O MUNDO AVERSO - CAPÍTULO 7 – A MAGIA
CAPÍTULO 7 – A MAGIA
Zan acordou no interior da cabana da bruxa, as primeiras coisas que reparou foram os inúmeros livros e pergaminhos nas estantes, o enorme caldeirão ao lado de uma das janelas, além dos vários potes contendo várias coisas completamente desconhecidas para Zan.
A bruxa estava sentada em uma cadeira em frente ao Zan, ao lado dela estava a vassoura que usava para voar pela floresta e que emitia um som semelhante ao de uma mulher aos prantos.
- Quem bom que você acordou – Disse a bruxa
Zan olhou as feições dela mais de perto e ainda conseguia sentir a obscuridade que a cercava.
- Meu nome é Karrol.
Ao ouvir o nome dela Zan sentiu uma pontada de estranheza pelo fato de segundos antes ela ter matado de forma brutal os moradores da pequena comunidade.
- Meu nome é Zan.
- Eu sei quem você é, por isto não te perguntei. Não imaginava que aqueles imundos iriam te trazer aqui. – Disse a bruxa.
Zan ainda um pouco zonzo se lembrara de seu amigo, que fora brutalmente morto por ela.
- Você matou meu amigo, Kunin. – Disse Zan em um tom mais irritado, uma mistura de sentimentos crescia em seu interior, medo e raiva.
- Sim, para me mantar viva preciso me alimentar. – Disse a bruxa com uma voz rouca e áspera mas em um tom bem mais calmo do que antes.
- Matou para se alimentar? – Indagou Zan – Que tipo de monstro é você?
A bruxa deu uma risada rouca, olhou para os lados e fez um sinal de negação balançando a cabeça.
- Você mata animais para o mesmo fim. O que acha que vocês são pra mim?
Estas palavras fizeram Zan se remexer por dentro, pois revelavam exatamente o tipo de se que estava a sua frente, um ser frio e repleto de maldade.
- O que diabos é você?
A bruxa recostou-se ao sofá, suspirou fundo e passou sua mão suavemente pela vassoura, soltando uma palavra “Bem...”, em seguida olhou para os livros ao fundo de Zan e depois voltou seu olhar para ele.
- Eu sou uma maga, ou uma bruxa, me chame como quiser.
Zan mudou sua expressão, ficando com mais raiva do que medo e disse:
- Então você acha isto certo? Matar pessoas como você para se alimentar?
A bruxa fez uma expressão séria e triste, mostrando para Zan uma inconsistência emocional muito grande, ela esfregou suas mãos e continuou falando:
- Eu estou viva a mais de duzentos anos meu caro, me entreguei a um tipo de magia voltada para o lado obscuro, ganhei tempo de vida e também sede por sangue.
Os olhos de Zan se arregalaram, ele não conseguia disse mais nada, apenas continuou a observando enquanto falava.
- Uma magia para a longevidade tem um alto custo, me arrependo disto, mas nada posso fazer e eu prefiro viver do que morrer.
Zan refletiu sobre o que ela disse, ele não gostava da ideia de ela viver a custa de outras vidas, ele sabia bem o pesar de uma vida humana, ele havia perdido sua família inteira para alguns bárbaros que invadiram sua vila.
- Você acha certo isto? Eu preferiria morrer – As últimas palavras foram ditas em um tom mais alto por Zan.
A bruxa o olhou com um ar de serenidade e continuou.
- O que você pensa que os humanos são? Eu vejo em seu interior o que você pensa, vejo o conflito dentro de você em não saber em quem confiar.
A bruxa estalou os dedos e a fogueira logo atrás dela acendeu imediatamente.
- Você perdeu muitos há pouco tempo, pensa que conseguira justiça no reino, mas esta enganado.
- Por que diz isto? – Questionou Zan.
- O rei não se preocupa mais com o reino, uma guerra por uma mina de ouro na divisa do seu reino com o de outro reino chama mais sua atenção, uma disputa para saber quem ficará com aquelas riquezas.
- Uma guerra? – Zan nunca havia ouvido falar disto. – Não estamos em guerra.
- Claro que estão. – A bruxa riu. – Mas vocês não perceberam por viverem demasiadamente longe e serem insignificantes para o reino.
- Impossível. – Disse Zan.
- Deixe-me lhe mostrar.
A bruxa pegou um pote que estava ao seu lado em cima de um baú, o abriu e retirou uma espécie de olho esquisito de algum animal que Zan não pode identificar, o olho tinha duas listras negras em seu meio, em seguida o espremeu em frente a Zan e um feixe de luz saiu cegando Zan.
Zan só via um branco como um leite a sua frente, logo a as imagens foram aparecendo e ele pode ver que já não mais estava junto à bruxa em sua cabana, ele estava em uma espécie de sala enorme, com uma enorme mesa no centro e vários cavaleiros sentados nela, eram cavaleiros reais, eles estavam conversando e à medida que a imagem ia se tornando mais nítida ele podia ouvir o que estavam dizendo. As palavras eram soltas e dizia “A guerra, precisamos vencer”, outra voz dizia “Mova todas as tropas para o leste” e uma mais nítida disse “Precisamos atacar primeiro”. A imagem sumia novamente e uma nova ia se formando, desta vez Zan pode ver uma cena de guerra devastadora, soldados lutando em frente a uma montanha, vários mortos espalhados pelo chão, sangue para todos os lados e flechas de fogo que ainda voavam pelos céus.
Um novo brilho intenso de luz e Zan estava de volta em frente à bruxa.
- O que foi isto?
- Isto é o que esta acontecendo agora, muito longe daqui. – Disse a bruxa.
- Impossível, só pode ser uma magia de ilusão – Falou Zan em um tom de indignação.
- Não é nada disto é a pura verdade esta é a sua realidade nua e crua.
Zan pensara que se realmente houvesse uma guerra o rei teria menos preocupação em expulsar os bárbaros que tomaram conta da sua vila.
- Ainda assim preciso ir lá, alguém deve me ajudar.
- Ninguém irá lhe ajudar. – Rindo com o canto da boca disse a bruxa.
Zan se sentia mal por ter visto aquelas imagens, ele não queria se envolver em outra cena de desgraça, destruição e morte, como ele vivenciou em sua vila. Foram anos pacíficos vivendo onde nasceu, sem guerra, em paz com as pessoas e a natureza, os sentimentos de cuidado com o próximo eram alimentados nela diariamente e ele sabia que se envolver em uma guerra poderia o fazer perder suas convicções.
Contudo, não haveria outra maneira de expulsar os bárbaros, que eram para Zan humanos cruéis, com pura maldade em seu coração, que vieram a sua vila, matando, estuprando e espalhando caos e terror, como se para eles fosse algo completamente natural.
- A verdade meu caro é uma só, os humanos são ruins por natureza, não há como mudar isso neles. – Disse a bruxa. – O que eu vi naquelas pessoas que viviam naquela comunidade, era o interesse pela magia, eu achava que se eles tivessem contato com a magia eles poderiam enxergar o mundo de uma forma diferente, assim como eu enxerguei, mas ao invés disso se isolaram, procriaram e começaram a guardar segredos para si, pelo menos ajudam a me alimentar e me manter viva.
A bruxa então se posicionou mais a frente ainda sentada, encarando mais seriamente Zan continuou dizendo:
- Mas você, você é diferente.
Zan sentiu um frio percorrer seu corpo, como nunca antes havia sentido.
- Você não quer nada, você acha que sente algo, mas não sente, tudo que diz é completamente vazio, pois você é o próprio vazio.
As palavras que Zan ouvira o fizera se remexer por dentro, ele se sentia feliz triste e com raiva ao mesmo tempo, ele não sabia o que estava acontecendo com ele.
- Eu vou lhe dar algo, que lhe será muito útil quando despertar para a realidade.
- Me dar algo? – Disse Zan.
- Sim, vou lhe dar a Magia. – A bruxa se levantou e andou até a estante de livros, começando a remexê-los e procurar por algum em específico, quando achou o pegou e sentou-se novamente de frente a Zan. – Este aqui.
-A bruxa abriu em uma página e começou a ler para ela, parecia refletir sobre o que estava escrito, mas logo continuou a falar:
- Como sabe neste mundo poucas pessoas possuem afinidade com a magia que cerca nosso cosmos, mas a maioria das pessoas não nasce com essa afinidade e são humanos comuns. – A bruxa olhou fixamente para Zan. – Mas existe uma maneira de tornar uma pessoa comum em um mago.
- Pode parar. – Gritou Zan. – Eu não desejo por isto, nem queria estar aqui. – Zan se enraiveceu e começava a se agitar na cadeira. – Por que eu? Por que tenho que passar por isto?
A bruxa simplesmente o ignorou e se levantou, começará a andar de um lado para o outro e falava mais alto como se estivesse pensando no que iria fazer.
- Os magos tem afinidade com os elementos fogo, água, vento, terra e outros. Às vezes de maneira sutil com menores partículas e estes podem se tornar curandeiros ou lidarem com coisas mais frágeis e outros com maiores partículas, que podem fazer magias mais escandalosas.
A bruxa parou em frente a Zan, agachou e o fitou nos olhos , logo disse:
- Mas existem magos que vão muito além disto, eles conseguem se comunicar com outras dimensões, com outras criaturas e as invocar.
- Me deixe em paz. – Disse Zan enquanto se encolhia em seu assento ainda sentindo um arrepiou na espinha.
- Existe uma criatura que pode ser invocada e ela permite que o ser humano faça sua conexão com a magia, uma espécie de verme que se não controlado corretamente pode até mesmo consumir a pessoa que o hospeda.
- Eu não quero nada disto, a magia sempre fora tida como algo ruim, por isto os magos se organizaram para evitar que as pessoas a usassem para guerra. – Disse Zan.
- Exato, mas por quê?
Zan sentiu as palavras da bruxa, por um segundo parou e pensou sobre a era chamada O Fim da Magia, onde como ele disse a magia fora proibida em todo continente para ser usada na guerra, mas os motivos que levaram a este fim ele conhecia, mas ele esteve ocultando isto dentro de si.
- Por que as pessoas, digo, os humanos comuns, estavam se aproveitando...
Antes que pudesse terminar a bruxa o interrompeu:
- Exato, os humanos dominavam os magos e os usavam como armas de guerra. Vendo isto os magos se uniram apenas para se protegerem dos humanos, criando um exército próprio e aprimorando seus poderes. Sabe como sei disto?
- Hum... não? – Disse Zan a olhando com um ar de estranheza.
- Pois eu estive lá, há duzentos anos quando isto tudo aconteceu.
Zan ficou supreso com o que lhe fora revelado, mostrando algo ainda mais bizarro do que tudo que ele já havia ouvido até então. Ele sentiu o pesar daquilo, o egoísmo humano era algo que ele não compreendia bem e pela primeira vez dentre as falas da bruxa Zan compreendeu, fazia sentido, mas ainda assim ele estava com uma mistura estranha de sentimentos em seu interior, ele não sabia como lidar com aquilo.
- Enfim, terei que lhe fazer dormir agora, pois todo o processo poderá ser doloroso se estiver acordado. – Disse a bruxa.
- Mas eu não quero. – Disse Zan. – Eu não sei por que isto esta acontecendo comigo, por que tanta desgraça recai sobre mim. – Zan começara a chorar, até então ele havia segurado ao máximo, mesmo confuso sobre suas emoções, mas agora ele desabara e não sabia mais o que dizer só se remexia na cadeira e sabia que nada poderia fazer.
A bruxa então falou novamente as palavras “Ihn Dixx Nhuen” e novamente Zan apagou.
Zan acordou no dia seguinte em meio a mata da floresta, ele se levantou desesperado e sentiu algo de estranho no rosto, ele passou sua mão mas não sentiu sua pele, mas sim, sentiu algo frio e liso, ele logo se levantou cambaleando, olhou para os lados e no canto avistou uma pequena poça de água, logo se aproximou para olhar para si no reflexo e o que viu o deixara apavorado. Ele usava uma máscara branca sem expressão no rosto, ele colocou os dedos na boda e a tentou arranca-la fazendo o máximo de força possível, mas a máscara não saia, ele gritou de desespero e durante algum tempo ainda tentava tirá-la.
Sua voz ecoou por dento da mata, ele então deitou no chão e rolava no solo lamacento, também esperneava de agonia em pensar que aquilo estava preso em seu rosto e não conseguia tirar, logo parou de se agitar, lágrimas escorriam pela sua máscara branca, ele se levantou e então viu um pequeno livro no chão, que estava próximo de onde ele havia acordado, se aproximou e o pegou. Ao abri-lo uma carta caiu no chão, Zan a pegou e a abriu e começou a lê-la:
“Não se preocupe a máscara não irá sair, ela sela o verme dentro de você que permite que agora você execute magias, além disto, caso pensa que a pode tirar, devo avisá-lo que ela esta ligada a sua força vital, remove-la significa que ira morrer, mas de qualquer forma ela foi feita por mim para não ser removida”.
Zan virou a carta e ainda tinha mais algumas coisas escritas:
“O livro contém ensinamentos básicos de como usar a magia, acredito que será muito útil.”
“A sim, não me procure, pois não irá me achar.”
Zan jogou a carta no chão e pisou em cima com toda a força que tinha, pegou o livro e pensou em arremessa-lo para longe, mas inconscientemente ele simplesmente parou, abaixou o livro e olhou para cima soltando um grito forte, gastando toda a força que tinha nos pulmões.