UM LUGAR DESCONHECIDO

O velho Egídio passava a maior parte do dia no porão escuro e mofado de sua casa. Ali ele consertava diariamente vários relógios, a cada dia a demanda só aumentava, ele era um grande especialista na área de relógios, consertava todos. Embora a idade avançada, seu trabalho era excelente, talvez até melhor de muitos que estivessem mais novos.

Os finais de semana na casa de Egídio eram os mais agitados, isso porque seus netos, Teresa, Vitório e Júlio, sempre iam para lá levar uma alegria para ele, gostavam muito do avô. Júlio era o mais curioso da turma, ficava rodeando os relógios do avô no porão.

- Júlio, já te disse que eu não gosto de entrem aqui no porão, esse é um lugar sagrado pra mim- diz o velho Egídio segurando uma lanterna de luz fraca iluminando o local.

- Vovô, o senhor está ai? – indagou Júlio com a voz assustada.

- Vamos embora logo.

- Eu não estou fazendo nada de mais vovô, apenas olhando.

- Já olhou demais, agora suba. Acabei de preparar um lanche lá na cozinha, creio que não quer ficar sem uma fatia de bolo de cenoura não é?

- O senhor disse... Bolo?... De cenoura? – disse Júlio estatelando os seus olhos – Porque o senhor não disse antes? – continuou o garoto.

Egídio sorria enquanto assistia o neto subir correndo as escadas velhas de madeira. Ele sabia que a melhor maneira de tirar o neto dali era com o bolo que ele mais preferia.

- Pela sua cara, o bolo parece estar bom não é?

- Delicioso vovô.

Os três netos de Egídio estavam sentados em volta da mesa de mármore se fartando das regalias que o avô oferecia em seu humilde lar.

Júlio sabia que naquele porão, em meio a algumas velharias, poeira e os relógios de seu avô, ainda existia algo mais.

Mais tarde, ao entardecer, quando o sol já estava se despedindo para dar lugar à lua, Egídio tirava o seu precioso sono da tarde. A oportunidade perfeita para entrar novamente no porão pensava Júlio. Porém existia um problema, seu avô andava com a chave do porão pendurada no pescoço. Sim, no pescoço. Talvez já houvesse notado a tamanha astúcia e esperteza de seu neto.

- Como vou pegar aquela chave? – pensava ele enquanto Egídio roncava na cadeira de balanço que ficava na varanda.

Não tinha outro jeito a não ser se arriscar.

Lentamente se aproximou da cadeira que rangia. Bem devagar foi tirando a chave. Quando essa estava prestes a se soltar Egídio da um forte suspiro e a chave cai no chão, fazendo barulho.

- Ora Sebástian, é você? – resmungou e voltou a cochilar.

Sebástian era o gato de Egídio.

Já com a chave em sua mão, Júlio poderia entrar no porão e sanar de vez a sua curiosidade. E lá foi ele.

Acendeu uma vela e entrou. Com cuidado desceu as escadas. As teias de aranha faziam parte de seu caminho e com uma das mãos tirava elas de seu rosto.

- Atchim! – espirrou Júlio. Aquele porão parecia não ser limpo há décadas, a quantidade de poeira era notória. O neto nunca entendeu o motivo do avô ficar trabalhando naquele lugar.

Júlio vasculhou tudo, ficou atento a cada detalhe e percebeu que no alto de um grande armário de madeira marfim havia um lindo relógio, daqueles antigos, com detalhes dourados, era lindo. Parecia nunca ter sido tocado, chegava a brilhar. Com a ajuda de uma escada, o menino conseguiu apanhar o relógio e o levou até um dos quartos.

No dia seguinte Egídio deu falta daquele relógio.

- Júlio, diga onde está.

- Onde está o que vovô? – disse Júlio.

- Não me faça de bobo. Eu sei que estou velho mais minha memória ainda anda muito boa.

Do sofá bege da sala, Teresa e Vitório assistiam Júlio ser confrontado por mais uma de suas travessuras.

- Desculpas vô, mas eu só queria...

- Eu não quero que você mecha em nada Júlio, nada. Quantas vezes mais eu vou ter que dizer isso?

- Eu só quero saber por que o senhor não meche nesse relógio.

- Ele é especial, não pode ficar em qualquer lugar. É muito perigoso.

- Perigoso? Por quê?

- Pare de fazer perguntas ao vovô Júlio – disse Teresa.

- Isso mesmo, escute Teresa e fique quieto. Amanhã de manha vou pedir que seus pais busquem vocês aqui, desse jeito não vou conseguir trabalhar, tenho muitas encomendas.

Depois da sopa, todos foram se deitar, menos Júlio que ficou até mais tarde na sala vendo a chuva de caia do lado de fora.

- Vovô?! – disse Júlio batendo na porta do quarto.

- Ainda não foi dormir menino?

- Eu queria conversar com o senhor, pedir desculpas.

- Tudo bem, agora vá dormir.

- Não vovô, ainda não terminei. Eu quero saber de tudo.

- Tudo o que?

- Aquele relógio. O senhor disse que é especial e perigoso.

- Você não vai mesmo se aquietar enquanto não souber de tudo não é? – sorriu Egídio.

Os dois foram em direção ao porão onde o avô começou a contar toda a história para o neto.

- Este relógio pode te transportar para onde você quiser e no tempo que desejar meu caro neto.

- Sério? Isso é demais.

- Pode ser uma experiência muito boa, mas como já disse antes, também é muito perigoso.

- O que pode ser perigoso numa aventura dessas vovô?

- Não se engane Júlio. Por trás de toda aventura sempre se esconde um grande perigo.

O garoto estava fascinado com a história que estava ouvindo. Já imaginava mil coisas em sua cabeça, lugares e coisas diferentes que podia conhecer.

- Agora que já sabe de tudo, volte a dormir e esqueça essa história de uma vez por todas.

- Onde o senhor conseguiu esse relógio vovô? – insistiu o menino.

- Isso você não deve saber.

- Tudo bem, agora eu quero saber como faço pra ser transportado para algum lugar, quero me aventurar logo, vou correndo acordar Vitório e Teresa.

- Não! Isso não é um brinquedo! – advertiu.

No dia seguinte, após a forte chuva da noite anterior, o sol se abriu logo cedo.

- Não demorem muito com o café, logo seus pais estarão chegando.

O menino Júlio não conseguia pensar em outra coisa senão na história que seu avô havia lhe contado na noite anterior.

Algumas horas depois as crianças despediram-se do avô e foram embora com os seus pais.

Em seu quarto, Júlio desembrulhava algo rapidamente. Era o relógio de seu avô. Sem que ele percebesse, conseguiu legar consigo o relógio. Estava prestes a entrar em novo mundo, só não sabia como, não tinha instruções. Recorreu ajuda de livros, mas foi em um site de pesquisas que encontrou a solução.

Quando menos se deu conta já estava mergulhado em um mundo totalmente desconhecido.

- Que lugar bonito, colorido – disse ele sentado em uma grama verde.

- Quem é você? – alguém perguntou.

Ao virar-se para trás o garoto se deparou com uma criatura peluda, de orelhas grandes, rosto humano, pés de coelho e mãos com quatro dedos. A princípio se assustou.

- Me chamo... – Júlio parecia ter perdido a fala.

A criatura esquisita rodeava o menino e o analisava minuciosamente.

- Acho que você é um humano – concluiu.

- Sim, sou um humano – afirmou o garoto. Já você, o que é exatamente? – continuou.

A criatura abaixou a cabeça e sentou-se no chão. Júlio pode ver que estava chorando.

- Oi, o que foi? Está chorando? Eu disse algo que não devia? – questionou o menino.

- Eu era um do seus menino. Depois que vim parar aqui nunca mais fui o mesmo e me transformaram nisso aqui que você esta vendo.

Júlio ficou calado.

- Você não tem medo de mim?

- Medo? Eu? Acho que não.

- E como veio parar aqui? Isso aqui não é lugar pra você.

- Esse lugar é tão bonito, eu estou encantado, quero conhecer tudo por aqui antes de voltar para casa.

- Voltar?

- Sim.

- Não existe saída aqui menino.

Novamente Júlio se calou e por um momento se lembrou das palavras de seu avó: “...por trás de toda aventura se esconde um grande perigo”.

Luccas Nascimentto
Enviado por Luccas Nascimentto em 09/12/2017
Código do texto: T6194575
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