na mesinha da sala, de frente para entrada da casa. Era um sapo todo dourado que ficava em cima de uma pilha de moedas. Tinha olhos de brilhantes vermelhos e na sua boca uma moeda chinesa enorme, e o sapo também usava um colar de moedas. Nas costas dele vinha a constelação da ursa menor em pedrinhas de brilhantes vermelhos. Era um sapo muito bonito e bem trabalhado, e teria sido legal ter o sapo ali — combinava com o tapete —, se tivesse sido só ele.
É como eu disse, meu pai não tinha entendido muito bem o conceito do sapo da fortuna, e acabou o trazendo pra que atraísse mais moedas e pudesse procurar pelas que o interessavam. Não acho que tenha conseguido mais moedas, nem mesmo melhores, mas sei que passou a acreditar que sapos de uma forma geral traziam sorte, e começou a comprar mais estatuas de sapo. Todo fim de semana ele aparecia com pelo menos três estatuas novas, e colocava em lugares estratégicos da casa. Ele começou a ler mais sobre os sapos, e descobriu que eles tinham que ficar em certas posições durante certas épocas do ano para que as coisas fluíssem e o dinheiro — no caso dele, moedas — viessem.
Eu acho que o fato dele se envolver com algo tão rentável como colecionar moedas junto de todo o esforço que fez acabou dando bons resultados, mas ele jurava que era tudo graças aos sapos. Tinha certeza absoluta que era tudo sobre os sapos.
Chegamos a um ponto que tínhamos mais sapos que qualquer outra coisa dentro da casa. A casa ficou parecendo um santuário de anfíbios de prosperidade. As estátuas estavam até dentro do banheiro, olhando para você quando se sentava na privada.
Mas elas não me incomodavam. Acho que teria sido aceitável viver assim, com estatuas de sapo por todo lado. Eu até gostava delas e tinha algumas no meu quarto. O problema agora foi ele ter começado a trazer sapos de verdade.
Um dia quando eu voltava da faculdade vi um caminhão de frente a minha casa. Era de uma loja de animais exóticos, e meu pai conversava com o motorista, agradecendo por alguma coisa. O homem foi embora e eu entrei em casa junto do meu pai, e tinham pelo menos dez sapos vivos pulando lá dentro. Grandes e pequenos, com a pele lisa e alguns cheios de verrugas. Também tinham sapos-boi e até um aquário com girinos. Eu acho também que vi algumas rãs, mas não sei a diferença entre rãs e sapos pra ter certeza.
Minha mãe ficou enfurecida. Arrumou as malas na mesma tarde e disse que ia passar uns tempos com minha avó que morava do outro lado do país, e só voltaria quando meu pai se livrasse daqueles sapos. Ela quis que eu fosse com ela, mas tinha algumas provas na faculdade então não ia rolar.
Conviver com sapos de mentira e de verdade não era tão difícil. Você só tinha que fechar a porta do seu quarto sempre e ter cuidado quando estivesse comendo, se não eles pulavam dentro do seu prato e ai você teria que jogar a comida fora — ou deixa-la para o sapo. Também tinha que se ter cuidado com o sal. Meu pai vivia alertando sobre como o sal pode ser perigoso para os sapos, pois deixava feridas horríveis caso entrassem em contato com sua pele.
Teria convivido com eles tranquilamente também. Sapos não incomodam tanto e sabem respeitar seu espaço. De noite eles fazem barulho, mas eu até gostava. Se não tivessem aparecido os homens-sapo, eu teria aguentado tudo numa boa.
Depois de uma semana, eu comecei a notar que mais sapos estavam aparecendo, e meu pai jurava que ele não estava trazendo mais. Eram sapos cada vez maiores e mais gordos, e eles pareciam adorar aquela estátua do sapo da fortuna, aquela com os olhos vermelhos que ele comprou. Era bem comum encontrar sapo em volta dela, olhando-a com certo respeito. Eu também podia jurar que os sapos começaram a me encarar como se não gostassem muito de mim. Um dia, quando meu pai me levava pra faculdade, ele disse que começou a ter medo dos sapos. Falou que sentia que o encaravam também, e que sentia falta da minha mãe. Resolvemos que íamos nos livrar dos sapos naquela tarde quando eu chegasse em casa.
Quando voltei no fim do dia, vi meu pai no sofá cercado por homens-sapo. Eles não eram muito altos, mas também não eram tão baixos. Ver eles foi como encontrar sapos que aprenderam a falar — não eram oradores perfeitos, mas sabiam formular frases mesmo sem conjugar os verbos corretamente — e que desenvolveram polegares. Vestiam tangas curtas de um tecido marrom, e tinham símbolos tribais pintados pelo corpo. Na verdade, poderiam ser tatuagens, mas não tenho certeza sobre anfíbios se tatuando. De toda forma, eles tinham uns tipos de lanças tribais apontadas para o pescoço do meu pai, e assim que me viram na porta me rendaram e me colocaram ao lado dele. Era bem difícil entender o que eles diziam, mas acho que era algo sobre meu pai ter servido muito bem o Deus-Sapo-Ancião, e que teríamos que ser sacrificados para agradá-lo. Perguntei se podia beber água antes, e eles se entreolharam sem saber o que dizer, mas permitiram desde que fosse acompanhado. Quando cheguei lá, corri até uma prateleira e peguei um pote de sal e joguei no homem-sapo que me seguia. Acertei bem nos olhos, ele começou a gritar e se jogou no chão. Peguei um punhado grande de sal e mandei todos os homens sapos que vieram ver o que aconteceu se afastarem. Mandei que soltassem meu pai e nos deixassem ir embora em paz. Conseguimos pegar o carro e viajamos pra bem longe, sem rumo.
Conversamos muito sobre o que fazer e decidimos que esperaríamos uns dias num hotelzinho qualquer pra ver se os sapos iam embora, já que ninguém ia acreditar que haviam sapos humanoides na casa.
Em uma manhã qualquer, enquanto eu digitava um trabalho da faculdade no computador dentro do quarto de hotel que alugamos, meu pai apareceu todo animado contando que conheceu um homem na fila do supermercado que colecionava selos, e que algumas pessoas pagariam uma quantia interessante se encontrassem uma coleção completa dos selos das olimpíadas de inverno. Me contava isso tudo enquanto despejava em cima da cama um saco de selos que comprou na rua. Talvez fosse uma de suas manias estranhas começando outra vez.