Somos todos amantes do caos
Eram três da madrugada e eu estava mais uma vez acordada, olhando para o teto mal iluminado. A luz dos postes da rua atravessava as frestas da janela e deixava um padrão de listras nas paredes do meu pequeno quarto. Eu ouvia a respiração dos móveis, seu silêncio torturante e infinito. Meu peito arfava em busca de ar, mas a cada segundo parecia mais difícil executar essa vã tarefa.
Meus dedos entrelaçados sobre meu peito – um sonho inalcançável – já estavam dormentes devido à inércia. Os olhos estavam pesados, mas toda a força do mundo não era suficiente para fechá-los.
Cada segundo parecia arrastar-se, sentar-se em minha cama, tomar uma xícara de chá, contar sobre seu dia e só então retirar-se. Minha cabeça latejava ao som do silêncio. Aquilo fazia-me pensar, refletir sobre toda a minha vida. Sobre meus medos, sobre meus arrependimentos, sobre minhas escassas vitórias.
Não aguentava mais. Levantei-me da cama e fui até a cozinha. Peguei comprimidos para dormir e engoli-os de uma só vez, sem água. Voltei para a cama e depois de algum tempo, caí num sono profundo.
Sonhei que voava. Primeiramente, estava deitada num jardim sobre folhas secas e marrons de uma árvore qualquer. Depois, meus braços foram sendo puxados para cima e meu corpo o acompanhou. Alguns segundos depois o jardim já parecia algo distante, o vento que soprava em meu rosto era cada vez mais gelado. Uma luz branca e leitosa me envolvia. Eu não sentia medo. Todos meus temores e horrores pareciam ter sido lacrados num recipiente, do qual eu só os libertaria quando, e se, quisesse. Era minha caixa de Pandora particular. No alto, as estrelas se aproximavam, eu parecia conseguir tocá-las. Queria guardá-las no bolso.
Ao meu redor, após o limite da luz – que ao que parecia, saía de mim mesma – tudo estava envolto num breu imenso. As estrelas, de repente, se apagaram. Eu parecia estar pairando num vácuo profundo, até mesmo o vento cessara. Uma sensação de estar sendo observada caiu com força sobre mim, e pela primeira vez desde então, eu senti apreensão. Olhei ao redor. Não enxergava nada. Nem mesmo o jardim, ou qualquer outra coisa que poderia ser a Terra, era vista. Porém, a sensação de estar sendo vigiada se intensificava a cada segundo. Tentei falar. Nenhum som saiu da minha boca. A apreensão começou a transformar-se em desespero à medida que o silêncio parecia oprimir meu peito, dificultando minha respiração. Comecei a me debater para tentar sair daquele lugar, mas tudo parecia inútil. Eu não estava me movendo para lugar algum.
Ao longe, à minha direita, uma estrela voltou a brilhar. Meu coração entrou num ritmo mais calmo, minha respiração ficou menos ofegante. Finalmente, as coisas talvez voltassem ao normal. A estrela parecia ficar maior e maior. Sua luz começou a incomodar, fazendo com que eu tampasse os olhos. Mas mesmo assim, ela não parou. Nunca imaginei que algo pudesse emitir tanta luz! Minha cabeça começara a latejar, meus olhos ardiam!
O despertador ressoou baixinho na cabeceira.
Naquele dia, ela saiu com uma folha seca emaranhada nos cabelos. A moça não sabia, mas havia chegado perto de descobrir algo magnífico. Mas não estava preparada ainda. Para ela, que louvava o caos, a perfeição seria aterradora.