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SOBRE O CONVÉS...
 
      O mar era infinitamente azul naquela noite. Serenamente perdia-se no horizonte. O mesmo horizonte onde se perdia também o olhar de Maria Teresa, depois que saira de sua cabine. Sua alma era um oceano. Dias de tempestade. Dias de calmaria. Aquela era uma noite de calmaria. No mar, porque na sua alma, apesar de sua aparência serena, havia vagas inquietas. Mas era uma inquietação diferente daquelas que sempre costumava sentir em sua vida. Era a inquietação diante de uma aventura que estava porvir.
      Poetisa que era, havia se acostumado a se aventurar nas palavras que a levava sempre ao mundo dos sonhos. Das ilusões. Aventurara-se, inclusive a escrever poemas sensuais e eróticos.  O fato é que vivia naufragada nessas vagas poéticas e, por isso, um pouco longe da realidade. Agora era diferente. Tinha deixado seus poemas para trás. Em algum escaninho. Tinha deixado, inclusive, Cecília Meireles, marcada pela metade. Nem terminara ainda essa maravilhosa edição de ouro, mas precisava fazer as malas. Talvez porque no fundo quisesse sentir o quanto antes a essência que sua poetisa preferida havia deixado impregnada em suas poesias. Cecília era feita de água. Da água do oceano. Era tão evidente em teus versos. Ficou se lembrando do último poema que lera ainda naquela manhã antes de fechar as malas. Havia decorado inclusive as primeiras estrofes porque parecia que lhe cabia tão certinho. Caminhando devagar até o convés ia declamado:
 
“Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
 
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas. ”...
 
       Mas o fato é que tudo agora era real, embora contornado de poesia. O mar bem ali diante de si convidando-a mergulhar em suas águas... Foi tudo que sempre quis. Foi por isso que, depois de conversar longamente com o Mestre Jacó resolveu subir ao convés para olhar o mar dali e as estrelas. Gostava de conversar com o mestre Jacó. Aprendia tanto com ele. Ele escrevia sonetos tão cheios sabedoria. Ele olhava a vida de outra forma. Acreditava, inclusive que aqui na terra a gente ia evoluindo nossa alma. Ler e conversar com ele era uma forma de evoluir sempre. Tudo que escrevia, além de belo, era reflexivo. Lembrou-se de um de seus sonetos: “REVELAÇÃO”, cujo primeiro terceto marcou-a profundamente. Mentalmente lembrou-se dos versos:
 
“Percorrer trilhas, vencendo obstáculos,
Seguindo o exemplo de quem fez antes...
Espelhar-se em Jesus, o cristo atuante...”
 
       Tudo que tinha feito até agora era percorrer trilhas e vencer obstáculos, tentando espelhar-se em Cristo.  O fato é que, evoluía com mestre Jacó.
          Quando chegou ao convés percebeu que não estaria sozinha ali. Alguém se adiantara, ou tivera a mesma idéia que ela. Era Ju, aquele moço a quem presentearam com uma passagem nesse cruzeiro. Estava lá deitado num monte de cordas e parecia contar as estrelas. Será que era também um sonhador como ela? Ouvira falar sobre ele. As meninas do navio falavam muito dele. Inclusive que era virgem. Abriu-se num leve sorriso ao se lembrar das fofocas. Ju sentou-se quando a viu aproximar. Ele estava sério. Mas Maria Teresa sorria levemente, de um jeito meio enigmático. Ela nunca se mostrava realmente. Agora, por exemplo, não se sabia se o sorriso era de fato enigmático ou crítico. Na verdade ela só se despia realmente quando escrevia. Gostava de escrever poemas de amor e alguns até mais picantes.
          Caminhou lentamente e sentou-se ao lado de Ju que ficou olhando-a um tempo. Ela riu. Ele riu. Soprava um vento ameno e suave como uma carícia quando Maria Tereza lhe perguntou quase que num ímpeto. - É mesmo virgem? Acho que não acredito nisso. Ju não respondeu e abaixou a cabeça. Ela riu longamente. Depois ficou séria. Não queria deixar Ju sem jeito. Até porque não era dessas pessoas que se alegra com a desgraça alheia. Desgraça? Não, não... Achava tão linda a virgindade. E um absurdo essa coisa de as meninas a perderem com qualquer um ou como se fosse um objeto qualquer. Para os homens, claro, já era meio estranho, pois a sociedade sempre fora um tanto machista. A cultura se impregna de alguma forma nas sociedades e nem as modernidades são capazes de arrancarem sua raiz. Por isso ainda se cobrava essa coisa de macho num homem.  Homem tem que galinhar. Mulher não. A própria mulher cobra isso do homem. Não era o que estavam fazendo as meninas do navio a respeito do caso Ju? Por isso disse a ele – Não me leve a sério Ju. Isso é problema seu. Mas confesso que isso deixa a gente meio excitada sabe? 
         Ju desviou os olhos e olhou o mar. O mar era a desculpa. Ou era a resposta. Ainda bem que ele estava ali para salvar o Ju. Maria Teresa também ficou por instantes pensativa e depois lembrou como conhecera alguns escritos de Ju no Recanto. Fazia algum tempo.  Tinha uma amiga trovadora, também de Minas e ele estava sempre lá na sua escrivaninha com seus comentários brincalhões. De alguma forma seu jeito a incomodava. Foi à sua sala e descobriu que ele também era um trovador. Leu, leu... Outro dia voltou e resolveu deixar um comentário. Rapidamente ele retribuiu a visita e deixou seus comentários. Gostou muito. Ler o que escrevia a deixava mais solta. Maria Teresa era uma pessoa muito introspectiva. E foi assim lendo seus contos que se aventurou a alguns mais picantes.
           Agora estavam ali, sentados juntos olhando as estrelas. Ora conversavam. Ora ficavam calados. Maria Teresa nunca imaginara que um dia fosse conhecer Ju pessoalmente. Até chegara a pensar que ele fosse um bicho do mato. Mas descobrira que Ju era uma pessoa muito sensível. Um poeta sensível e um escritor incrível.  E virgem... Riu novamente. Mas agora de um jeito travesso. Ela às vezes era travessa e até brincava com fogo.  Tanto brincava que quando o vento soprou levemente trazendo o olor da maresia, levantou uma das mãos e tocou o rosto de Ju levemente. A noite em alto mar é mágica. Extremamente mágica...
           Assustada com o rumo dos acontecimentos levantou-se rapidamente dizendo que ia embora. Não queria aproveitar-se de Ju. Mas o fato é que ele a atraia com aquele jeitinho tão desolado. Pedinte... Ju abriu a boca -Não se vá... Maria Teresa nem olhou e deu dois passos. Depois parou.
        No horizonte uma estrela cadente varreu o céu e pareceu cair em algum ponto do mar. Maria Teresa olhou para trás e como uma menina travessa caminhou de volta até Ju. Ficou olhando para ele por um segundo, e, decidida, beijou-lhe suavemente os lábios... Depois se virou e sem ao menos olhar pra trás desceu o convés rumo a sua cabine.
          O mar esta calmo naquele momento. E Ju?
 





(Oi amigos, esse é um conto de ficção inspirado na viagem proposta pelo amigo Trovador das alterosas. apenas uma interação aos seus últimos capítulos)