O som da morte
Os fuzis tremiam diante dele, projetando sombras dançantes pelas paredes brancas que desciam suavemente até o piso de madeira laminado. A luz forte do laboratório os fazia suar.
Uma mosca pousou no nariz do garoto que estava sentado na cadeira elétrica e caminhou até os seus lábios sem ser incomodada, pois seu rosto permanecia imóvel sem se importar com ela. As mãos e os pés estavam presos por placas de metal, que substituíam as tiras de couro, e o apertavam a ponto de deixar a pele vermelha.
– Vai ficar tudo bem, não se preocupe... Será rápido e indolor. – Garantiu-lhe o seu pai, um químico da alta sociedade.
Os policiais invadiram a casa momentos antes, dizendo que um dos amigos poderosos do doutor ficou sabendo de suas aflições e os enviara para resolver a delicada situação. Porém ele os convenceu que a morte do filho não era necessária e que poderia curá-lo. Os policiais aceitaram a proposta somente se tivessem a garantia que, se algo desse errado, eles poderiam remediar o problema.
A luz da lua penetrava no laboratório pelas grandes janelas da mansão, fazendo os tubos de ensaio, com diversas soluções, cintilarem acima dos balcões. O químico pegou um tubo e uma seringa, puxou um pouco do líquido que repousava no recipiente, e depois bateu levemente na agulha com o dedo médio, experimentando-a antes de usa-la, espirrando um pouco da solução.
Aproximou-se do filho e sussurrou no seu ouvido.
– Não vai doer. Amanhã você será igual a todo mundo, perfeito.
O coração do garoto batia no ritmo de uma bateria de heavy metal num show lotado, o suor escorria em abundância pela face vermelha, que se assemelhava a cor dos pulsos pressionados pelo metal.
– Eu já sou perfeito! – Explodiu em um vendaval de fúria e ódio velados até aquele momento.
Os olhos do garoto se dilataram de forma violenta, como se fosse o próprio Big Ban em minúscula escala. Os músculos se alargaram de tal modo que pareciam estar sobre o efeito de milhares de esteroides que agiam simultaneamente naquele exato minuto, e pelos pretos, como a de um lobo, sobrepujaram a pele pálida do garoto.
Por fim, as inofensivas unhas humanas se transformaram em poderosas garras.
O médico tentou aplicar-lhe a injeção, mas quando a agulha entrou em contato com a pele, ela se quebrou do mesmo jeito que um frágil pedaço de vidro se quebra ao cair no chão. Ele se livrou facilmente das placas de metal que o prendiam a cadeira, e os policiais, tomado pelos instintos animais que superavam a razão em momentos de medo e pânico, fizeram o que tinham que fazer, e atiraram no lobisomem, talvez se as armas continuassem caladas, as tragédias não teriam acontecido, entretanto elas cantaram o som da morte, e o médico, que não havia se distanciado suficientemente do alvo, sentiu o seu corpo balançar freneticamente, espirrando sangue morno. Cravado de balas, apoiado nos braços do filho, ainda conseguiu sussurrar.
– Eu só queria salvá-lo...
As balas não perfuraram a pele do lobisomem, e da criatura um uivo ecoou pela noite de lua cheia, a lágrima escorreu do canto dos olhos e caiu sobre o corpo que ele abraçava contra o seu peito com toda a força do mundo, a pessoa que ele mais amava agora partira para o Mundo dos Mortos.
Os policiais se encontravam estáticos, admirados pelo amor contido naquele ser sombrio, um erro grave que não se pode cometer quando se desafia um sentimento como este.
Colérico, o lobisomem se lançou contra os policiais, que se puseram a correr desesperados pela mansão. Porém os saltos dele podiam cobrir grandes distâncias, e como uma criança raivosa com seus brinquedos, os lançava para todos os lados e decepava as miúdas cabeças com as poderosas garras.
Quando terminou o serviço, se viu na sala de estar, entre a porta ricamente detalhada e as duas escadas que davam para o andar de cima, o piso laminado de madeira ganhara um destaque a mais com o sangue morno e os corpos destroçados dos policiais.
Justiça, vingança, chame do que quiser, mas ao menos nesta noite o animal irracional não fora ele.
– Mundo dos Mortais