O Futuro Rei - Revisado

O Futuro Rei

- Falta muito para chegarmos em Kelliwic? - durante dois dias, o que meu irmão adotivo mais fez foi se queixar e reclamar. Eu lembrei-o uma vez mais que ele só veio comigo porque insistiu, e porque me pegou escapando em silêncio, à noite, de nossa casa. Mesmo assim, ele não se calou.

- Por que Merlin não veio conosco? – Era preocupante a influência de Merlin sobre meu irmão, na verdade sobre todos nós. Ele havia surgido em nosso castelo, ninguém sabe vindo de onde, e anunciado que seria nosso mentor, meu e de meu irmão. No início, nosso pai não quis permitir, mas uma demonstração dos poderes mágicos do feiticeiro foi o suficiente para convencê-lo que era melhor fazer suas vontades.

- Acho que Merlin não acredita que vou conseguir tirar a espada da pedra –respondi, pensando na conversa que tive com o feiticeiro, antes de partir para Kelliwic - Ele vai aparecer quando eu tiver a espada, você vai ver.

Nós seguimos pelo caminho, meu irmão ora a se queixar, ora a fazer perguntas que eu não saberia responder. O primeiro dia de jornada havia sido tranquilo, mas depois que pegamos a estrada de Kelliwic as árvores foram ficando cerradas, a estrada mais deserta, e meu irmão mais e mais nervoso.

- Você disse mesmo para Merlin que vai ser Rei da Inglaterra? – meu irmão me perguntou, reiniciando sua conversa, mais para se acalmar, eu suponho. Nunca havíamos viajado para tão longe de nosso castelo.

Eu fingi que não o ouvi. Responder só iria encorajá-lo a continuar sua interminável lista de perguntas. Mas me vi lembrando minha conversa com Merlin.

* * *

- Feiticeiro, descobri qual será meu destino! - Eu cheguei ofegante, o fôlego me faltando depois de subir correndo as escadarias que levavam a sua torre, no alto de nosso castelo, naquele que foi o último dia antes de minha jornada para Kelliwic.

O mago olhou para mim, sem demonstrar surpresa. Sua mão direita percorreu a longa barba branca. Seus olhos, penetrantes e misteriosos, me olharam de alto a baixo. Ele sorriu, mas só um tolo veria alegria em seu rosto.

- É mesmo, jovem aprendiz de cavaleiro? Deixe-me adivinhar – ele fingiu estar pensando – Descobriu que seu destino é ser um cavaleiro?

- Meu destino é ser o Rei de toda a Inglaterra. – Minha tentativa de causar impacto caiu no vazio. Novamente, sua única reação foi mover calmamente a mão pela sua barba.

- Um destino interessante, sem dúvida. E como foi esta descoberta? Sonhou com um palácio ou um trono, e acordou acreditando que se tornaria Rei?

- Não, eu apenas descobri o que fazer com os poderes que me ensinou a usar.

- Ah, sim, o poder que despertamos em você na nossa última aula. De fato é raro seu poder de falar com objetos inanimados. – Senti um calafrio percorrer meu corpo ao me lembrar da faca que falou comigo, como uma voz em minha mente – E pretende se tornar Rei com este poder? Se contar a alguém, é mais provável que acabe em uma fogueira que em um trono.

- Não, feiticeiro, não pretendo contar a ninguém. Pretendo usar meu poder para falar com Caledfwlch e descobrir como cumprir a profecia e me tornar Rei. Foi para isto que você veio me ensinar, não? Você disse que eu teria um grande destino, e que você me ajudaria a alcançá-lo.

- Eu disse que alguém nesta casa teria um grande destino, não que seria você. E certamente não vim para ajudá-lo a puxar uma espada cravada no chão.

- Caledfwlch é mais do que isto, feiticeiro. Ela é a espada da profecia. Com ela nas mãos, e você ao meu lado, eu posso sim ser o Rei da Inglaterra.

- Sim – o feiticeiro concordou, balançando a cabeça, pensativo – sim, creio que você poderia se tornar o Rei. É até possível que tirar Excalibur da bigorna e da pedra seja de fato seu destino. Mas não espere minha ajuda para isto. Eu não vi um futuro em que guiá-lo em seu reinado seria o destino de Merlin.

E assim, foi sozinho, ou pelo menos teria sido se meu irmão não tivesse me seguido, que fiz a jornada em direção a Kelliwic, para tirar Caledfwlch de sua bigorna, e cumprir a profecia de me tornar Rei da Inglaterra.

* * *

- Veja - ao chegarmos a uma curva na estrada eu apontei para o alto de uma colina, para o castelo agora visível - Ali está o castelo de Kelliwic, ou melhor, as ruínas dele.

- Uau - meu irmão nunca havia visto um castelo, e eu tinha que admitir que, mesmo em ruínas, era uma edificação impressionante. - Quem o construiu?

- Ninguém sabe. Alguns dizem que foram os romanos, alguns dizem que o castelo já estava aqui antes mesmo deles. Mas ninguém mais vem aqui desde que o Rei Uther morreu. Ninguém exceto quem, como nós, busca retirar Caledfwlch da bigorna e da pedra.

Mais algumas milhas e chegamos às ruínas do castelo. Em seu pátio central estava Caledfwlch, a espada que Merlin chamou de Excalibur, a lendária arma do grande Rei Uther. Com um gesto, eu indiquei para meu irmão aguardar, e caminhei até a espada.

Respirei fundo uma, duas, três vezes, e então segurei a espada com minha mão direita, e neste instante, levado por uma magia como nunca vi igual, me encontrei em outro lugar, em outro castelo.

- Onde estou? - eu apenas pensei, e então ouvi uma voz em minha mente, a voz de Caledfwlch. E a voz me respondeu com apenas uma palavra: "Camelot".

Imagens passaram por mim, como se eu estivesse sonhando. Não, como se estivesse lembrando um sonho há muito esquecido. Eu me vi como Rei, e abri um sorriso ao pensar que meu desejo era agora realidade. Mas meu sorriso se fechou no instante seguinte.

Eu vi a mulher mais linda de todas. "Gwenhwyfar", a voz da espada ecoou novamente em minha mente. E vi ela fingir me amar, apenas para me trair com meu mais valoroso cavaleiro.

E vi um filho nascer, se tornar homem, e então se voltar contra mim e me enfrentar em batalha mortal. Eu o vi morrer.

Vi camelot cair, vítima de traições. Vi meus cavaleiros se perderem na busca de uma relíquia sagrada. Mais e mais imagens eu vi, imagens de tragédias e morte.

Eu fechei os olhos, abri-os, e estava novamente nas ruínas de Kelliwic, a espada ainda em minha mão, ainda cravada na pedra. Eu pensei nas tragédias que me aguardavam, e então me lembrei das palavras de Merlin, e de por que ele não me acompanhou.

- Espada - eu falei apenas em minha mente, sabendo que Caledfwlch podia me ouvir - Diga-me como você pode ser tirada da bigorna e da pedra.

- Nomeie meu mestre, e ele, somente ele, poderá me empunhar.

- Eu nomeio seu mestre - no momento que disse isto, em pensamento, um vento forte começou a soprar, vindo de lugar algum - e seu mestre é e sempre será Arthur, que se tornará Arthur Pendragon, descendente por direito do Rei Uther.

- Esta feito - a voz da espada ecoou uma última vez em minha mente, e então se silenciou. O vento cessou. Nada se moveu.

Eu respirei fundo, só então percebendo que havia trancado minha respiração, e então, com toda a força, puxei a espada da pedra. E puxei uma vez mais, agora com as duas mãos. E a espada permaneceu imóvel.

- Esta espada não é para mim - eu falei em voz alta, me virando para meu irmão - agora é a sua vez de tentar, Arthur.

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Ashur
Enviado por Ashur em 13/07/2014
Reeditado em 13/07/2014
Código do texto: T4880059
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