O ofício de Zé, o duende.
Zé é um duende ocupado. Acorda sempre de madrugadinha, quando o mutum pia na capoeira. Ele precisa ajudar as flores a se abrirem, derramando o pozinho de sua saquinho de couro, conhece todas as árvores do lugar e os moradores que habitam nelas. Os morcegos semeiam sementes de frutos durante a noite, Zé precisa cobri-las com terra para que possam germinar e crescer. Zé anda pelo tabocal e vigia os ninhos das juritis e outros pássaros que chocam por lá. Zé toca a sua flauta e anima os pássaros que cantam nas portas do amanhecer. A sinfonia é alta até nascer completamente o sol. Zé olha o espelho d'água da vereda, piabas nadam em cardumes, sempre fugindo das gulosas traíras. Uma cobrinha verde atravessa a vereda, Zé observa como ela nada rápido por sobre a água límpida e a vê se alojar numa folha caída de buriti. O socó-boi deixa os pindaibais e os ariris vêm pousar na areia molhada e fria. Correm desajeitados para dentro d'água catar moluscos e vermes. A sua amiga inhuma canta e diminui as manhãs, o passarinho que grita escondidinho Cró...cró...cró. Zé se move com cuidado para não acordar os jacarés que tomam o sol com a boca aberta. Um teiú vem em disparada do carrascal, daqui a pouco as emas deixam o gerais para descerem na vereda, imensas. As seriemas se desafiam no cerrado. O dia passa e o zé a correr, indica aos tatus onde estão caindo os frutos do saputá, dos araticuns ou araçás. Ele leva as raposinhas de volta para sua toca no barranco, as peraltas podem se perder. As almas-de-gato pulam pelos arbustos que nascem em meio ao capinzal. Chega a tarde, Zé prepara o seu cachimbo de coquinho com o borlé, senta na soleira da porta de sua casinha-de-caramujo e olha a vereda do sossego,seu mundo dentro de outro mundo. Zé é feliz aqui, tudo ao seu redor é seu sem lhe pertencer, sua missão é cuidar do mundo que vive. Sem nada cobrar, sem nada receber. Dividir com seus irmãos, animais e plantas, a alegria de viver. Zé vive e deixa viver...