O CAVALINHO DE ASAS

I

Era um menininho, assim, pequetitinho. Morava numa casinha de caracol e dormia em um dedal. Usava um pijama de flanela cor-de-rosa e como não tinha mais nenhuma roupa, usava o pijaminha o dia inteirinho. Ele queria muito um cavalinho de asas. Esses mesmos que voam por sobre a água e são chamados também de libélulas... Aí sim, ele ficaria feliz... Huumm, voaria bem alto - upa upa- sairia pelo mundo para ver como ele está... Faria uma lança com o percevejo que achara no gramado. Seria um herói guerreiro, também usaria uns óculos de piloto e um capacete de aviador. Aiaiai, como pegar um cavalinho de asas? Eles são muito rápidos e também, são ferozes, praticamente indomáveis. Eles param no ar como helicópteros, são coloridos - como vocês sabem - azuis, vermelhos, marrons esverdeados... Como são lindinhos os cavalinhos de asas, pousados nos aguapés! Queria ir lá, ou chamá-lo e ele vir aqui... O menininho de pijaminha cor-de-rosa teria um cavalinho de asas... Rum... Teria sim, o seu próprio cavalinho de asas... Caçar vaga-lumes... Será que cavalinhos de asas voam à noite? Queria ele vir aqui... Eu vou lá pegar ele... Cruzar o lago numa folhinha de assa-peixe amarrá-lo com uma fibra de casquinha de pau, montar ele... URRA...

II

A abelhinha xuxumelou aqui ZUMZUM, bundinha amarela da abelhinha Rê Rê... O menininho vê a rã, ela é verde, a rã piscapiscou os olhinhos no pijaminha cor-de-rosa do menininho. Ela o achou bonitinho e sorriu uma língua branca para ele. O menininho contou à rã que queria um cavalinho de asas, daqueles azuis ou vermelhos. A rã verdinha mergulhou na agüinha fria da lagoa fria, surpreendeu o cavalinho de asas pousado no aguapé, capturou-o de mancinho para não feri-lo com a boca... RUM RUM... Mas, a rãzinha sentiu fome... NHAM NHAM NHAM... As asinhas tão crocantes, aquele cavalinho de asas parecia um quibe... SLUUPE... A rãzinha comeu o cavalinho de asas do menininho de pijama cor-de-rosa, ainda bem que ele não viu! Agora a rãzinha teria que mentir para não magoá-lo, ruuum, mentir é feio, mas, também seria tão feio fazer um menininho com um pijaminha cor-de-rosa tão pimposo sofrer... E magoar-se... A rãzinha mentiu. Disse ter escapulido o cavalinho de asas... Tão bonitinho azul/azul... Pediu ao menininho para não magoar-se, não ficar de birra com ela não, pegaria outro de outra vez, maior, mais bonito. Era boa de promessas a rãzinha...

III

O menininho, de outra vez, encontrou um calanguinho passeando com um iguanazinho, o menininho sorriu para eles, era um menininho educado, o iguanazinho era tímido e ficou azul – Rê Rê – tinha dentes amarelos, os olhinhos viravirando... Assim assim... Tudinho tudinho... Pediu a ele para não ter vergonha não, para ficar verdinho, alegrezinho, seriam amigos. O calanguinho era prafrentex e queria contar potocas, achava rir tão bombom... Ficaram passeando o dia inteirinho... Conhecer novos amigos faz tão bem, sair de casa, largar as coisinhas do todo dia. Como o fazia rir aquele calanguinho contador de potocas, diz que no céu o urubu é um urublue e no chão um urublack – KKKKK – o calanguinho podia ficar aqui a vida inteira... Melhor não, depois de um dia ele ia voltar a ser quem ele realmente é como todo muno é no dia-a-dia. E o iguanazinho viravirando os olhinhos, mudando sua corzinha, se rindo todo com seus dentinhos amarelos claro... Adeus, amiguinhos... O menininho achou engraçado: todos nós já somos de Deus, então, por que nos damos a Deus? Cisma o menininho, tão novinho e já se metendo em filosofias. Melhor voltarmos ao cavalinho de asas...

IV

O menininho arrumou o seu quartinho, na casinha de caracol. Ele achou a sua violinha de cocho – Rum/ Ruumm – iria tocar a sua modinha: Vaga-lume TUM TUM... Vaga-lume TUM TUM... Sá’mãe ta lá... Sô’pai ta cá... Tocano viola... Pr’ocê dançá... O menininho tinha mais asas do que o cavalinho - Rê Rê. O menininho tecia uma noite com as notas de sua violinha, pirilampos vinham lá sorrindo luzes, o menininho de olhinhos bem fechadinhos solava sua violinha em si bemol... Fazias estrelinhas riscar o céu... Tiiimmmtiliiimmmtimtiiiimmm... Ele continua a queimar o candieiro da meia noite, sozinho... Quando pensa em seu cavalinho de asas azul, suas notas são ainda mais bonitas. Pensa voar nele pelo céu azul, de capacete de aviador, óculos de aviador... Fazer vôos rasantes sobre o espelho d’água da lagoa. Trataria bem de seu cavalinho de asas. Se tivesse um... Cansou-se logo da violinha. Fez-se um dia... AiAi- o menininho de pijaminha rosa foi para o seu dedal, de tapa-olhos dormiu, dormiu...

V

Um dia o menininho viu a aranha tecendo uma teia, ou era uma manhã? Bem, o menininho perguntou a ela pra que uma teia assim tão grande, e a aranha, respondeu que era pra pegar o sol. O menininho do pijaminha cor-de-rosa notou que a aranha tinha oito olhinhos e achou melhor não comentar nada... Terra estranha, insetinho esquisito. Uma aranha tecendo uma teia enorme pra pegar o sol. A teia era do tamanho de uma manhã. E ele só queria um cavalinho de asas, queria mais que fosse do azul... As aranhas são insetinhos tão pretensiosos... Mesmo assim o menininho pediu à aranha que tecesse uma jaquetinha de aviador com o fio que tecia suas teias, ela resistiu no início, mas, depois tomou as medidas do menininho e teceu uma linda jaquetinha de aviador para ele, ela tinha a cor de uma manhã. Como ficou formoso o menininho de jaquetinha cor da manhã... Ele agradeceu a aranha que piscapiscou seus oito olhinhos, o menininho riu-se por dentro... A aranha ficou aliviada quando o menininho foi se embora com sua jaquetinha, ele tinha apenas dois olhos e um era azul e o outro verde. Gentinha esquisita era melhor nem se lembrar de que ele só tinha duas pernas...

VI

O menininho de pijaminha cor-de-rosa preparou uma armadilha para pegar um cavalinho de asas. Fez uma armadilha com o leite de mangaba que untou em um raminho, quando ele pousasse ali... Zás... Ficaria preso no visgo, ele o libertaria sobre um juramento de fidelidade e lealdade. A joaninha seria sua testemunha, faria um colar de contas para simbolizar o pacto. É sempre bom termos algo para nos lembrar de sermos fiéis... O cavalinho pensaria duas vezes antes de bater suas asinhas para longe dele. Iria voar até o outro lado do lago. O menininho era capaz de apostar que ninguém que não tinha asas jamais teria ido tão longe. Seria bom para o seu ego... Seus planos foram por água abaixo quando o cavalinho de asas pousou em sua armadilha e depois saiu voando, todo incomodado, com aquele raminho preso a seus pés, para bem longe. O menininho ficou fulo, tão fulo que disse uma palavra de não se dizer. Suas bochechas ficaram vermelhas e quando ele ia explodir sua ira, ele se lembrou do quanto é feio ficar irado e o quanto é vergonhoso se deixar dominar por um sentimento tão torpe. Era um menininho mesmo sabido, esse...

VII

Certa vez, o menininho de pijaminha cor-de-rosa encontrou uma cobrinha verde claro. Ele a cumprimentou educadamente e a perguntou o que ela fazia ali, em meio àquelas folhas e galhos. Ela respondeu que estava ali se camuflando, procurando ninhos de passarinhos, para lhe devorar os ovinhos, era disso que ela vivia. Ele achou aquela cobrinha muito malvada e mais, muito esquisita. Quando ele olhava dentro dos olhinhos dela, ele via as órbitas se transformarem em círculos que giravam cada vez mais rápidos, então, lhe dava uma tremenda vontade de ser ovinho de passarinho. Credo! Era melhor sair bem depressinha dali. Além disso, aquela serpentezinha não parava de mostrar lhe a língua, hábito abominável para um menininho tão educado. Ele preferia estar sozinho a ficar em tão péssima companhia. Diga-me com quem andas e te direis quem é...

VIII

O menininho começou a ter estranhos sonhos. Sonhava que fazia uma estranha viagem a um lugar onde tinha outros menininhos de pijaminha cor-de-rosa. Sonhava que tinham pessoas maiores, enormes, ao redor dele. Quando acordava o menininho sentia se estranhamente melancólico, quase triste. Percebeu que por ali, não existia outro menininho como ele e começou a sentir-se só. Não pensava mais em seu cavalinho de asas, queria saber se tinha outros menininhos como ele. E aquelas pessoas enormes ao seu redor? Quem seriam eles? Sentia-se ansioso, tinha vontade de viver sonhando, ou, viver em seus sonhos. O menininho começou a tecer sonhos, escrever histórias na areia, histórias em que ele vivia em outro lugar, cercado de menininhos como ele, de pessoas enormes que ficavam ao seu redor e ele ia querendo tanto, tanto que isso fosse real...

XIX

Um dia ele estava sentado na beira do lago. Pensativo. Seu coraçãozinho pequenininho estava ainda menor. Então veio um cavalinho de asas e planou bem a sua frente. Era azul, grande, grande. O cavalinho de asas de seus sonhos estava ali, bem na sua frente, e ele só tinha vontade de viver nas histórias que escrevia na areia. O cavalinho de asas leu sua alma em seus olhos, era pra isso que viera ali... Chamou o menininho. Pediu que subisse em suas costas, iria encantá-lo. Era hora de nascer. O cavalinho azul bateu forte suas quatro asas e voou em direção ao sol, foi subindo, subindo, até sumirem no clarão da vida...

GERALDO RODRIX

Geraldo Rodrix
Enviado por Geraldo Rodrix em 13/01/2014
Reeditado em 13/01/2014
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